sexta-feira, 11 de março de 2022

O Mundo Invisível e a Guerra ~


IV 
O Mês de 
Jeanne d’Arc 
(III de III) 

|Maio de 1915| 

Cabia então perguntar se a sua clara visão, atravessando os séculos vindouros, não se projectava também no que se está a passar no presente, nessa gigantesca luta da civilização contra a barbárie, na qual pensava em interferir. 

Por meio da violência e do terror, a Alemanha pretendeu impor ao mundo a sua horrível cultura, as suas teorias implacáveis do super-homem, das quais Nietzsche se constituiu profeta e que anulam o que há de mais digno, mais poético, mais belo na alma humana, isto é, as qualidades nobres e, com elas a compaixão, a piedade e a bondade. 

O Deus do Evangelho, que Jesus nos ensinara a amar, os alemães pretenderam trocar por não se sabe qual divindade sombria e cruel, que se assemelha muito menos ao Deus dos cristãos do que ao Odin escandinavo no seu Walhalla manchado de sangue. 

A essas concepções de outras eras, nas quais ao mais grosseiro materialismo se alia um misticismo bárbaro, devemos contrapor, sob a égide da Virgem Lorena, um espiritualismo claro e progressista, feito de luz, justiça e amor. 

Esse espiritualismo mostrará ao mundo a lei eterna que prega a liberdade, a responsabilidade de todos os seres e que lhes impõe a necessidade de resgatar, pelas existências sucessivas e dolorosas, todo o mal que hajam praticado. 

E após a expiação ela assegura o ressurgimento e a partilha, para todos, das alegrias e bens celestes, na proporção justa do merecimento conquistado e dos progressos realizados. 

Eis a doutrina que Jeanne preconiza, que não se ocupa apenas com a libertação da pátria, pois que, desde há muitos anos, coopera também na sua renovação moral. Todos aqueles que frequentam os grupos de estudo onde ela se manifesta sabem com que carinho vela por essa doutrina, sustentando os seus defensores e trabalhando pela sua difusão no mundo. 

Jeanne, inspirada pelo Alto, cumpriu outrora uma missão que, no decorrer dos tempos, serviria de exemplo para todos. Hoje se compreende que o papel da mulher poderia ser o de fortalecer o ânimo do homem, aumentando-lhe a dedicação patriótica. Realmente, no seio da família, a sua missão é mais modesta; mas a educação que dá ao filho deve despertar-lhe a energia e o valor, acentuando-lhe o amor à pátria e todas as virtudes daí decorrentes. 

Assim ver-se-ão desenvolver as energias do país; a fusão dos partidos tornar-se-á mais fácil, assim como a missão de todos, porque estarão unidos por um nobre ideal comum. 

Separados na paz, os franceses se uniram diante do perigo. Ontem incrédulos, apelam hoje às forças divinas e humanas capazes de fortalecer a raça; apelam às inspirações do Alto, que vivificam as almas e despertam as qualidades viris adormecidas. 

Estamos certos de que esse estado de espírito há de persistir. No momento actual existem, na nossa linha da frente, cerca de três milhões de homens que sentem iguais fadigas e sofrem iguais perigos. É impossível que as provações sofridas por eles não constituam um laço poderoso e que, unidos pelo coração e por um mesmo pensamento, não trabalhem unidos para o reerguer da pátria. 

Jeanne os ajudará para conseguirem esse objectivo e, por seu intermédio, afirmamos nós, será feita a união de todos os partidos, porque a Virgem de Orléans não é propriedade de nenhum deles. Pertence a todos e cada um encontrará na sua vida um motivo para venerá-la. 

Os monárquicos glorificarão nela a heroína fiel que se sacrificou pelo rei; os crentes, a enviada providencial que surgiu na hora dos desastres. 

Os filhos do povo a amarão como a camponesa que se armou para salvar a pátria; os soldados se recordarão de que, como eles, ela sofreu e foi ferida duas vezes, os infelizes; que ela suportou todas as amarguras, todas as provações e, que bebeu o cálice das dores até ao fim. 

