sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

pensamento e vontade ~


Ideoplastia ~ 

O vocábulo ideoplastia foi criado pelo Dr. Durand de Gros em 1860, para designar os principais caracteres da sugestibilidade. 

Mais tarde, em 1864, o Dr. Ochorowicz o empregou para designar os efeitos da sugestão e da auto-sugestão, quando ela faculta a realização fisiológica de uma ideia, como se dá nos casos da estigmatização. 

Finalmente, o Professor Charles Richet o propôs, quando das suas experiências com as senhoritas Linda Gazzera e Eva C. (1912-1914), cujas experiências demonstraram, de modo nítido e incontestável, a realidade da materialização de semblantes humanos, que eram, por sua vez, reproduções objectivadas e plásticas de retratos e desenhos vistos pelos médiuns. 

Claro é que, desses factos, dever-se-ia logicamente inferir que a matéria viva exteriorizada é plasmada pela ideia

E aí está a exacta significação do termo ideoplastia, aplicado aos fenómenos de materialização mediúnica

E a substância viva, exteriorizada e amorfa, sobre a qual se exercem as ideias forças, inerentes à subconsciência do médium, foi designada por ectoplasma, pelo mesmo Professor Richet. 

Em homenagem à verdade histórica, devo consignar que as materializações ideoplásticas já eram conhecidas de há meio século e despertaram de modo especial a atenção dos investigadores. 

Quanto à substância ectoplásmica, essa era já conhecida dos alquimistas do século XVII, assim como de Emanuel Swedenborg

Efectivamente, o Dr. N. B. Wolfe fala longamente de materializações ideoplásticas, na sua obra: Starting Facts in Modern Spiritualism (1869). 

De substância ectoplásmica falam dois grandes alquimistas, quais Paracelso, que a denominou Mysterium Magnum, e Tomas Vaogan, que a definiu por Matéria Prima

Este último tinha-a provocado pela transudação do corpo de sua esposa. 

Quanto a Swedenborg, parece que a experimentou consigo mesmo, visto que, na sua primeira visão iniciática, nos fala de “uma espécie de vapor que lhe saía de todos os poros, um vapor d'água bastante visível, que descia até roçar no tapete”. 

Ainda que de ideoplastia não se falasse senão mais tarde, depois de alguns anos, ela estava realmente subentendida, desde a época em que se obtiveram os primeiros fenómenos de materialização, visto que os fantasmas materializados apareciam envoltos em véus, o que demonstra que o pensamento e a vontade são capazes de plasmar a matéria, criando tecidos. 

Pouco importa que fossem o pensamento e vontade agentes atribuídos a mortos ou a vivos, sendo que, em ambos os casos, se tratava, a despeito de tudo, de uma forma plástica inerente à ideia. 

Na ordem das manifestações naturais, sejam fisiológicas ou patológicas, sempre se conheceram categorias de fenómenos que deveriam fazer pressagiar a existência de propriedades plásticas e organizadoras no pensamento e na vontade subconscientes. 

Assim, por exemplo, no caso do “mimetismo” de algumas espécies animais e, nos de “novi” e estigmas, da espécie humana. 

Limitar-me-ei, nesse sentido, a transcrever uma página do Dr. Gustave Geley, na qual se encontram ligeiramente resumidas essas manifestações. 

No seu livro Do Inconsciente ao Consciente, escreve ele na pág. 63: 

“Os fenómenos de estigmatização, de modificações tróficas cutâneas por sugestão, não passam de fenómenos elementares de ideoplastia, infinitamente mais simples, posto que da mesma ordem, que os fenómenos de materialização. 

As curas ditas miraculosas são fruto da mesma ideoplastia, orientada por sugestão ou auto-sugestão, num sentido favorável às reparações orgânicas e concentrando em dado tempo, nesse sentido, toda a potencialidade do dinamismo vital. 

É preciso notar que a força ideoplástica subconsciente, reparadora, é muito mais activa nos animais inferiores do que no homem e, isto indubitavelmente porque, neste último, a função cerebral avassala e desvia, a seu proveito, a maior parte da força vital

Não há nenhum milagre no retorno acidental à organização humana, de acções dinâmicas e ideoplásticas, que constituem regra na base da escala animal. 

