Espiritualista ~
(II de II)
Esta hipótese da existência do espírito, tanto no homem
quanto fora dele e, a sua possível e efectiva intercomunicação deve ser julgada
exactamente da mesma forma que nós julgamos qualquer outra hipótese – pela
natureza e variedade dos factos que ela inclui e considera e, pela ausência de
qualquer outro modo de explicar tão grande variedade de factos. Contudo, a
realidade dos factos é uma coisa e a qualidade da hipótese é outra. Encontrar
uma falha na hipótese não é a mesma coisa que falsificar os factos. Eu sustento
que os factos foram provados, da única forma que tais factos podem ser
provados: pelo testemunho concorrente de observadores honestos, imparciais e
cuidadosos. A maioria dos quais podem ser testados por qualquer pesquisador
sério. Eles foram sustentados perante a provação do ridículo e também de um
rígido escrutínio de 46 anos, durante o qual os seus adeptos foram crescendo
sustentadamente, ano após ano, faziam parte deles homens de toda a ordem e de todos
os lugares, de todo o tipo de mentalidade, de todo o grau de talento. Enquanto
isso, nem um indivíduo sequer que seriamente se tenha devotado a um completo exame
desses factos negou a sua realidade. Estas são características de uma
nova verdade, não de uma ilusão ou impostura. Os factos, portanto, estão
provados.
Antes de começar a considerar a natureza da doutrina que o
espiritualismo revela, eu desejaria dizer umas poucas palavras sobre um
trabalho, feito por um escritor filosófico, no qual os factos do espiritualismo
são em grande parte admitidos, mas explicados por uma hipótese diferente da que
venho expondo. O senhor Charles Bray, autor de Filosofa da necessidade,
Educação dos sentimentos etc., publicou um pequeno volume cujo título
é Sobre a força, os seus correlatos mentais e morais; e sobre o que se
considera estar sob todos os fenómenos; com especulação sobre o espiritualismo
e outras condições anormais da mente. A segunda metade do trabalho é
inteiramente dedicada a uma consideração dos factos do espiritualismo moderno e
a uma tentativa de explicá-los com princípios filosóficos. O senhor Bray nos
diz que testemunhou pessoalmente uns poucos fenómenos, o suficiente para
convencê-lo de que eles poderiam ser verdadeiros. Ele parece ter muita
confiança mais no surpreendente testemunho dos factos por homens considerados
inteligentes e, os próprios factos seriam de uma natureza tal que não poderiam
ser menosprezados. Indubitavelmente, ele tem sido conduzido a este quadro
mental, menos céptico do que é usual em escritores filosóficos, pela sua
familiaridade com casos de clarividência, um dos factos apresenta-o da seguinte
forma:
Eu ouvi falar de uma jovem em estado mesmérico que
descreve minuciosamente tudo o que é visto por uma pessoa com a qual ela esteve
em contacto e, em alguns casos mais do que foi visto ou poderia ser visto, com
as iniciais gravadas num relógio que não estivesse aberto e também descreve
pessoas e cenas à distância, as quais posteriormente descobri que estavam
correctamente descritas, além da possibilidade de dúvida. (Grifos do senhor
Bray.)
Julgando a partir das palavras mencionadas no livro, o senhor
Bray parece ter uma familiaridade limitada para com a literatura espiritualista, o
que é lamentável, já que ele possui uma escassa experiência pessoal dos
fenómenos e dificilmente se encontra numa posição que lhe permita formar uma hipótese
satisfatória. Ele considera, contudo, que elaborou um processo que
"irá explicar como tais factos são genuínos", embora ele admita que
não fez a pesquisa que iria levá-lo a descobrir quais os factos que eram
genuínos e quais os que eram devidos a fraude ou à auto-ilusão. A sua teoria
não é de todo fácil de ser apresentada em poucas palavras. Ele afirma que a
força que produz os fenómenos do espiritualismo, é uma emanação de todas as
mentes, que com o médium aumentam a sua densidade de forma a permitir
aos outros presentes que entrem em comunhão com ele e, a inteligência nova para
todas as pessoas presentes é a de algum cérebro à distância agindo por meio
desta fonte sobre a mente do médium ou dos outros do círculo. (p. 107)
Novamente, ele fala de "uma atmosfera mental ou de
pensamentos que resultam da actividade intelectual, mas destituída de
consciência até que seja reflectida nas nossas próprias organizações"
(p. 98). Parece-me que esta teoria opera sob a grande objecção de ser
ininteligível. Como é que nós iremos entender uma "emanação de todos os
cérebros", uma "atmosfera de pensamentos", produzindo força e
movimento, sob formas visíveis e tangíveis, comunicações inteligentes por meio
de sons e movimentos e todos os outros variados fenómenos imperfeitamente
esboçados nessas páginas? Como é que esta "atmosfera de pensamentos
inconsciente" forma uma mão-que-exerce-força tangível, visível, que pode
carregar flores, escrever ou tocar melodias completas num instrumento? Isto
explica os mais simples, embora maravilhosos, fenómenos de clarividência? Vamos
tomar um dos casos mais autênticos observados pelo doutor Gregory. Inscrições
encerradas em cascas de noz são compradas numa loja e o clarividente as lê com
precisão. Seguramente devemos admitir que neste caso nenhuma mente humana
conhece a noz particular na qual cada inscrição está inserida. Como é que esta
teoria de uma "emanação de todos os cérebros", ou que o clarividente,
por meio desta emanação agiu conforme "alguma mente à distância",
explica a leitura destas inscrições? Se esta ‘emanação’ tem o poder de
ler por si mesma e comunicar ao clarividente, como podemos negar a sua
personalidade e no que difere daquilo a que chamamos de espírito? Se a
teoria do ‘espírito’ é, como diz o professor De Morgan,
‘dificilmente ponderável’, não é a teoria das ‘emanações mentais’ ainda mais?
Eu proponho, portanto, que a hipótese do senhor Bray não é
defensável e que nada além da suposição de mentes pessoais, existindo sem um
corpo humano e apenas sob certas condições capazes de agir sobre nós e sobre a
matéria, seja capaz de explicar a totalidade dos fenómenos. E esta suposição
possui, eu sustento, a vantagem de serem ambas as coisas, inteligíveis e
filosoficamente prováveis.
É, contudo, muito satisfatório encontrar um escritor na
posição do senhor Bray reconhecendo o assunto como um todo, como algo que
possui tanta veracidade de forma a exigir uma elaborada teoria para explicar os
fenómenos. Isto por si só é uma prova da natureza convincente das evidências
para aqueles factos que os nossos homens de ciência se recusam a pesquisar por
considerarem um absurdo a priori e uma impossibilidade. O
surgimento do livro do senhor Bray talvez indique que uma mudança
está a acontecer na opinião pública sobre o assunto da clarividência e do
espiritualismo e, isso deve prestar um bom serviço ao atrair a atenção
dos pensadores para uma classe de fenómenos que, acima de todos os demais,
parecem levar-nos a uma solução parcial do mais difícil de todos os
problemas: a origem da consciência e da natureza da mente.
/…
Alfred Russel Wallace, O Aspecto Científico Sobrenatural, VIII – A
Teoria Espiritualista (II de II), 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt
| 1898, tempera e folha de ouro sobre painel, detalhe, de Edgard
Maxence)
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