sábado, 1 de outubro de 2022

O Espiritismo na Arte ~


Parte IV 

- Literatura e oratória 
- A língua francesa e a ideia espiritualista 

(Abril de 1922) 

A literatura e a oratória também são formas de arte, meios poderosos de fazer o pensamento brilhar no nosso mundo. Pode dizer-se o que Esopo (i) dizia da língua: “ela é, segundo o uso que se fizer dela, o que há de melhor ou de pior.” Sob esse ponto de vista, a França sempre teve um papel privilegiado. A clareza, a nitidez do seu idioma, ainda que mais pobre que outros em qualificativos, serviu largamente para a expansão do seu talento e a difusão das ideias generosas. São, portanto, as qualidades desse idioma que asseguram ao nosso país, ao mesmo tempo, um lugar à parte no mundo e uma alta situação no futuro. 

A nossa língua, pela sua limpidez, a sua clara compreensão das coisas, é o instrumento predestinado das grandes anunciações, das revelações augustas. As outras línguas têm o seu charme, a sua beleza, porém nenhuma consegue esclarecer melhor as inteligências, persuadir, convencer. Assim, os espíritos de elite que vierem à Terra cumprir uma missão renovadora encarnarão de preferência no nosso país e, dentre eles, os maiores de todos, a fim de que a nossa língua possa servir de veículo aos seus altos e nobres pensamentos através do mundo. A sua presença e a sua acção, dizem-nos do Além, ainda contribuirão para aumentar o prestígio e a glória da França. 

A literatura francesa sobressai principalmente na análise dos sentimentos e das paixões; ela se caracterizou sobretudo no romance, cujo tema geral é o amor sensual. Sob a influência do materialismo ávido de todos os prazeres, ela perdeu-se em contradições, assim como em prazer e, em lugar de cooperar para o enobrecimento da raça, contribuiu, a maior parte das vezes, para corromper os seus costumes e precipitar a sua decadência. A maioria dos autores do nosso tempo compraz-se em expor as suas aventuras na ostentação de um cinismo picante. Daí, em certos momentos, o descrédito da França no exterior e as medidas tomadas contra a nossa língua em inúmeros estabelecimentos de educação. Já é tempo de uma nova corrente de ideias vir inspirar a arte e a literatura francesas, com um senso mais filosófico das coisas e uma noção mais ampla do destino. Somente isso pode restituir às obras do pensamento toda a sua amplitude e a sua eficácia regeneradora. 

Sob a inspiração de colaboradores e instrutores invisíveis, essa reacção vai acentuar-se. Os escritores, os oradores, sentem-se levados pelas forças ocultas em direcção a horizontes mais puros, mais luminosos. De toda a parte surgem produções impregnadas de doutrinas amplas e elevadas. 

O pensamento francês começa a adquirir esse poder de irradiação ao qual tem direito; um dia ele atingirá as alturas que, até agora, só a música soube fazer entrever e pressentir. Ele chegará a possuir esse dom de penetração, de persuasão, essas qualidades estéticas que asseguram a sua predominância definitiva. Pode constatar-se desde agora que, sob a sua influência, o mundo latino se impregnou inteiramente das doutrinas de Allan Kardec sobre as vidas sucessivas. As obras do grande iniciador foram traduzidas em todas as línguas neolatinas. As edições espanholas e portuguesas sucedem-se rapidamente na América Central e Meridional; a ideia espiritualista penetra nos meios mais isolados, sob a forma com a qual os escritores franceses a revestiram. 

No século passado (ii), os autores de talento já haviam encontrado motivos de inspiração nos fenómenos psíquicos. Pode-se citar Balzac (iii)Alexandre Dumas (iv)Théophile Gautier (v)MicheletEdgar Quinet (vi)Jean Reynaud (vii) e muitos outros. 

O Romantismo, apesar dos seus excessos, levava a esse século, como uma onda muito grande, a noção do divino e da imortalidade; assim, os homens de 1830 e de 1848 tinham um carácter mais enérgico e uma importância mais nobre que os homens políticos da nossa época. 

O impulso romântico manifestou-se como prelúdio do grande movimento de ideias que hoje abrange toda a humanidade. De Lamartine a Hugo, até Baudelaire e Gérard de Nerval (viii), todos buscam o infinito na natureza e na vida. A noção das vidas sucessivas encontra-se em La chute d’un ange (A queda de um anjo) e em Jocelyn(ix) depois em Revenant (Voltando)Les contemplations (As contemplações)La légende des siècles (A lenda dos séculos), de Victor Hugo (x); em La vie antérieure (A vida anterior), de Baudelaire (xi), etc. 

Em obras mais recentes, certos autores de mérito, como Paul Grendel, Élie Sauvage, Dr. Wylm, etc., deram mais desenvolvimento à ideia psíquica e dela fizeram sobressair as grandes consequências. Também no exterior, Rudyar Kipling (xii), dizem, e Selma Lagerlof (xiii) introduzem a reencarnação nas suas obras. Toda uma plêiade de jovens e ardentes escritores, nem sempre avaliados, segue esses exemplos e se embrenha em caminhos ricos e fecundos. 

