terça-feira, 25 de outubro de 2016

O peregrino sobre o mar de névoa ~


Princípios da Terapêutica Espírita (II)

Podemos enunciar o primeiro princípio da terapêutica espírita da seguinte maneira:

1) A cura das doenças depende da acção natural das energias conjugadas do homem e da terra (psicológicas e mesológicas), na reconstituição do equilíbrio das energias naturais do doente.

Os demais princípios podem ser definidos na sequência abaixo:

2) A renovação de energias depende da acção conjugada dos espíritos terapeutas com o médium curador, que se põe à disposição dos espíritos para a transmissão dos fluidos energéticos através da prece e do passe.

3) A eficácia do passe depende da boa-vontade do médium, que se entrega humildemente à acção dos espíritos, sem perturbá-la com gesticulações excessivas, limitando-se às que os espíritos lhe sugerirem no momento. Não temos nenhum conhecimento objectivo do processo de manipulação dos fluidos pelos espíritos e poderíamos perturbar-lhes a acção curadora com a nossa intervenção pretensiosa. O médium é um instrumento vivo e inteligente da acção espiritual, mas só deve utilizar a sua inteligência para compreender o seu papel de doador de fluidos, como se passa no caso da doação de sangue nos hospitais.

4) A acção curadora dos espíritos não é mágica nem milagrosa; está sujeita a leis naturais que regem a estrutura psicobiológica do homem. A emissão de ectoplasma do corpo do médium para o corpo do doente revela-se actualmente, nas pesquisas russas, como emissão de plasma físico acompanhado de elementos orgânicos. As famosas pesquisas da Universidade de Kirov, na URSS, comprovaram e confirmaram as pesquisas de RichetSchrenk-NotzingGustave Geley e Eugéne Osty, no século XIX, sobre a acção do plasma físico (quarto estado da matéria) nos efeitos físicos da mediunidade. Na teoria do perispírito, Kardec já havia também, com grande antecedência, constatado a importância da relação espírito-matéria nesses processos.

5) Nos casos de cura à distância, sem a presença do médium, a eficácia depende das condições psicofísicas do doente, que permitem a colaboração do seu próprio organismo nas elaborações fluídicas do plasma, em conjugação com as energias espirituais dos espíritos terapeutas. Kardec considerava o perispírito como organismo semimaterial. Frederic Myers estudou a actividade da mente supraliminar (consciente) e subliminar (inconsciente) em todos esses processos então considerados como misteriosos.

6) As chamadas operações espirituais (hoje paranormais) podem realizar-se por intervenção física do médium, dominado pelo espírito que dele se serve por influenciação mediúnica no transe hipnótico. Mas a simples acção mental do médium pode produzir efeitos físicos no paciente, como Rhine provou nas suas experiências com animais. Rhine resumiu os resultados de suas pesquisas no seguinte princípio: “A mente, que não é física, age por vias não físicas sobre a matéria.” Soal, Carington e outros verificaram que as actividades internas do organismo animal e humano (funções vegetativas e correlatas) são controladas por acção mental sobre o sistema nervoso, vascular e muscular. A teoria do dinamismo psíquico inconsciente de Geley desenvolve-se nesse mesmo sentido.

O mistério teológico da encarnação transformou-se actualmente numa questão científica universalmente pesquisada nos maiores centros universitários do planeta. A terapia espírita está hoje respaldada pelas mais recentes e avançadas descobertas científicas. Os que pretendem rejeitá-la com argumentos se esquecem de que os problemas da ciência só podem ser resolvidos por meio de pesquisas e provas. Maldições e anátemas desvalorizaram-se totalmente num processo inflacionário de dois milénios. Não era sem razão a luta cruenta da Igreja contra o desenvolvimento científico. Ela se defendeu ferozmente do atrevimento dos cientistas porque agia sob a compulsão violenta do instinto de conservação. Mas a favor da ciência estavam as leis irresistíveis da evolução. A era científica nasceu ensanguentada dos calabouços medievais em que os mártires do progresso sofriam nas mãos dos inquisidores, à espera das fogueiras divinas em que seriam purificados. A Ciência avançou, apesar de tudo, derrotando os terroristas da magia negra, da antiga e temível Goécia que os próprios clérigos empregavam nas suas lutas de política intestina. Coube ao coronel Albert de Rochas, director do Instituto Politécnico de Paris, pesquisar em laboratório os possíveis efeitos da magia negra, demonstrando o engano dos que a consideravam dotada de poder diabólico. O desprestígio da superstição permitiu aos médiuns, hoje chamados sujeitos paranormais (nem anormais, nem patológicos, nem diabólicos), transformarem-se nos instrumentos humanos da investigação científica das potencialidades da criatura humana. Actualmente a própria Igreja dispõe de organismos de pesquisa dos fenómenos que antes considerava como estigmas infamantes da maldição divina.

