sexta-feira, 31 de agosto de 2018

a pedra e o joio ~


~ o espírito como objecto ~

   Kardec transformou o espírito, entidade metafísica, em objecto específico de pesquisa científica. Nem mesmo a reacção kantiana, nos séculos XVIII e XIX, com a crítica da razão, estabelecendo os supostos limites do conhecimento em termos do Empirismo inglês, impediu essa transformação. Na própria Alemanha o professor Friedrich Zöllner, da Universidade de Leipzig, submeteu o espírito à investigação de Kardec e Schrenck Von Notzing, em Berlim, instalou o primeiro laboratório de pesquisa espírita do mundo. Hoje os cientistas soviéticos, na maior fortaleza ideológica do materialismo no mundo, provaram sem querer a existência do espírito e do seu corpo espiritual, a que passaram a chamar de corpo bioplasmático. As pesquisas realizadas com o fenómeno da morte mostrou-lhes que o corpo material é vitalizado por ele e por ele mantido em função. A última novidade da Biologia soviética é essa descoberta que atenta contra o materialismo de Estado.

O espírito convertido em objecto de investigação física e biológica é hoje a prova inegável da vitória de Kardec. Mas Kardec avançou além dessa posição actual. Ele não se limitou a pesquisar o espírito como objecto acessível à percepção sensorial. Da mesma maneira por que o pensamento, na Lógica, é um objecto não-físico – e hoje na Parapsicologia um objecto extrafísico –, Kardec submeteu o espírito a pesquisas psicológicas e provou a sua realidade energética, a sua natureza dupla, de energia espiritual pura manifestada no corpo espiritual, de natureza semimaterial. Os instrumentos de que se serviu para essa audaciosa pesquisa constituem hoje os campos de força da percepção extra-sensorial, cuja realidade palpável foi demonstrada pelas experiências de laboratório dos mais eminentes parapsicólogos. A aparelhagem mediúnica das pesquisas de Kardec, ridicularizadas pelos sabichões do tempo, como Richet os classificou, é hoje cientificamente reconhecida, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, na Alemanha quanto na URSS.

Kardec desenvolveu o seu método de pesquisa tendo por base o processo de comunicação. Hoje estamos na época da comunicação e essa palavra adquiriu um valor científico de importância básica. Mas a palavra comunicação já era, no tempo de Kardec, uma categoria da Filosofia Espírita e designava um elemento fundamental da pesquisa espírita. A comunicação mediúnica abriu para o homem uma nova dimensão na sua concepção do mundo e da vida. E Kardec dedicou-lhe todo um tratado, com O Livro dos Médiuns, estabelecendo as regras metodológicas da comunicação entre os vivos da Terra e os supostos mortos do Além. Nenhum tratado actual de Parapsicologia conseguiu superar o que Kardec descobriu e expôs nesse volume.

Com essa descoberta Kardec revolucionou o campo central das estruturas religiosas. O problema da Revelação, que representava uma fortaleza aparentemente inexpugnável da Religião, o seu mistério essencial e fundamental, foi cruamente esclarecido. E a posição metodológica de Kardec enriqueceu-se com a possibilidade de investigar as próprias bases da Religião. Mostrando que a fonte da Revelação é a comunicação mediúnica, Kardec pôde estabelecer a relação entre Ciência e Religião de maneira definitiva. Existe, explicou ele, a Revelação Espiritual, que consiste no ensino de leis do mundo espiritual através da comunicação mediúnica, e existe a Revelação Científica, que consiste na explicação de leis do mundo material através da comunicação científica, feita pelos pesquisadores. A Ciência Espírita utilizou-se dessas duas formas de revelação e estabeleceu a conjugação de ambas para o controlo do conhecimento da realidade, que é o objectivo directo da Ciência.

Foi assim que Kardec, adoptando uma orientação metodológica segura e nunca dela se afastando, conseguiu, finalmente, desdobrar a moderna concepção do mundo, revelando a face oculta da própria Terra em que vivemos e aniquilando o último reduto do maravilhoso ou sobrenatural. Graças a ele, ao seu trabalho gigantesco e ao sacrifício total de sua existência, os cientistas actuais poderão prosseguir no desenvolvimento das Ciências, sem tropeçar nas barreiras supersticiosas, mitológicas, mágicas e teológicas do passado. Kardec completou a Ciência com a sua contribuição espantosa. Fez, praticamente sozinho, no campo do espírito, e em apenas quinze anos de trabalho, o que milhares de equipas de cientistas, no campo da matéria, realizaram através de pelo menos três séculos.

E a precisão do seu método se confirma nas conclusões inabaladas e inabaláveis a que chegou sozinho, muitas vezes criticado pelos seus próprios companheiros, que o acusavam de personalismo centralizador. Faltava aos próprios companheiros o espírito científico que o sustentou na batalha sem tréguas. Os que hoje desejam confundir as coisas, ignorando o problema metodológico em Kardec, aceitando mistificações grosseiras de espíritos pseudo-sábios, servem apenas para provar, ainda nos nossos dias, como e quanto Kardec avançou no futuro, superando em muito o seu e o nosso tempo.