Os fenómenos de mimetismo, tão uniformemente frequentes nos animais quanto misteriosos no seu mecanismo, também se podem explicar pela ideoplastia do subconsciente. 

O instinto provocaria, nesse caso, simplesmente a ideoplastia num sentido favorável e, os efeitos desta última seriam, a seguir, facilitados e fixados pelos factores de selecção e adaptação.” 

Por fim, é oportuno acentuar que, se a hipótese ideoplástica se impôs de modo definitivo em virtude das experiências com os médiuns a que nos temos referido, ela já era prevista por intuição científica de diversos investigadores, tais como HartmannAksakofDu Prel e Albert de Rochas

Os três primeiros abordaram-na como “hipótese de trabalho” apenas, ao passo que o último já a expende baseado nas suas próprias experiências com Eusapia Palladino

Assim é que, diz ele: 

“Outras experiências ... tendem a provar que a matéria fluídica exteriorizada pode modelar-se sob a influência de uma vontade muito poderosa, tal como a argila nas mãos do escultor. 

Podemos presumir que Eusápia, depois de passar por diversos centros espíritas, concebeu na sua imaginação um John King, de expressão bem definida e, não só lhe toma a personalidade verbal, como também consegue imprimir-lhe formas orgânicas, quando produz à distancia, sobre argila, impressões de cabeças humanas, a exemplo do que sucedeu em Itália. 

Nem outra origem teria tido o fole visto pelo Sr. de Gramont, sendo que não é mais difícil representar um objecto qualquer, do que representar um membro do corpo humano. 

Mas, se nada nos prova que John existia também nada nos foi provado em contrário. 

De resto, assim pensando, não somos únicos no mundo. 

Outras pessoas que conheço, absolutamente fidedignas e, que relatam factos que se não podem explicar senão com o auxílio da posse temporária do corpo fluídico exteriorizado, exercida por uma entidade inteligente, de origem desconhecida

Tais as materializações de corpos humanos integrais observadas por Crookes com a srta. Florence Cook, por James Tissot com Eglington, por Aksakof com a Senhora d' Esperance.” (Anais das Ciências Psíquicas, 1897, págs. 25-26) 

Pode ver-se, assim, que desde 1896 o Albert de Rochas não só tivera a intuição da hipótese ideoplástica, como também a circunscrevera a justos limites, sabiamente advertindo que, se devemos admitir a existência de fenómenos que permitem atribuir ao pensamento subconsciente do médium uma energia plástica e organizadora, demonstrado estão, igualmente, que outros fenómenos há, cuja explicação se torna impossível, desde que se não admita a intervenção de um pensamento organizador, estranho ao médium e aos assistentes. 

Hoje, mais que nunca, esta é a verdadeira e única solução do enigma significativamente complexo. 

À proporção que avançamos na investigação dos múltiplos ramos que constituem as doutrinas metapsíquicas, vemos ressaltar, de mais a mais, a grande verdade do princípio segundo o qual Animismo e Espiritismo são complementares recíprocos, tendo ambos uma causa única: o espírito humano, que encarnado produz fenómenos anímicos e desencarnado determina fenómenos espíritas. 

Isto é tão verdadeiro que, quando se pretende contestar uma ou outra das modalidades que perfazem o problema em equação, torna-se literalmente impossível explicar o conjunto dos factos

Posto isto, preliminarmente, prossigo no meu propósito, não sem prevenir os meus leitores de que pretendo fornecer-lhes uma simples e sumaríssima exposição dos fenómenos ideoplásticos, sendo que o tema é muito vasto para ser devidamente desenvolvido numa hora de síntese geral, como esta. 

Por outro lado, trata-se de investigações tão recentes e tão largamente discutidas nos tratados e revistas especializados no assunto, que todos os metapsiquistas as conhecem. 

Relativamente à natureza do ectoplasma, reporto-me às passagens essenciais da descrição que dele faz o Dr. Geley, nos seguintes termos: 

“O processus da materialização pode ser resumido da seguinte forma: Do corpo do médium transpira e exterioriza-se uma substância amorfa ou polimorfa, que toma representações diversas, ordinariamente de órgãos mais ou menos completos. 