Quando a Academia de França reconheceu a realidade do magnetismo e o seu interesse científico, mas mudando-lhe o nome para hipnotismoKardec escreveu um artigo sobre o facto na Revista Espírita, lembrando que o magnetismo se cansara de bater à porta da Academia, sendo sempre enxotado. Por fim resolvera mudar de nome e entrar na casa pela porta dos fundos, sendo então recebido e aclamado pelos cientistas. O mesmo acontece agora com o Espiritismo, que, sendo baptizado na universidade de Duke com o nome de Parapsicologia, teve entrada franca e entusiástica na URSS e no Vaticano. Na verdade, a Parapsicologia, com roupa nova, linguagem grega e seguindo as pegadas de Kardec, para atingir os seus mesmos objectivos, nada ofereceu de novo ao mundo actual além da sua roupagem tecnológica. Prestou, assim mesmo, um grande serviço ao mundo materialão, conseguindo despertar-lhe o interesse pelos problemas espirituais. Os materialistas e os religiosos formalistas tinham medo dos espíritos. Rhine conseguiu mostrar-lhes, por meios estatísticos, que todos somos espíritos. O medo se foi e com ele a ilusão da matéria desfeita na poeira atómica da Nova Física.

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José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Princípios da Terapêutica Espírita 2 de 2, 7º fragmento.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

pensamento e vontade ~


Formas do pensamento |

Já os magnetizadores da primeira metade do século passado haviam notado que os sonâmbulos não só percebiam o pensamento das pessoas com quem se punham em relação, sob a forma de imagens geralmente localizadas no cérebro, como também, eventualmente, fora dele, e mais ou menos imersos na “aura” da pessoa que, na ocasião, tinha na mente o pensamento correspondente à imagem.

Ainda agora, nos tempos que correm, Maria Reynes, clarividente sonâmbula e célebre pelas investigações do Dr. Pagenstecher sobre as suas faculdades psicométricas, deu a seguinte resposta a uma pergunta do seu hipnotizador:

“Quando me ordenam que veja, percebo o interior de meu estômago e nele, nitidamente, a úlcera que me atormenta, sob a forma de sangrenta mancha vermelha. Vejo a forma do meu coração e sinto-me capaz de ver o cérebro do doutor, desde que mo ordene.

Assim foi que, muitas vezes, lhe vi no cérebro a imagem radiosa da sua genitora, bem como de outras pessoas nas quais ele estava a pensar, sem mo dizer.

E sempre que assim sucedia, confessava-me ele que as imagens por mim percebidas eram perfeitas.” (American Proceedings of S. P. R., vol. XVI, pág. 113).

Os teósofos, que têm sempre muitas observações a respeito das “formas do pensamento”, afirmam, apoiados em declarações dos seus videntes – entre eles Annie Besant e Leadbeater – que as ditas “formas do pensamento” não se restringem às imagens de pessoas e coisas, mas atingem as concepções abstractas, as aspirações do sentimento, os desejos passionais, que revestem formas características e estranhamente simbólicas.

A esse respeito, importa acentuar que as descrições teosóficas desse simbolismo do pensamento estão em surpreendente concordância com as dos clarividentes sensitivos.

Vamos aqui resumir o trecho de um livro (Thought-formes) de Annie Besant e Leadbeater, para compará-lo depois a uma outra passagem tomada às declarações de um sensitivo clarividente.

Eis o que a respeito dizem esses autores:

Todo o pensamento cria uma série de vibrações na substância do “corpo mental”, correspondentes à natureza do mesmo pensamento, e que se combinam em maravilhoso jogo de cores, tal como se dá com as gotículas de água desprendidas de uma cascata, quando atravessadas pelo raio solar, apenas com a diferença de maior vivacidade e delicadeza de tons.

corpo mental, graças ao impulso do pensamento, exterioriza uma fracção de si mesmo, que toma forma correspondente à intensidade vibratória, tal como o pó de licopódio que, colocado sobre um disco sonante, dispõe-se em figuras geométricas, sempre uniformes em relação com as notas musicais emitidas.

Ora, esse estado vibratório da fracção exteriorizada do “corpo mental”, tem a propriedade de atrair a si, no meio etérico, substância sublimada análoga à sua.

Assim é que se produz uma “forma-pensamento”, que é, de certo modo, uma entidade animada de intensa actividade, a gravitar em torno do pensamento gerador...

