Introdução
Os argumentos em favor da sobrevivência humana, isto é, os de que a morte é
um acontecimento que só diz respeito ao corpo, são tão velhos quanto o mundo.
Parte deles pode ser considerada como teológica, baseada na bondade e
na justiça de um Criador, ao passo que a outra parte, que se pode chamar de antropológica, se apoia na
repulsão instintiva da ideia de aniquilamento no homem e ainda no postulado de
que os instintos, produto da evolução, devem corresponder, até certo ponto, à
realidade.
Nesta obra não me apoio em nenhum destes argumentos, respeitando-os todavia. De
facto, não alimento desejo algum de controvérsia, porém toda a minha tese
repousa na experiência e na aceitação de uma categoria de factos que podem ser
verificados por qualquer pessoa, com a condição de que se dê ao trabalho de
investigá-los.
Conheço o peso da palavra “facto” na Ciência e digo, sem hesitação, que a
continuidade individual e pessoal é para mim um facto demonstrado.
Cheguei a esta conclusão pelo estudo das faculdades humanas obscuras, isto é,
ainda não reconhecidas pela ciência ortodoxa e que não receberam aprovação dos
teólogos em geral. É, pois, permitido e talvez mesmo obrigatório conceder, de
um tempo ao outro, uma desculpa a respeito de minha persistência neste estudo e
de minha convicção profunda no que concerne aos seus resultados.
Acessoriamente, é claro que a palavra “imortalidade”, empregada no título desta
obra, deve ser tomada na sua significação convencional, visto que nenhuma
asserção relativa ao “infinito” é possível nos limites de nossa inteligência.
Tudo o que podemos ter a esperança de demonstrar é a sobrevivência da
personalidade. O verdadeiro rompimento aparente na continuidade da vida
humana nos espera no limiar da morte. Se sobrevivemos a esse rompimento, é
pouco provável que encontremos, em seguida, qualquer outra
descontinuidade mais profunda ainda cuja influência nos destrua.
Tudo o que possuímos, como prova, diz respeito à
persistência individual após a separação do nosso invólucro terrestre. Seria,
pois, presunção pretender saber o que nos reservará um futuro
algo obscuro e remoto. É, na verdade, um amanhã sobre o qual não temos
necessidade de pensar agora.
Que nos baste saber, no momento, que esta vida não é
o fim de nossa individualidade e que, se soubermos utilizá-la com rectidão,
constituirá ela a primeira etapa, por muito tempo adiada, de uma tarefa
sempre mais efectiva, tarefa em harmonia com a nossa natureza íntima,
equivalente, por consequência, à liberdade completa.
“In la sua volontà è nostra pace.”
Oliver
Lodge
Capítulo I
Visão cósmica da vida e do Espírito
“A distinção entre a religião e a moral está na crença em um
outro mundo e no esforço para comunicar-nos com ele.” (Padre George Tyrrell,
no Quarterly Review de julho de 1909).
Durante a maior parte da sua história, a humanidade só
conheceu a Terra que, para ela, era o único mundo existente, e as
estrelas do céu só serviam para iluminar as coisas (“Uma luz maior para
iluminar o dia e uma menor para presidir à noite. Deus criou, assim, as
estrelas”). Alguns raios de uma ciência mais vasta brilharam na
Antiguidade. As poesias clássica e medieval discorriam sobre
regiões super-sensoriais que se encontram acima e abaixo da superfície
terrestre, olhadas sempre como subordinadas e em estreita relação com a Terra.
Somente alguns séculos depois de Copérnico (A.
D. 1500), a ideia da Terra, como um corpo celeste entre uma multidão de
outros, penetrou na inteligência popular. Nos tempos hodiernos, as ideias
se estenderam do plano terrestre à vida cósmica. Esta grande revolução no
pensamento é hoje um facto mais ou menos aceite e cada um admite a
existência de uma porção de outros mundos, ao menos quanto à constituição
material e nos seus movimentos no espaço. Esperemos que, afinal, graças a essa
ampliação nas nossas concepções materiais, nos seja possível
reencontrar a luz espiritual e o entusiasmo da Idade Média, de que
somos devedores a Chartres e
a outras catedrais.