Substância móvel, ora ela evolui lentamente, sobe, desce, resvala sobre o médium nas espáduas, peito, joelhos, em movimentos coleantes que lembram um réptil, ora por bruscas quão rápidas evoluções, aparecendo e desaparecendo como relâmpagos... 

Essa substância apresenta grande sensibilidade, aliada a uma espécie de instinto, comparável ao instinto de conservação dos invertebrados. 

É qual se tivesse a perfeita desconfiança de um animal sem defesa, ou cuja única defesa consiste em reentrar no corpo do médium, que lhe deu origem. 

Assim é que teme os contactos, sempre pronta a ocultar-se e reabsorver-se. 

A sua tendência para organizar-se é imediata e irresistível, pois não permanece muito tempo no seu estado original. 

Frequentemente, essa organização é tão rápida que não deixa ver a substância primordial. 

Outras vezes, são vistas simultaneamente a substância amorfa e representações mais ou menos completas, englobadas na sua massa, como seja um dedo, entre franjas de substância. 

Outras vezes são cabeças e, os rostos que na substância aparecem envoltos.” (Do Inconsciente ao Consciente, págs. 53-58). 

/… 


Ernesto BozzanoPensamento e Vontade – Ideoplastia (1 de 3), 9º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Female Saint_1941, pintura de Edgard Maxence)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Alfred Russel Wallace e o Sobrenatural ~


A Teoria
Espiritualista ~ 
(II de II) 

Esta hipótese da existência do espírito, tanto no homem quanto fora dele e, a sua possível e efectiva intercomunicação deve ser julgada exactamente da mesma forma que nós julgamos qualquer outra hipótese – pela natureza e variedade dos factos que ela inclui e considera e, pela ausência de qualquer outro modo de explicar tão grande variedade de factos. Contudo, a realidade dos factos é uma coisa e a qualidade da hipótese é outra. Encontrar uma falha na hipótese não é a mesma coisa que falsificar os factos. Eu sustento que os factos foram provados, da única forma que tais factos podem ser provados: pelo testemunho concorrente de observadores honestos, imparciais e cuidadosos. A maioria dos quais podem ser testados por qualquer pesquisador sério. Eles foram sustentados perante a provação do ridículo e também de um rígido escrutínio de 46 anos, durante o qual os seus adeptos foram crescendo sustentadamente, ano após ano, faziam parte deles homens de toda a ordem e de todos os lugares, de todo o tipo de mentalidade, de todo o grau de talento. Enquanto isso, nem um indivíduo sequer que seriamente se tenha devotado a um completo exame desses factos negou a sua realidade. Estas são características de uma nova verdade, não de uma ilusão ou impostura. Os factos, portanto, estão provados. 

Antes de começar a considerar a natureza da doutrina que o espiritualismo revela, eu desejaria dizer umas poucas palavras sobre um trabalho, feito por um escritor filosófico, no qual os factos do espiritualismo são em grande parte admitidos, mas explicados por uma hipótese diferente da que venho expondo. O senhor Charles Bray, autor de Filosofa da necessidade, Educação dos sentimentos etc., publicou um pequeno volume cujo título é Sobre a força, os seus correlatos mentais e morais; e sobre o que se considera estar sob todos os fenómenos; com especulação sobre o espiritualismo e outras condições anormais da mente. A segunda metade do trabalho é inteiramente dedicada a uma consideração dos factos do espiritualismo moderno e a uma tentativa de explicá-los com princípios filosóficos. O senhor Bray nos diz que testemunhou pessoalmente uns poucos fenómenos, o suficiente para convencê-lo de que eles poderiam ser verdadeiros. Ele parece ter muita confiança mais no surpreendente testemunho dos factos por homens considerados inteligentes e, os próprios factos seriam de uma natureza tal que não poderiam ser menosprezados. Indubitavelmente, ele tem sido conduzido a este quadro mental, menos céptico do que é usual em escritores filosóficos, pela sua familiaridade com casos de clarividência, um dos factos apresenta-o da seguinte forma: 

Eu ouvi falar de uma jovem em estado mesmérico que descreve minuciosamente tudo o que é visto por uma pessoa com a qual ela esteve em contacto e, em alguns casos mais do que foi visto ou poderia ser visto, com as iniciais gravadas num relógio que não estivesse aberto e também descreve pessoas e cenas à distância, as quais posteriormente descobri que estavam correctamente descritas, além da possibilidade de dúvida. (Grifos do senhor Bray.) 

