Era uma terra importante, austera e imponente, a do País de Gales,
antes que a indústria moderna a tivesse coberto de chaminés das usinas,
perfurado por inúmeras bocas de minas e obscurecido o seu céu com espessa
fumaça. Hoje ainda podem ser notados os resíduos da acção das forças
subterrâneas que esculpiram as suas colinas, alteraram as suas montanhas, como
aquela de Snowdon esse
monte sagrado que domina toda a região, ultrapassa mil metros de altura e cuja
origem vulcânica é evidente.
Em todos os lugares, magmas de lavas e de pórfiro se
alternam com as rochas e terrenos eruptivos, formando camadas em desordem que a
Geologia designa pelo nome de “cambrianas”,
que foi o nome primitivo da região.
No relevo das suas montanhas, Gales do Norte reúne a
graça dos vales e a abundância das torrentes.
A Escócia também conheceu e conservou restos de
manifestações dessa potência que ergueu cumes abruptos. Foi ela que levantou
essas muralhas de granito, de basalto, de pórfiro, marginais ao canal caledónio
e se prolongam até à costa da Irlanda sob a forma de colunata imensa, conhecida
sob o nome de “Calçadados
Gigantes”.
A Escócia tem, além disso, a poesia, a
beleza triste e severa dos seus lagos, dos seus pantanais e dos seus
planaltos solitários, semeados de urzes róseas e de musgos de todas as cores.
A parte norte é encrespada de picos, sempre
envolvidos de neblina, mas tão imponentes quando se tingem de púrpura, no
crepúsculo, ou de raios esbranquiçados da Lua.
Acrescentemos as penínsulas escarpadas que se
prolongam ao longe no mar, os promontórios incessantemente batidos pelas ondas
e, se terá uma ideia dessa natureza formidável onde se ramifica a cadeia mestra
que serve de coluna vertebral à Grã-Bretanha.
Uma longa guirlanda de ilhas contém as chamadas “Terras
Altas” da Escócia, e uma delas, Staffa,
possui a célebre grutade Fingall, semelhante a um templo e, onde cada
dia a maré crescente executa a sua cantiga queixosa. A raça dócil e forte que
se adaptou a esses países parece ter bebido neles, na sua natureza
grandiosa, as qualidades viris que a distinguem e, principalmente,
toda essa vontade firme que, através dos tempos de provas, conserva, apesar de
tudo, a esperança de uma renascença e de uma vida eterna.
A causa desse fenómeno nos é revelada pelo
espírito Allan
Kardec numa das mensagens que publicamos adiante. Ele provém da
corrente céltica que, desde os tempos primitivos, se estendeu no nordeste da
Europa, impregnando profundamente o seu solo, e de onde o seu
magnetismo atingiu os habitantes e, pouco a pouco, as gerações que
ali se sucederam.
É preciso notar, com efeito, que os ingleses e os
saxões que vieram do leste possuem um carácter bem diferente, mais positivo e
prático, menos inclinado para o ideal. Se, por excepção, se encontram entre
eles naturezas mais idealistas, é raro que elas não se
liguem por laços anteriores a alguma origem céltica. Tais
são, por exemplo, Conan Doyle, Bernard
Shaw e tantos outros, que, por mais ingleses que sejam, pela cultura e
pela língua, não provêm menos de um tronco irlandês.
Apesar das longas, das eternas perseguições, os
anglo-saxões nunca conseguiram domar o sentimento nacional, o
carácter étnico dos galeses e dos escoceses. Bem longe de os
assimilar, eles foram, isso sim, assimilados pelos anglo-saxões, cada vez que
entraram em contacto permanente. É assim que os operários ingleses, atraídos ao
País de Gales pela indústria mineira, adoptaram rapidamente os hábitos e mesmo
a língua desse país.
Graças à sua energia persistente,
o Principado de Gales soube guardar a sua autonomia administrativa, assim como
as grandes franquias para as suas escolas, colégios e universidades e, até
mesmo para a sua igreja nacional. Ele conservou a sua língua e a sua
literatura, de tal modo que a cidade de Cardiff e
o condado
de Glamorgan se tornaram os focos mais intensos da propaganda
céltica, onde se imprimem e se publicam todas as obras dos bardos antigos e
modernos.
Dali partiu o primeiro sinal do movimento
pancéltico que reúne, todos os anos, delegados vindos de todos os
pontos do horizonte para confraternizar num mesmo espírito e num mesmo coração.
Se a força vital de um povo é a sua
alma, fé na justiça imanente e num Além compensador, pode dizer-se que
os galeses estão de tal sorte impregnados por ela que a sua convicção recai
sobre todo o seu estado moral e social. Com efeito, nota-se ali uma coisa
bastante rara na França: é que os tribunais frequentemente não entram em função
por não haver acusados nem culpados para julgar.
O alcoolismo, esse flagelo dos países célticos, ali
também está em decréscimo. Encontram-se esses mesmos factos na
Escócia, em grau menor.
/…
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO III – O País de Gales. A
Escócia. A obra dos bardos (1 de 3), 11º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que
morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, Ossian, Desaix, Kléber, Marceau, Hoche, Championnet,
pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)
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