quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Alfred Russel Wallace e o Sobrenatural ~


A Teoria
Espiritualista ~ 
(II de II) 

Esta hipótese da existência do espírito, tanto no homem quanto fora dele e, a sua possível e efectiva intercomunicação deve ser julgada exactamente da mesma forma que nós julgamos qualquer outra hipótese – pela natureza e variedade dos factos que ela inclui e considera e, pela ausência de qualquer outro modo de explicar tão grande variedade de factos. Contudo, a realidade dos factos é uma coisa e a qualidade da hipótese é outra. Encontrar uma falha na hipótese não é a mesma coisa que falsificar os factos. Eu sustento que os factos foram provados, da única forma que tais factos podem ser provados: pelo testemunho concorrente de observadores honestos, imparciais e cuidadosos. A maioria dos quais podem ser testados por qualquer pesquisador sério. Eles foram sustentados perante a provação do ridículo e também de um rígido escrutínio de 46 anos, durante o qual os seus adeptos foram crescendo sustentadamente, ano após ano, faziam parte deles homens de toda a ordem e de todos os lugares, de todo o tipo de mentalidade, de todo o grau de talento. Enquanto isso, nem um indivíduo sequer que seriamente se tenha devotado a um completo exame desses factos negou a sua realidade. Estas são características de uma nova verdade, não de uma ilusão ou impostura. Os factos, portanto, estão provados. 

Antes de começar a considerar a natureza da doutrina que o espiritualismo revela, eu desejaria dizer umas poucas palavras sobre um trabalho, feito por um escritor filosófico, no qual os factos do espiritualismo são em grande parte admitidos, mas explicados por uma hipótese diferente da que venho expondo. O senhor Charles Bray, autor de Filosofa da necessidade, Educação dos sentimentos etc., publicou um pequeno volume cujo título é Sobre a força, os seus correlatos mentais e morais; e sobre o que se considera estar sob todos os fenómenos; com especulação sobre o espiritualismo e outras condições anormais da mente. A segunda metade do trabalho é inteiramente dedicada a uma consideração dos factos do espiritualismo moderno e a uma tentativa de explicá-los com princípios filosóficos. O senhor Bray nos diz que testemunhou pessoalmente uns poucos fenómenos, o suficiente para convencê-lo de que eles poderiam ser verdadeiros. Ele parece ter muita confiança mais no surpreendente testemunho dos factos por homens considerados inteligentes e, os próprios factos seriam de uma natureza tal que não poderiam ser menosprezados. Indubitavelmente, ele tem sido conduzido a este quadro mental, menos céptico do que é usual em escritores filosóficos, pela sua familiaridade com casos de clarividência, um dos factos apresenta-o da seguinte forma: 

Eu ouvi falar de uma jovem em estado mesmérico que descreve minuciosamente tudo o que é visto por uma pessoa com a qual ela esteve em contacto e, em alguns casos mais do que foi visto ou poderia ser visto, com as iniciais gravadas num relógio que não estivesse aberto e também descreve pessoas e cenas à distância, as quais posteriormente descobri que estavam correctamente descritas, além da possibilidade de dúvida. (Grifos do senhor Bray.) 

Julgando a partir das palavras mencionadas no livro, o senhor Bray parece ter uma familiaridade limitada para com a literatura espiritualista, o que é lamentável, já que ele possui uma escassa experiência pessoal dos fenómenos e dificilmente se encontra numa posição que lhe permita formar uma hipótese satisfatória. Ele considera, contudo, que elaborou um processo que "irá explicar como tais factos são genuínos", embora ele admita que não fez a pesquisa que iria levá-lo a descobrir quais os factos que eram genuínos e quais os que eram devidos a fraude ou à auto-ilusão. A sua teoria não é de todo fácil de ser apresentada em poucas palavras. Ele afirma que a força que produz os fenómenos do espiritualismo, é uma emanação de todas as mentes, que com o médium aumentam a sua densidade de forma a permitir aos outros presentes que entrem em comunhão com ele e, a inteligência nova para todas as pessoas presentes é a de algum cérebro à distância agindo por meio desta fonte sobre a mente do médium ou dos outros do círculo. (p. 107) 

Novamente, ele fala de "uma atmosfera mental ou de pensamentos que resultam da actividade intelectual, mas destituída de consciência até que seja reflectida nas nossas próprias organizações" (p. 98). Parece-me que esta teoria opera sob a grande objecção de ser ininteligível. Como é que nós iremos entender uma "emanação de todos os cérebros", uma "atmosfera de pensamentos", produzindo força e movimento, sob formas visíveis e tangíveis, comunicações inteligentes por meio de sons e movimentos e todos os outros variados fenómenos imperfeitamente esboçados nessas páginas? Como é que esta "atmosfera de pensamentos inconsciente" forma uma mão-que-exerce-força tangível, visível, que pode carregar flores, escrever ou tocar melodias completas num instrumento? Isto explica os mais simples, embora maravilhosos, fenómenos de clarividência? Vamos tomar um dos casos mais autênticos observados pelo doutor Gregory. Inscrições encerradas em cascas de noz são compradas numa loja e o clarividente as lê com precisão. Seguramente devemos admitir que neste caso nenhuma mente humana conhece a noz particular na qual cada inscrição está inserida. Como é que esta teoria de uma "emanação de todos os cérebros", ou que o clarividente, por meio desta emanação agiu conforme "alguma mente à distância", explica a leitura destas inscrições? Se esta ‘emanação’ tem o poder de ler por si mesma e comunicar ao clarividente, como podemos negar a sua personalidade e no que difere daquilo a que chamamos de espírito? Se a teoria do ‘espírito’ é, como diz o professor De Morgan, ‘dificilmente ponderável’, não é a teoria das ‘emanações mentais’ ainda mais? 

Eu proponho, portanto, que a hipótese do senhor Bray não é defensável e que nada além da suposição de mentes pessoais, existindo sem um corpo humano e apenas sob certas condições capazes de agir sobre nós e sobre a matéria, seja capaz de explicar a totalidade dos fenómenos. E esta suposição possui, eu sustento, a vantagem de serem ambas as coisas, inteligíveis e filosoficamente prováveis. 

É, contudo, muito satisfatório encontrar um escritor na posição do senhor Bray reconhecendo o assunto como um todo, como algo que possui tanta veracidade de forma a exigir uma elaborada teoria para explicar os fenómenos. Isto por si só é uma prova da natureza convincente das evidências para aqueles factos que os nossos homens de ciência se recusam a pesquisar por considerarem um absurdo a priori e uma impossibilidade. O surgimento do livro do senhor Bray talvez indique que uma mudança está a acontecer na opinião pública sobre o assunto da clarividência e do espiritualismo e, isso deve prestar um bom serviço ao atrair a atenção dos pensadores para uma classe de fenómenos que, acima de todos os demais, parecem levar-nos a uma solução parcial do mais difícil de todos os problemas: a origem da consciência e da natureza da mente. 

/… 


Alfred Russel Wallace, O Aspecto Científico Sobrenatural, VIII – A Teoria Espiritualista (II de II), 6º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt | 1898, tempera e folha de ouro sobre painel, detalhe, de Edgard Maxence

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