Julgando a partir das palavras mencionadas no livro, o senhor Bray parece ter uma familiaridade limitada para com a literatura espiritualista, o que é lamentável, já que ele possui uma escassa experiência pessoal dos fenómenos e dificilmente se encontra numa posição que lhe permita formar uma hipótese satisfatória. Ele considera, contudo, que elaborou um processo que "irá explicar como tais factos são genuínos", embora ele admita que não fez a pesquisa que iria levá-lo a descobrir quais os factos que eram genuínos e quais os que eram devidos a fraude ou à auto-ilusão. A sua teoria não é de todo fácil de ser apresentada em poucas palavras. Ele afirma que a força que produz os fenómenos do espiritualismo, é uma emanação de todas as mentes, que com o médium aumentam a sua densidade de forma a permitir aos outros presentes que entrem em comunhão com ele e, a inteligência nova para todas as pessoas presentes é a de algum cérebro à distância agindo por meio desta fonte sobre a mente do médium ou dos outros do círculo. (p. 107) 

Novamente, ele fala de "uma atmosfera mental ou de pensamentos que resultam da actividade intelectual, mas destituída de consciência até que seja reflectida nas nossas próprias organizações" (p. 98). Parece-me que esta teoria opera sob a grande objecção de ser ininteligível. Como é que nós iremos entender uma "emanação de todos os cérebros", uma "atmosfera de pensamentos", produzindo força e movimento, sob formas visíveis e tangíveis, comunicações inteligentes por meio de sons e movimentos e todos os outros variados fenómenos imperfeitamente esboçados nessas páginas? Como é que esta "atmosfera de pensamentos inconsciente" forma uma mão-que-exerce-força tangível, visível, que pode carregar flores, escrever ou tocar melodias completas num instrumento? Isto explica os mais simples, embora maravilhosos, fenómenos de clarividência? Vamos tomar um dos casos mais autênticos observados pelo doutor Gregory. Inscrições encerradas em cascas de noz são compradas numa loja e o clarividente as lê com precisão. Seguramente devemos admitir que neste caso nenhuma mente humana conhece a noz particular na qual cada inscrição está inserida. Como é que esta teoria de uma "emanação de todos os cérebros", ou que o clarividente, por meio desta emanação agiu conforme "alguma mente à distância", explica a leitura destas inscrições? Se esta ‘emanação’ tem o poder de ler por si mesma e comunicar ao clarividente, como podemos negar a sua personalidade e no que difere daquilo a que chamamos de espírito? Se a teoria do ‘espírito’ é, como diz o professor De Morgan, ‘dificilmente ponderável’, não é a teoria das ‘emanações mentais’ ainda mais? 

Eu proponho, portanto, que a hipótese do senhor Bray não é defensável e que nada além da suposição de mentes pessoais, existindo sem um corpo humano e apenas sob certas condições capazes de agir sobre nós e sobre a matéria, seja capaz de explicar a totalidade dos fenómenos. E esta suposição possui, eu sustento, a vantagem de serem ambas as coisas, inteligíveis e filosoficamente prováveis. 

É, contudo, muito satisfatório encontrar um escritor na posição do senhor Bray reconhecendo o assunto como um todo, como algo que possui tanta veracidade de forma a exigir uma elaborada teoria para explicar os fenómenos. Isto por si só é uma prova da natureza convincente das evidências para aqueles factos que os nossos homens de ciência se recusam a pesquisar por considerarem um absurdo a priori e uma impossibilidade. O surgimento do livro do senhor Bray talvez indique que uma mudança está a acontecer na opinião pública sobre o assunto da clarividência e do espiritualismo e, isso deve prestar um bom serviço ao atrair a atenção dos pensadores para uma classe de fenómenos que, acima de todos os demais, parecem levar-nos a uma solução parcial do mais difícil de todos os problemas: a origem da consciência e da natureza da mente. 

/… 


Alfred Russel Wallace, O Aspecto Científico Sobrenatural, VIII – A Teoria Espiritualista (II de II), 6º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt | 1898, tempera e folha de ouro sobre painel, detalhe, de Edgard Maxence