- Literatura e oratória
- A língua francesa e a ideia espiritualista
(Abril de 1922)
A literatura e a oratória também são formas de arte, meios
poderosos de fazer o pensamento brilhar no nosso mundo. Pode dizer-se o
que Esopo (i) dizia
da língua: “ela é, segundo o uso que se fizer dela, o que há de melhor ou de
pior.” Sob esse ponto de vista, a França sempre teve um papel privilegiado. A
clareza, a nitidez do seu idioma, ainda que mais pobre que outros em
qualificativos, serviu largamente para a expansão do seu talento e a difusão
das ideias generosas. São, portanto, as qualidades desse idioma que asseguram
ao nosso país, ao mesmo tempo, um lugar à parte no mundo e uma alta situação no
futuro.
A nossa língua, pela sua limpidez, a sua clara compreensão
das coisas, é o instrumento predestinado das grandes anunciações, das
revelações augustas. As outras línguas têm o seu charme, a sua beleza, porém
nenhuma consegue esclarecer melhor as inteligências, persuadir, convencer.
Assim, os espíritos de elite que vierem à Terra cumprir uma missão renovadora
encarnarão de preferência no nosso país e, dentre eles, os maiores de todos, a
fim de que a nossa língua possa servir de veículo aos seus altos e nobres
pensamentos através do mundo. A sua presença e a sua acção, dizem-nos
do Além, ainda contribuirão para aumentar o prestígio e a glória da França.
A literatura francesa sobressai principalmente na análise
dos sentimentos e das paixões; ela se caracterizou sobretudo no romance, cujo
tema geral é o amor sensual. Sob a influência do materialismo ávido de todos os
prazeres, ela perdeu-se em contradições, assim como em prazer e, em lugar de
cooperar para o enobrecimento da raça, contribuiu, a maior parte das vezes,
para corromper os seus costumes e precipitar a sua decadência. A maioria
dos autores do nosso tempo compraz-se em expor as suas aventuras na ostentação
de um cinismo picante. Daí, em certos momentos, o descrédito da França no
exterior e as medidas tomadas contra a nossa língua em inúmeros
estabelecimentos de educação. Já é tempo de uma nova corrente de ideias vir
inspirar a arte e a literatura francesas, com um senso mais filosófico das
coisas e uma noção mais ampla do destino. Somente isso pode restituir às
obras do pensamento toda a sua amplitude e a sua eficácia regeneradora.
Sob a inspiração de colaboradores e instrutores invisíveis,
essa reacção vai acentuar-se. Os escritores, os oradores, sentem-se levados
pelas forças ocultas em direcção a horizontes mais puros, mais luminosos. De
toda a parte surgem produções impregnadas de doutrinas amplas e elevadas.
O pensamento francês começa a adquirir esse poder de
irradiação ao qual tem direito; um dia ele atingirá as alturas que, até agora,
só a música soube fazer entrever e pressentir. Ele chegará a possuir esse dom
de penetração, de persuasão, essas qualidades estéticas que asseguram a sua
predominância definitiva. Pode constatar-se desde agora que, sob a sua
influência, o mundo latino se impregnou inteiramente das doutrinas de Allan Kardec sobre
as vidas sucessivas. As obras do grande iniciador foram traduzidas em todas as
línguas neolatinas. As edições espanholas e portuguesas sucedem-se rapidamente
na América Central e Meridional; a ideia espiritualista penetra nos meios mais
isolados, sob a forma com a qual os escritores franceses a revestiram.
No século passado (ii), os autores de talento já
haviam encontrado motivos de inspiração nos fenómenos psíquicos. Pode-se
citar Balzac (iii), Alexandre
Dumas (iv), Théophile
Gautier (v), Michelet, Edgar Quinet (vi), Jean Reynaud (vii) e
muitos outros.
O Romantismo, apesar dos seus excessos, levava a esse
século, como uma onda muito grande, a noção do divino e da imortalidade;
assim, os homens de 1830 e de 1848 tinham um carácter mais enérgico e uma
importância mais nobre que os homens políticos da nossa época.
O impulso romântico manifestou-se como prelúdio do grande
movimento de ideias que hoje abrange toda a humanidade. De
Lamartine a Hugo, até Baudelaire e Gérard
de Nerval (viii), todos buscam o infinito na natureza e na
vida. A noção das vidas sucessivas encontra-se em La chute d’un ange (A
queda de um anjo) e em Jocelyn; (ix) depois
em Revenant (Voltando), Les contemplations (As
contemplações), La légende des siècles (A lenda dos séculos),
de Victor Hugo (x); em La vie antérieure (A vida anterior),
de Baudelaire (xi), etc.
Em obras mais recentes, certos autores de mérito, como Paul
Grendel, Élie Sauvage, Dr. Wylm, etc., deram mais desenvolvimento à
ideia psíquica e dela fizeram sobressair as grandes consequências. Também no
exterior, Rudyar Kipling (xii), dizem, e Selma
Lagerlof (xiii) introduzem a reencarnação nas suas
obras. Toda uma plêiade de jovens e ardentes escritores, nem sempre
avaliados, segue esses exemplos e se embrenha em caminhos ricos e fecundos.