Se esse pensamento implica uma aspiração pessoal de quem o formulou – tal como se dá com a maioria dos pensamentos – volteia, então, ao derredor do seu criador, pronto sempre a reagir de forma benéfica ou maléfica, cada vez que o sinta em condições passivas.

Estranhamente simbólicas as “formas do pensamento”, algumas delas representam graficamente os sentimentos que as originaram.

A usura, a ambição, a avidez, produzem formas retorcidas, como que dispostas a apreender o cobiçado objecto.

O pensamento, preocupado com a resolução de um problema, produz filamentos espirais.

Os sentimentos endereçados a outrem, sejam de ódio ou de afeição, originam “formas-pensamento” semelhantes aos projécteis.

A cólera, por exemplo, assemelha-se ao ziguezague do raio, o medo provoca jactos de substância pardacenta, quais salpicos de lama.”

Outro sensitivo clarividente, Sr. E. A. Quinton, também nota, a propósito das suas visualizações de pensamentos alheios, o seguinte:

“Em três grupos podem ser subdivididas as “formas-pensamento” por mim percebidas: as que revestem o aspecto de uma personalidade, as que representam qualquer objecto e as que engendram formas especiais...

As inerentes aos dois primeiros grupos explicam-se por si mesmas; as do terceiro, porém, requerem esclarecimento.

Um pensamento de paz, quando emitido por alguém profundamente compenetrado desse sentimento, torna-se extremamente belo e expressivo. Um pensamento colérico, ao contrário, torna-se tão repugnante, quanto horrível.

A avidez e emoções análogas, por sua parte, originam formas retorcidas, curvas, semelhantes às garras do falcão, como se as pessoas que as emitem desejassem alguma coisa empalmar em benefício próprio.” (Light, 1911, pág. 401).

Pelos vistos, destas declarações ressalta a concordância de clarividentes e teósofos, ao afirmarem que os impulsos pessoais da ganância e análogos desejos originam formas tortuosas do pensamento.

Essa é uma circunstância notável.

Naturalmente, no que se refere à realidade das formas abstractas do pensamento, não possuímos, até agora, outra prova além da resultante da uniformidade dos testemunhos de diversos clarividentes.

Todavia, apresso-me a declarar que, para as afirmações dos sensitivos, relativamente às formas concretas do pensamento – isto é, “pensamentos-formas” representando pessoas ou coisas – temos na fotografia uma prova absoluta, uma vez que a chapa as regista.

Somos, desta feita, levados a conceituar logicamente a declaração dos videntes, no que concerne às formas do pensamento abstracto.

E de facto já se tem demonstrado que, quando sonhamos com qualquer pessoa ou coisa, esta se concretiza em imagem correspondente.

Assim, tudo contribui para a suposição de que as ideias abstractas também devem concretizar-se em alguma coisa que lhes corresponda.

Resta ainda falar de um traço característico, ou faculdade que as “formas do pensamento” podem apresentar, qual a de, em circunstâncias especiais, subsistirem por mais ou menos tempo no ambiente, ainda que deste se tenha afastado, ou mesmo falecido, a pessoa que os engendrou.

É o que em linguagem metapsíquica se chama “persistência das imagens”.

Vou citar alguns exemplos desse género.

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Ernesto BozzanoPensamento e Vontade – Formas do pensamento 1 de 3, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualizagão: A Female Saint_1941, pintura de Edgard Maxence)

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Alfred Russel Wallace e o Sobrenatural ~