Só a ignorância orgulhosa ou a inteligência vaidosa e interesseira podem hoje querer superar Kardec, quando a própria Ciência e a própria Filosofia actuais estão ainda rastreando as conquistas de Kardec, nos rumos de futuras descobertas. O Espiritismo evolui, como tudo evolui no Universo. Esse é um axioma espírita. Mas a obra de superação de Kardec pertence às gerações do amanhã, pois a geração actual não revelou ainda condições sequer para compreender Kardec. Por outro lado, é bom lembrar que a superação de Kardec não será mais do que o prosseguimento do seu trabalho, o desdobramento da sua obra, na medida em que o homem se torne mais apto a compreender o que Kardec ensinou. O atraso actual do movimento espírita sugere-nos, mesmo, que talvez o próprio Kardec tenha de voltar à Terra, como os Espíritos lhe disseram na ocasião em que esteve entre nós, para completar a sua obra, que homem nenhum foi capaz até ao momento de ampliar em qualquer sentido.

Os leitores que desejarem verificar as comprovações parapsicológicas actuais das pesquisas de Kardec poderão fazê-lo em duas fontes: a nossa tradução anotada de O Livro dos Médiuns e o nosso livro Parapsicologia Hoje e Amanhã, na sua quarta edição. Neste último encontrar-se-á um capítulo especial sobre a descoberta do corpo bioplasmático pelos físicos e biólogos soviéticos.

Fotografias da aura das coisas e dos seres têm sido apresentadas como fotografias da alma e justamente rejeitadas pelas pessoas de bom senso. Essas fotos pertencem à fase da efluviografia nas experiências com as câmaras Kirlianas. As fotografias do corpo bioplasmático são as que realmente correspondem à alma.

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José Herculano Pires, A pedra e o joio, Crítica à teoria corpuscular do espírito, O espírito como objecto, 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As Colhedoras de Grãos, pintura a óleo por Jean-François Millet)

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


Introdução

Os argumentos em favor da sobrevivência humana, isto é, os de que a morte é um acontecimento que só diz respeito ao corpo, são tão velhos quanto o mundo. Parte deles pode ser considerada como teológica, baseada na bondade e na justiça de um Criador, ao passo que a outra parte, que se pode chamar de antropológica, se apoia na repulsão instintiva da ideia de aniquilamento no homem e ainda no postulado de que os instintos, produto da evolução, devem corresponder, até certo ponto, à realidade.

Nesta obra não me apoio em nenhum destes argumentos, respeitando-os todavia. De facto, não alimento desejo algum de controvérsia, porém toda a minha tese repousa na experiência e na aceitação de uma categoria de factos que podem ser verificados por qualquer pessoa, com a condição de que se dê ao trabalho de investigá-los.

Conheço o peso da palavra “facto” na Ciência e digo, sem hesitação, que a continuidade individual e pessoal é para mim um facto demonstrado. Cheguei a esta conclusão pelo estudo das faculdades humanas obscuras, isto é, ainda não reconhecidas pela ciência ortodoxa e que não receberam aprovação dos teólogos em geral. É, pois, permitido e talvez mesmo obrigatório conceder, de um tempo ao outro, uma desculpa a respeito de minha persistência neste estudo e de minha convicção profunda no que concerne aos seus resultados.

Acessoriamente, é claro que a palavra “imortalidade”, empregada no título desta obra, deve ser tomada na sua significação convencional, visto que nenhuma asserção relativa ao “infinito” é possível nos limites de nossa inteligência. Tudo o que podemos ter a esperança de demonstrar é a sobrevivência da personalidade. O verdadeiro rompimento aparente na continuidade da vida humana nos espera no limiar da morte. Se sobrevivemos a esse rompimento, é pouco provável que encontremos, em seguida, qualquer outra descontinuidade mais profunda ainda cuja influência nos destrua.

Tudo o que possuímos, como prova, diz respeito à persistência individual após a separação do nosso invólucro terrestre. Seria, pois, presunção pretender saber o que nos reservará um futuro algo obscuro e remoto. É, na verdade, um amanhã sobre o qual não temos necessidade de pensar agora.

Que nos baste saber, no momento, que esta vida não é o fim de nossa individualidade e que, se soubermos utilizá-la com rectidão, constituirá ela a primeira etapa, por muito tempo adiada, de uma tarefa sempre mais efectiva, tarefa em harmonia com a nossa natureza íntima, equivalente, por consequência, à liberdade completa.

                                                                        “In la sua volontà è nostra pace.”

                                                                                      Oliver Lodge


Capítulo I

Visão cósmica da vida e do Espírito

“A distinção entre a religião e a moral está na crença em um outro mundo e no esforço para comunicar-nos com ele.” (Padre George Tyrrell, no Quarterly Review de julho de 1909).

