quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


Introdução

Os argumentos em favor da sobrevivência humana, isto é, os de que a morte é um acontecimento que só diz respeito ao corpo, são tão velhos quanto o mundo. Parte deles pode ser considerada como teológica, baseada na bondade e na justiça de um Criador, ao passo que a outra parte, que se pode chamar de antropológica, se apoia na repulsão instintiva da ideia de aniquilamento no homem e ainda no postulado de que os instintos, produto da evolução, devem corresponder, até certo ponto, à realidade.

Nesta obra não me apoio em nenhum destes argumentos, respeitando-os todavia. De facto, não alimento desejo algum de controvérsia, porém toda a minha tese repousa na experiência e na aceitação de uma categoria de factos que podem ser verificados por qualquer pessoa, com a condição de que se dê ao trabalho de investigá-los.

Conheço o peso da palavra “facto” na Ciência e digo, sem hesitação, que a continuidade individual e pessoal é para mim um facto demonstrado. Cheguei a esta conclusão pelo estudo das faculdades humanas obscuras, isto é, ainda não reconhecidas pela ciência ortodoxa e que não receberam aprovação dos teólogos em geral. É, pois, permitido e talvez mesmo obrigatório conceder, de um tempo ao outro, uma desculpa a respeito de minha persistência neste estudo e de minha convicção profunda no que concerne aos seus resultados.

Acessoriamente, é claro que a palavra “imortalidade”, empregada no título desta obra, deve ser tomada na sua significação convencional, visto que nenhuma asserção relativa ao “infinito” é possível nos limites de nossa inteligência. Tudo o que podemos ter a esperança de demonstrar é a sobrevivência da personalidade. O verdadeiro rompimento aparente na continuidade da vida humana nos espera no limiar da morte. Se sobrevivemos a esse rompimento, é pouco provável que encontremos, em seguida, qualquer outra descontinuidade mais profunda ainda cuja influência nos destrua.

Tudo o que possuímos, como prova, diz respeito à persistência individual após a separação do nosso invólucro terrestre. Seria, pois, presunção pretender saber o que nos reservará um futuro algo obscuro e remoto. É, na verdade, um amanhã sobre o qual não temos necessidade de pensar agora.

Que nos baste saber, no momento, que esta vida não é o fim de nossa individualidade e que, se soubermos utilizá-la com rectidão, constituirá ela a primeira etapa, por muito tempo adiada, de uma tarefa sempre mais efectiva, tarefa em harmonia com a nossa natureza íntima, equivalente, por consequência, à liberdade completa.

                                                                        “In la sua volontà è nostra pace.”

                                                                                      Oliver Lodge


Capítulo I

Visão cósmica da vida e do Espírito

“A distinção entre a religião e a moral está na crença em um outro mundo e no esforço para comunicar-nos com ele.” (Padre George Tyrrell, no Quarterly Review de julho de 1909).

Durante a maior parte da sua história, a humanidade só conheceu a Terra que, para ela, era o único mundo existente, e as estrelas do céu só serviam para iluminar as coisas (“Uma luz maior para iluminar o dia e uma menor para presidir à noite. Deus criou, assim, as estrelas”). Alguns raios de uma ciência mais vasta brilharam na Antiguidade. As poesias clássica e medieval discorriam sobre regiões super-sensoriais que se encontram acima e abaixo da superfície terrestre, olhadas sempre como subordinadas e em estreita relação com a Terra. Somente alguns séculos depois de Copérnico (A. D. 1500), a ideia da Terra, como um corpo celeste entre uma multidão de outros, penetrou na inteligência popular. Nos tempos hodiernos, as ideias se estenderam do plano terrestre à vida cósmica. Esta grande revolução no pensamento é hoje um facto mais ou menos aceite e cada um admite a existência de uma porção de outros mundos, ao menos quanto à constituição material e nos seus movimentos no espaço. Esperemos que, afinal, graças a essa ampliação nas nossas concepções materiais, nos seja possível reencontrar a luz espiritual e o entusiasmo da Idade Média, de que somos devedores a Chartres e a outras catedrais.