III - Os Milagres Modernos vistos como Fenómenos Naturais ~

Um argumento contra os milagres muito poderoso entre os homens de inteligência (e especialmente entre aqueles que se acostumaram com o amplo escopo das revelações da ciência moderna), é derivado do pressuposto prevalecente de que, se reais, eles são actos directos da divindade. Frequentemente, a natureza destes actos é tal que nenhuma mente educada pode por um momento imputá-los a um ser infinito e supremo. Poucos, se alguns, dos famosos milagres nos parecem ser dignos de Deus; e é o próprio homem de ciência quem está melhor capacitado a formar uma concepção própria da distância e da dificuldade para aproximar-se da natureza dos atributos que devem pertencer à mente suprema do universo. Contudo, é estranho dizer que, na maioria dos casos, o homem de ciência é ilógico suficientemente para considerar as dificuldades desta pressuposição como um argumento válido contra a existência dos factos em questão, em lugar de ser apenas um argumento contra a forma de interpretá-los. Ele ainda toma esta objecção mais adiante, pelo igualmente infundado pressuposto de que quaisquer seres que na possibilidade consigam produzir os fenómenos alegados devam ser de uma ordem mental superior e, portanto, se os fenómenos não estão de acordo com suas ideias da dignidade das inteligências superiores, ele simplesmente condena os factos sem examiná-los. Ainda muitos dos que  o objectam admitem que a mente do homem provavelmente não é aniquilada com a morte e que, por conseguinte, incontáveis, milhões de seres, estão constantemente passando para outro modo de existência e que, a menos que o milagre da transformação mental aconteça, eles devem continuar sendo muito inferiores. Portanto, qualquer argumento contra certos fenómenos terem sido produzidos por inteligências sobre-humanas, considerando a natureza trivial ou inútil de tais fenómenos, não traz qualquer suporte real lógico para a questão. A pressuposição de que todas as inteligências sobre-humanas são mais inteligentes que a média da humanidade é completamente gratuita e impotente para refutar factos, da mesma forma que os oponentes de Galileu, quando afirmaram que os planetas não podiam exceder ao numero perfeito, sete, e que, portanto, os satélites de Júpiter não podiam existir. Vamos voltar às considerações da natureza provável e dos poderes destas inteligências sobre-humanas, cuja possível existência é o meu objecto a ser sustentado no presente.

Eu tenho razões para supor que pode haver, e provavelmente há, outras (e talvez infinitamente variáveis) formas de matéria e modos de movimento etéreo além daquele que os nossos sentidos nos permitem reconhecer, com base na primeira parte deste artigo. Nós precisamos então admitir que deve haver, e possivelmente há, organizações adaptadas para agir sobre e a receber impressões destas formas de matéria. No universo infinito deve haver possibilidades infinitas de sensações, cada uma tão distinta das demais como a visão o é do paladar ou da audição, e tão capaz de estender a esfera de conhecimento e desenvolvimento do intelecto daquele que a possui como o sentido da visão ao ser adicionado aos demais sentidos que possuímos. Os seres de uma ordem etérea, se existirem, provavelmente possuem um ou mais sentidos da natureza acima referida, o que lhes permite uma compreensão maior da constituição do universo e uma inteligência proporcionalmente ampliada a guiar e dirigir para fins especiais aqueles novos modos de movimento etéreo com os quais eles estariam aptos a lidar. Cada faculdade que eles possuem deve proporcionar os modos de acção no éter. Eles devem ter uma capacidade de movimento tão rápida quanto a luz ou a corrente eléctrica. Devem ter uma capacidade de visão tão aguda quanto a dos nossos mais poderosos telescópios e microscópios. Devem ter um sentido de alguma forma análogo aos poderes de um dos últimos triunfos da ciência, o espectroscópio, e por meio dele são capazes de perceber instantaneamente a constituição íntima da matéria em cada uma das suas formas, seja nos seres organizados ou nas estrelas e nebulosas. Tais existências, possuidoras de poderes inconcebíveis para nós, não seriam sobrenaturais, a não ser num sentido muito limitado e incorrecto do termo. E se tais poderes são postos em acção de maneira a serem percebidos por nós, o resultado não seria um milagre, no sentido em que o termo é empregado por Hume ou TyndallNão haveria qualquer "violação de uma lei da natureza", nenhuma violação da "lei de conservação da energia". Nenhuma matéria ou força seria criada ou aniquilada, mesmo que assim nos parecesse. Num universo infinito, o grande reservatório de matéria e de força deve ser infinito; e o facto de um ser etéreo ser capaz de exercer força-extraída talvez do éter sem fronteiras, talvez das energias vitais dos seres humanos - e realizar os seus efeitos visíveis a nós como uma aparente ‘criação’ seria um milagre tão real quanto o perpétuo crescimento de milhões de toneladas de água do oceano, ou o perpétuo exercício de força animal sobre a Terra, os quais nós apenas recentemente ligamos ao sol, e talvez de forma remota o sejam a outras e variadas fontes perdidas na imensidade do universo. Tudo continua sendo natural. As grandes leis da natureza ainda manteriam a sua inviolável supremacia. Nós devemos apenas confessar, como um moderno homem de ciência, que "os nossos cinco sentidos são nada mais que instrumentos toscos para investigar o imponderável", e deveríamos ver um novo e mais profundo significado nas muito citadas mas pequenas palavras cuidadosas do grande poeta, quando ele nos lembra que "há mais coisas no céu e na Terra que supõe a nossa filosofia". (i)

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(i) Shakespeare, em Hamlet. Nota do tradutor.


Alfred Russel WallaceO Aspecto Científico do Sobrenatural, III Os milagres modernos vistos como fenómenos naturais 1 de 2, 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt | 1898, tempera e folha de ouro sobre painel, detalhe, de Edgard Maxence)