Durante a maior parte da sua história, a humanidade só conheceu a Terra que, para ela, era o único mundo existente, e as estrelas do céu só serviam para iluminar as coisas (“Uma luz maior para iluminar o dia e uma menor para presidir à noite. Deus criou, assim, as estrelas”). Alguns raios de uma ciência mais vasta brilharam na Antiguidade. As poesias clássica e medieval discorriam sobre regiões super-sensoriais que se encontram acima e abaixo da superfície terrestre, olhadas sempre como subordinadas e em estreita relação com a Terra. Somente alguns séculos depois de Copérnico (A. D. 1500), a ideia da Terra, como um corpo celeste entre uma multidão de outros, penetrou na inteligência popular. Nos tempos hodiernos, as ideias se estenderam do plano terrestre à vida cósmica. Esta grande revolução no pensamento é hoje um facto mais ou menos aceite e cada um admite a existência de uma porção de outros mundos, ao menos quanto à constituição material e nos seus movimentos no espaço. Esperemos que, afinal, graças a essa ampliação nas nossas concepções materiais, nos seja possível reencontrar a luz espiritual e o entusiasmo da Idade Média, de que somos devedores a Chartres e a outras catedrais.

Ainda que essa luz esteja desaparecida nos séculos presentes, pode fazer-se com que torne a brilhar. Com um conhecimento mais aprofundado da ordem material, um sentimento renovado de ordem espiritual se desenha. Não foi sem um fim que a catedral de Liverpool, tão vasta e imponente, foi construída por uma empresa civil neste século de perigos, lutas e tumultos.

Apesar dos nossos conhecimentos materiais, no entanto, é verdade que, quando nos ocupamos do domínio mental e espiritual, verificamos que ainda subsiste alguma coisa da antiga limitação terrena. A Ciência não conhece nem vida nem espírito fora dos limites deste planeta e todos os nossos sistemas de pensamento repousam nesta base estreita. Em Psicologia, o homem é considerado como o único ser inteligente pairando acima de todos os outros. Admitem-se, por força, inteligências inferiores e relações íntimas entre ele e o resto da vida animal, mas a existência de seres superiores ao homem é geralmente ignorada ou negada. Todas as tentativas feitas para entreter relações com essas entidades hipotéticas, para conhecer algo sobre a sua natureza ou mesmo para verificar a sua existência são reprovadas como uma superstição indigna da ciência.

Ao mesmo tempo, existem provas de fenómenos raros e bizarros que nos sugerem que essa limitação à vida terrestre, anterior a Copérnico, e essa falta de interesse ou de crença no Além, são uma visão muito limitada da nossa concepção do universo, longe, aliás, de ser inteiramente satisfatória. Para manter a hipótese de um isolamento completo e absoluto da Terra é preciso rejeitar, resolutamente, certos factos e considerá-los, sem discriminação, como fraudulentos. É preciso recordar que os instintos não têm sido governados senão muito fracamente por considerações científicas. A vida humana é mais poderosamente regida pela emoção e pelo instinto do que pela razão e a lógica e, por toda a parte, o instinto do homem o leva a considerar a existência de forças Superiores, forças que, de uma forma ou de outra, governam o seu destino, que ele pode melhorar ou piorar, por meio de cerimónias. Que essas forças sejam múltiplas ou que sejam a prerrogativa de um Ser Único é coisa de pouca importância. No que concerne aos atributos desse Ser Único, verifica-se uma grande diversidade de doutrinas e um progresso gradual para uma maneira de ver que vai melhorando sempre.

O ideal mais elevado atingido pela humanidade reflecte, em cada época, nas suas noções sobre a Divindade, uma concepção adequada, necessariamente limitada pelo seu desenvolvimento moral e intelectual.

Se o animal tem um culto qualquer, não pode adorar senão ao homem, o seu superior tangível e visível. O homem já atingiu um culto supersensível. Ele é capaz de representar a sua interpretação simbólica do Universo em imagens ou sob outras formas artísticas. O Cristianismo iluminou a nossa percepção do divino, exaltando a ideia da Encarnação.

Sejam quais forem, porém, a diversidade e a elevação das nossas concepções, é fora de dúvida, como disse o padre Tyrrell, que a essência da religião repousa na crença num outro mundo, numa outra ordem de existência e nas nossas tentativas para entrar em relação com ele. As nossas igrejas e as nossas capelas, com as suas cerimónias de oração e adoração, são eloquentes testemunhos dessa tendência universal. A base de todas as religiões é a crença na existência de um mundo espiritual, isto é, na existência de inteligências ou seres mais elevados do que o homem. Quando se admite a existência de tais inteligências, sente-se que elas podem influenciar e auxiliar a nossa vida; quando se entrevê a possibilidade de entrar em relação com elas e obter o seu auxílio, torna-se então essa crença mais do que intelectual e desabrocha em forma de religiões mais ou menos perfeitas.

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Oliver LodgePor que creio na imortalidade da AlmaIntrodução, Capítulo I Visão cósmica da vida e do Espírito (1 de 2), fragmento 1º desta obra.
(imagem de contextualização: Sir Oliver Joseph Lodge, 1851-1940)