alma humana...
A alma, dissemos, vem de Deus; é, em nós, o princípio da
inteligência e da vida. Essência misteriosa, escapa à análise, como tudo quanto
dimana do Absoluto. Criada por amor, criada para amar, tão mesquinha que
pode ser encerrada numa forma acanhada e frágil, tão grande que, com um impulso
do seu pensamento, abrange o infinito, a alma é uma partícula da essência
divina projectada no mundo material.
Desde a hora em que caiu na matéria, qual foi o caminho que
seguiu para remontar até ao ponto actual da sua carreira? Precisou passar por
vias escuras, revestir formas, animar organismos que deixava ao sair de cada
existência, como se faz com um vestuário inútil. Todos esses corpos de carne
pereceram, o sopro dos destinos dispersou-lhes as cinzas, mas a alma persiste e
permanece na sua perpetuidade, prossegue a sua marcha ascendente, percorre as
inumeráveis estações da sua viagem e dirige-se para um fim grande e apetecível,
um fim que é a perfeição.
A alma contém, no estado virtual, todos os germens dos seus
desenvolvimentos futuros. É destinada a conhecer, a adquirir e possuir tudo.
Como, pois, poderia ela conseguir tudo isso numa única existência? A vida é
curta e longe está a perfeição! Poderia a alma, numa vida única, desenvolver o
seu entendimento, esclarecer a razão, fortificar a consciência, assimilar todos
os elementos da sabedoria, da santidade, do génio? Para realizar os seus fins,
tem de percorrer, no tempo e no espaço, um campo sem limites. É passando por
inúmeras transformações, no fim de milhares de séculos, que o mineral grosseiro
se converte em diamante puro, refractando mil cintilações. Sucede o mesmo com a
alma humana.
O objectivo da evolução, a razão de ser da vida não é a
felicidade terrestre, como muitos erradamente crêem, mas o aperfeiçoamento de
cada um de nós, e esse aperfeiçoamento devemos realizá-lo por meio do trabalho,
do esforço, de todas as alternativas da alegria e da dor, até que nos tenhamos
desenvolvido completamente e elevado ao estado celeste. Se há na Terra menos
alegria do que sofrimento, é que este é o instrumento por excelência da
educação e do progresso, um estimulante para o ser, que, sem ele, ficaria
retardado nas vias da sensualidade. A dor, física e moral, forma a nossa
experiência. A sabedoria é o prémio.
Pouco a pouco a alma se eleva e, conforme vai subindo, nela
se vai acumulando uma soma sempre crescente de saber e virtude; sente-se mais estreitamente
ligada aos seus semelhantes; comunica mais intimamente com o seu meio social e
planetário. Elevando-se cada vez mais, não tarda a ligar-se por laços pujantes
às sociedades do espaço e depois ao Ser universal.
Assim, a vida do ser consciente é uma vida de
solidariedade e liberdade. Livre dentro dos limites que lhe assinalam as
leis eternas, faz-se o arquitecto do seu destino. O seu adiantamento é obra
sua. Nenhuma fatalidade o oprime, salvo a dos próprios actos, cujas
consequências nele recaem; mas não pode desenvolver-se e medrar senão na vida
colectiva com o recurso de cada um e em proveito de todos. Quanto mais
sobe, tanto mais se sente viver e sofrer em todos e por todos. Na necessidade
de se elevar a si mesmo, atrai a si, para fazê-los chegar ao estado espiritual,
todos os seres humanos que povoam os mundos onde viveu. Quer fazer por
eles o que por ele fizeram os seus irmãos mais velhos, os grandes Espíritos que
o guiaram na sua marcha.
A lei de justiça requer que, por sua vez, sejam emancipadas,
libertadas da vida inferior todas as almas. Todo o ser que chega à plenitude da
consciência deve trabalhar para preparar aos seus irmãos uma vida suportável,
um estado social que só comporte a soma de males inevitáveis. Esses males,
necessários ao funcionamento da lei de educação geral, nunca deixarão de
existir no nosso mundo; representam uma das condições da vida terrestre. A
matéria é o obstáculo útil; provoca o esforço e desenvolve a vontade; contribui
para a ascensão dos seres, impondo-lhes necessidades que os obrigam a
trabalhar. Como, sem a dor, havíamos de conhecer a alegria; sem a sombra,
apreciar a luz; sem a privação, saborear o bem adquirido, a satisfação
alcançada? Eis aqui a razão por que encontramos dificuldades de toda a sorte em
nós e em volta de nós.
/ ...
LÉON DENIS, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, IX –
Evolução e finalidade da alma, fragmento.
(imagem de contextualização: Head of Divine
Vengeance, pintura de Pierre-Paul Prud'hon)
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