Os graves acontecimentos dos últimos anos criaram por toda a
parte novas necessidades do espírito e do coração: a necessidade de saber, de
crer, de descobrir os focos de uma luz mais viva, de fontes abundantes
de consolação. A alma da França faz esforços para se libertar das opressões
do materialismo. As suas profundas intuições célticas despertam e a conduzem em
direcção às fronteiras espirituais onde todo um mundo invisível a chama e a
atrai.
/…
(i) Esopo: Fabulista grego (século VII - VI a.C.), de origem
escrava, depois alforriado. É personagem meio lendária, que se representava
como indivíduo feio, gago e corcunda. A reunião actual das Fábulas de
Esopo, redigidas em prosa grega, é atribuída ao Monge Planúdio, no século XIV.
(N.T., segundo o D.K.L.)
(ii) O autor refere-se ao século XIX. (N.T.)
(iii) Honoré
de Balzac: escritor francês (Tours, 1799 - Paris, 1850). Autor
de A Comédia Humana reuniu, a partir de 1842, diversas séries de
romances, formando um verdadeiro afresco da sociedade francesa, da Revolução no
fim da Monarquia. Alguns dos seus romances são: Gobseck, A Pele de
Onagro, O Coronel Chabert, O Médico da Roça, Eugénie
Grandet, O Pai Goriot, A Procura do Absoluto, O Lírio no
Vale, Ilusões Perdidas e outros. Também escreveu contos e peças de teatro.
(N.T., segundo o D.K.L.)
(iv) Alexandre Dumas: escritor francês
(Villers-Cotterêts, 1802 - Puys, 1870). Foi o mais popular escritor da época
romântica. Eis algumas de suas obras: Henrique III e sua
Corte, Anthony, A Torre de Nesle, Os Três Mosqueteiros, Vinte
Anos Depois, O Conde de Monte Cristo, A Rainha Margot, A Dama de
Monsoreau. (N.T.,
segundo o D.K.L.)
(v) Théophile
Gautier: poeta francês (Tarbes, 1811 - Neuilly-sur-Seine, 1872). Era
partidário do romantismo, mas chegou a uma poesia mais ciosa da beleza
formal: Esmaltes e Camafeus. Escreveu, entre outros, o
romance Capitão Fracasso e obras de crítica literária e artística.
(N.T., segundo o D.K.L.)
(vi) Edgard Quinet: historiador francês (Bourg-en-Bresse,
1803 - Paris, 1875). Filósofo idealista e ateu, historiador liberal. Obras
principais: O Génio das Religiões, As Revoluções da Itália. (N.T.,
segundo o D.K.L.)
(vii) Jean Reynaud: filósofo e político francês, nasceu
em Lyon (1806-1863). Autor de Terra e Céu. (N.T., segundo
o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(viii) Gérard Labrunie de Nerval: escritor francês
(Paris, 1808 - id., 1855). Obras principais: As Filhas do
Fogo, Aurélia, As Quimeras. Foi o precursor de Baudelaire, de
Mallarmé e do surrealismo; traduziu Fausto, de Goethe. Era sujeito a
crises de demência; enforcou-se. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau
Petit Larousse Illustré.)
(ix) A Queda de um Anjo e Jocelyn: obras
de Lamartine. (N.T.,
segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(x) Victor Hugo: escritor francês (Besançon, 1802 -
Paris, 1885). Inicialmente foi um poeta clássico nas suas Odes, mas depois
tornou-se o chefe do Romantismo com Cromwell, Os Orientais e Hernani.
Publicou ainda: Nossa Senhora de Paris, Folhas de Outono, Cantos
do Crepúsculo, As Vozes Interiores, Os Castigos, As
Contemplações, A Lenda dos Séculos, Os Miseráveis e Os Trabalhadores
do Mar, entre outras obras. É considerado o mais ilustre dos poetas franceses.
A influência sobre a sua época, o número e a grandeza das suas obras e o papel
político por ele desempenhado fizeram de Victor Hugo uma das maiores
personalidades do século XIX. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xi) Charles
Baudelaire escritor francês (Paris, 1821 - id., 1867). Herdeiro do Romantismo e
fiel à métrica tradicional exprimiu ao mesmo tempo a tragédia do destino humano
e uma visão mística do Universo, onde descobriu misteriosas “correspondências”.
Os seus poemas As Flores do Mal, Pequenos Poemas em Prosa e a
sua obra crítica A Arte Romântica são a fonte da poesia moderna.
(N.T., segundo o D.K.L.)
(xii) Rudyard
Kipling: escritor inglês (Bombaim, Índia, 1865 - Londres, 1936). Escreveu
poesias e romances, entre estes, Livros da Selva e Kim. Recebeu
o Prémio Nobel em 1907. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xiii) Selma
Lagerlof: escritora sueca (Marbacka, 1858 - id., 1940). Autora de Saga de
Gosta Berling. Recebeu o Prémio Nobel em 1909. (N.T., segundo o D.K.L.)
LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte IV
– Literatura e oratória; A língua francesa e a ideia
espiritualista, 14º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Mona Lisa 1503-1507
– Louvre, pintura de Leonardoda
Vinci)
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