Ainda que essa luz esteja desaparecida nos séculos presentes, pode fazer-se com que torne a brilhar. Com um conhecimento mais aprofundado da ordem material, um sentimento renovado de ordem espiritual se desenha. Não foi sem um fim que a catedral de Liverpool, tão vasta e imponente, foi construída por uma empresa civil neste século de perigos, lutas e tumultos.

Apesar dos nossos conhecimentos materiais, no entanto, é verdade que, quando nos ocupamos do domínio mental e espiritual, verificamos que ainda subsiste alguma coisa da antiga limitação terrena. A Ciência não conhece nem vida nem espírito fora dos limites deste planeta e todos os nossos sistemas de pensamento repousam nesta base estreita. Em Psicologia, o homem é considerado como o único ser inteligente pairando acima de todos os outros. Admitem-se, por força, inteligências inferiores e relações íntimas entre ele e o resto da vida animal, mas a existência de seres superiores ao homem é geralmente ignorada ou negada. Todas as tentativas feitas para entreter relações com essas entidades hipotéticas, para conhecer algo sobre a sua natureza ou mesmo para verificar a sua existência são reprovadas como uma superstição indigna da ciência.

Ao mesmo tempo, existem provas de fenómenos raros e bizarros que nos sugerem que essa limitação à vida terrestre, anterior a Copérnico, e essa falta de interesse ou de crença no Além, são uma visão muito limitada da nossa concepção do universo, longe, aliás, de ser inteiramente satisfatória. Para manter a hipótese de um isolamento completo e absoluto da Terra é preciso rejeitar, resolutamente, certos factos e considerá-los, sem discriminação, como fraudulentos. É preciso recordar que os instintos não têm sido governados senão muito fracamente por considerações científicas. A vida humana é mais poderosamente regida pela emoção e pelo instinto do que pela razão e a lógica e, por toda a parte, o instinto do homem o leva a considerar a existência de forças Superiores, forças que, de uma forma ou de outra, governam o seu destino, que ele pode melhorar ou piorar, por meio de cerimónias. Que essas forças sejam múltiplas ou que sejam a prerrogativa de um Ser Único é coisa de pouca importância. No que concerne aos atributos desse Ser Único, verifica-se uma grande diversidade de doutrinas e um progresso gradual para uma maneira de ver que vai melhorando sempre.

O ideal mais elevado atingido pela humanidade reflecte, em cada época, nas suas noções sobre a Divindade, uma concepção adequada, necessariamente limitada pelo seu desenvolvimento moral e intelectual.

Se o animal tem um culto qualquer, não pode adorar senão ao homem, o seu superior tangível e visível. O homem já atingiu um culto supersensível. Ele é capaz de representar a sua interpretação simbólica do Universo em imagens ou sob outras formas artísticas. O Cristianismo iluminou a nossa percepção do divino, exaltando a ideia da Encarnação.

Sejam quais forem, porém, a diversidade e a elevação das nossas concepções, é fora de dúvida, como disse o padre Tyrrell, que a essência da religião repousa na crença num outro mundo, numa outra ordem de existência e nas nossas tentativas para entrar em relação com ele. As nossas igrejas e as nossas capelas, com as suas cerimónias de oração e adoração, são eloquentes testemunhos dessa tendência universal. A base de todas as religiões é a crença na existência de um mundo espiritual, isto é, na existência de inteligências ou seres mais elevados do que o homem. Quando se admite a existência de tais inteligências, sente-se que elas podem influenciar e auxiliar a nossa vida; quando se entrevê a possibilidade de entrar em relação com elas e obter o seu auxílio, torna-se então essa crença mais do que intelectual e desabrocha em forma de religiões mais ou menos perfeitas.

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Oliver LodgePor que creio na imortalidade da AlmaIntrodução, Capítulo I Visão cósmica da vida e do Espírito (1 de 2), fragmento 1º desta obra.
(imagem de contextualização: Sir Oliver Joseph Lodge, 1851-1940)

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