Os graves acontecimentos dos últimos anos criaram por toda a parte novas necessidades do espírito e do coração: a necessidade de saber, de crer, de descobrir os focos de uma luz mais viva, de fontes abundantes de consolação. A alma da França faz esforços para se libertar das opressões do materialismo. As suas profundas intuições célticas despertam e a conduzem em direcção às fronteiras espirituais onde todo um mundo invisível a chama e a atrai. 

/… 
(i) Esopo: Fabulista grego (século VII - VI a.C.), de origem escrava, depois alforriado. É personagem meio lendária, que se representava como indivíduo feio, gago e corcunda. A reunião actual das Fábulas de Esopo, redigidas em prosa grega, é atribuída ao Monge Planúdio, no século XIV. (N.T., segundo o D.K.L.)
(ii) O autor refere-se ao século XIX. (N.T.)
(iii) Honoré de Balzac: escritor francês (Tours, 1799 - Paris, 1850). Autor de A Comédia Humana reuniu, a partir de 1842, diversas séries de romances, formando um verdadeiro afresco da sociedade francesa, da Revolução no fim da Monarquia. Alguns dos seus romances são: Gobseck, A Pele de Onagro, O Coronel Chabert, O Médico da Roça, Eugénie Grandet, O Pai Goriot, A Procura do Absoluto, O Lírio no Vale, Ilusões Perdidas e outros. Também escreveu contos e peças de teatro. (N.T., segundo o D.K.L.)
(iv) Alexandre Dumas: escritor francês (Villers-Cotterêts, 1802 - Puys, 1870). Foi o mais popular escritor da época romântica. Eis algumas de suas obras: Henrique III e sua Corte, Anthony, A Torre de Nesle, Os Três Mosqueteiros, Vinte Anos Depois, O Conde de Monte Cristo, A Rainha Margot, A Dama de Monsoreau. (N.T., segundo o D.K.L.)
(v) Théophile Gautier: poeta francês (Tarbes, 1811 - Neuilly-sur-Seine, 1872). Era partidário do romantismo, mas chegou a uma poesia mais ciosa da beleza formal: Esmaltes e Camafeus. Escreveu, entre outros, o romance Capitão Fracasso e obras de crítica literária e artística. (N.T., segundo o D.K.L.)
(vi) Edgard Quinet: historiador francês (Bourg-en-Bresse, 1803 - Paris, 1875). Filósofo idealista e ateu, historiador liberal. Obras principais: O Génio das Religiões, As Revoluções da Itália. (N.T., segundo o D.K.L.)
(vii) Jean Reynaud: filósofo e político francês, nasceu em Lyon (1806-1863). Autor de Terra e Céu. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(viii) Gérard Labrunie de Nerval: escritor francês (Paris, 1808 - id., 1855). Obras principais: As Filhas do Fogo, Aurélia, As Quimeras. Foi o precursor de Baudelaire, de Mallarmé e do surrealismo; traduziu Fausto, de Goethe. Era sujeito a crises de demência; enforcou-se. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(ix) A Queda de um Anjo e Jocelyn: obras de Lamartine. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(x) Victor Hugo: escritor francês (Besançon, 1802 - Paris, 1885). Inicialmente foi um poeta clássico nas suas Odes, mas depois tornou-se o chefe do Romantismo com Cromwell, Os Orientais e Hernani. Publicou ainda: Nossa Senhora de Paris, Folhas de Outono, Cantos do Crepúsculo, As Vozes Interiores, Os Castigos, As Contemplações, A Lenda dos Séculos, Os Miseráveis e Os Trabalhadores do Mar, entre outras obras. É considerado o mais ilustre dos poetas franceses. A influência sobre a sua época, o número e a grandeza das suas obras e o papel político por ele desempenhado fizeram de Victor Hugo uma das maiores personalidades do século XIX. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xi) Charles Baudelaire escritor francês (Paris, 1821 - id., 1867). Herdeiro do Romantismo e fiel à métrica tradicional exprimiu ao mesmo tempo a tragédia do destino humano e uma visão mística do Universo, onde descobriu misteriosas “correspondências”. Os seus poemas As Flores do Mal, Pequenos Poemas em Prosa e a sua obra crítica A Arte Romântica são a fonte da poesia moderna. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xii) Rudyard Kipling: escritor inglês (Bombaim, Índia, 1865 - Londres, 1936). Escreveu poesias e romances, entre estes, Livros da Selva e Kim. Recebeu o Prémio Nobel em 1907. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xiii) Selma Lagerlof: escritora sueca (Marbacka, 1858 - id., 1940). Autora de Saga de Gosta Berling. Recebeu o Prémio Nobel em 1909. (N.T., segundo o D.K.L.)


LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte IV – Literatura e oratória; A língua francesa e a ideia espiritualista, 14º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardoda Vinci

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