Ainda que essa luz esteja desaparecida nos séculos
presentes, pode fazer-se com que torne a brilhar. Com um conhecimento mais
aprofundado da ordem material, um sentimento renovado de ordem
espiritual se desenha. Não foi sem um fim que a catedral de Liverpool,
tão vasta e imponente, foi construída por uma empresa civil neste século de
perigos, lutas e tumultos.
Apesar dos nossos conhecimentos materiais, no entanto, é
verdade que, quando nos ocupamos do domínio mental e espiritual,
verificamos que ainda subsiste alguma coisa da antiga limitação terrena. A
Ciência não conhece nem vida nem espírito fora dos limites deste
planeta e todos os nossos sistemas de pensamento repousam nesta base
estreita. Em Psicologia, o homem é considerado como o único ser inteligente
pairando acima de todos os outros. Admitem-se, por força, inteligências
inferiores e relações íntimas entre ele e o resto da vida animal, mas a
existência de seres superiores ao homem é geralmente ignorada ou
negada. Todas as tentativas feitas para entreter relações com
essas entidades hipotéticas, para conhecer algo sobre a sua
natureza ou mesmo para verificar a sua existência são
reprovadas como uma superstição indigna da ciência.
Ao mesmo tempo, existem provas de fenómenos raros e bizarros que nos sugerem
que essa limitação à vida terrestre, anterior a Copérnico, e essa
falta de interesse ou de crença no Além, são uma visão muito
limitada da nossa concepção do universo, longe, aliás, de ser
inteiramente satisfatória. Para manter a hipótese de um isolamento completo e
absoluto da Terra é preciso rejeitar, resolutamente, certos factos e
considerá-los, sem discriminação, como fraudulentos. É preciso recordar que os
instintos não têm sido governados senão muito fracamente por considerações
científicas. A vida humana é mais poderosamente regida pela emoção e pelo
instinto do que pela razão e a lógica e, por toda a parte, o instinto
do homem o leva a considerar a existência de forças Superiores, forças que,
de uma forma ou de outra, governam o seu destino, que ele pode melhorar ou
piorar, por meio de cerimónias. Que essas forças sejam múltiplas ou que sejam a
prerrogativa de um Ser Único é coisa de pouca importância. No que concerne aos
atributos desse Ser Único, verifica-se uma grande diversidade de doutrinas e um
progresso gradual para uma maneira de ver que vai melhorando sempre.
O ideal mais elevado atingido pela humanidade reflecte, em cada época, nas suas
noções sobre a Divindade, uma concepção adequada, necessariamente
limitada pelo seu desenvolvimento moral e intelectual.
Se o animal tem um culto qualquer, não pode adorar senão ao
homem, o seu superior tangível e visível. O homem já atingiu um culto
supersensível. Ele é capaz de representar a sua interpretação simbólica
do Universo em imagens ou sob outras formas artísticas. O Cristianismo iluminou a
nossa percepção do divino, exaltando a ideia da Encarnação.
Sejam quais forem, porém, a diversidade e a elevação das nossas concepções, é
fora de dúvida, como disse o padre Tyrrell,
que a essência da religião repousa na crença num outro mundo, numa
outra ordem de existência e nas nossas tentativas para entrar em relação com
ele. As nossas igrejas e as nossas capelas, com as suas cerimónias de
oração e adoração, são eloquentes testemunhos dessa tendência universal. A base
de todas as religiões é a crença na existência de um mundo espiritual, isto
é, na existência de inteligências ou seres mais elevados do que o homem.
Quando se admite a existência de tais inteligências, sente-se que elas podem
influenciar e auxiliar a nossa vida; quando se entrevê a possibilidade de
entrar em relação com elas e obter o seu auxílio, torna-se então essa crença
mais do que intelectual e desabrocha em forma de religiões mais ou menos
perfeitas.
/...
Oliver Lodge, Por
que creio na imortalidade da Alma, Introdução, Capítulo
I Visão cósmica da vida e do Espírito (1 de 2), fragmento 1º desta obra.
(imagem de contextualização: Sir Oliver Joseph Lodge,
1851-1940)
Sem comentários:
Enviar um comentário