Todos verão nela uma demonstração da força superior, da força eterna encarnada num ser humano para executar obras capazes de elevar as inteligências e reconciliar todos os corações. 

/… 


LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, IV – O Mês de Jeanne d’Arc (III de III), 11º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial

sexta-feira, 4 de março de 2022

pensamento espírita argentino ~


CAPÍTULO I 

Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história 

Que somos? (X) 

A Psicologia chamada positiva não pode, pois, conciliar os seus postulados de paralelismo psicofisiológico e das localizações psíquicas no cérebro, com os factos que acabamos de expor, nem explicar, por eles, os fenómenos da memória, da subconsciência nem da identidade pessoal ou do eu psíquico num organismo mutável, sujeito a constantes transformações, no qual nem um só átomo material, nem uma só célula subsistem. Para admitir a lembrança, a subconsciência e a nossa identidade, através das mudanças materiais e celulares, há de se admitir, queira-se ou não, uma preformação da consciência, um princípio espiritual permanente e um mediador plástico de natureza etérea, semimaterial ou perispiritual, capaz de se relacionar com o espírito e o seu organismo somático e servir de receptor das impressões exteriores e de impulsionador dos movimentos motores. 

Reduzir o campo da actividade sensitiva, motriz ou mental, ao limite periférico do organismo e ao alcance dos órgãos sensoriais, foi o propósito absurdo da Psicologia positiva. A exteriorização da motilidade e da sensibilidade (telestesia), a televisão (ou visão à distância sem o órgão visual), os fenómenos telepáticos, a clarividência, etc. opõem-se a tais pretensões. Eles reclamam uma ciência mais experimental e dedutiva, mais ampla e mais exacta. Como é que um sujeito exterioriza a sua força motriz e põe em movimento, sem contacto, objectos pesados? Como é que um sensitivo ou hipnotizado sente à distância a picada aplicada no ar ou na água em que deixou impregnada a sua sensibilidade? Como ouve o clariaudiente a voz psíquica que impressiona a sua alma sem ferir o órgão auditivo? Como é que, nos casos de autoscopia, o sujeito percebe o interior do seu próprio organismo e descreve minuciosamente a parte afectada de determinado órgão? Como é que uma pessoa, ainda em estado normal, pode transmitir mentalmente a outra uma ordem e esta ser cumprida exactamente? Como é que, nos fenómenos telepáticos, em sonho ou estado de vigília, se transmitem e se recebem mensagens, avisos de doentes, visões simbólicas, ou representativas de lugares, cenas, coisas ocultas, acidentes, etc.? Como é que, enfim, nos casos de previsão e de sonhos premonitórios, se chegam a conhecer acontecimentos que, estando no futuro, não podem impressionar o cérebro? 

Todos estes fenómenos e outros que omitimos são de tão boa lei como qualquer outro fenómeno psicológico, não obstante não entrarem no estreito marco da Psicologia positiva nem poderem ser explicados pelos seus procedimentos empíricos. 

Sem dúvida que os órgãos sensoriais não fazem aqui nenhum papel e que os centros sensitivos e motores pouco ou nada têm que fazer. E se, como dizem os psicólogos empíricos, toda a função psíquica se realiza mediante um órgão e um centro cerebral, quais são os órgãos e os centros cerebrais da telepatia, da clarividência, da premonição etc.? 

Quais as vias fisiológicas pelas quais chegam e saem do campo da consciência? Se podemos receber sensações, ter percepções visuais, auditivas, tácteis (como no fenómeno de desdobramento), actuar à distância, transmitir sensações, ideias, imagens, conhecimentos, sem necessidade dos órgãos sensoriais e, sobretudo, desdobrar a nossa personalidade, sair do nosso corpo e comprovar experimentalmente o eu espírito e não o eu corpo, a que ficam reduzidas as afirmações e todo o castelo de cartas da Psicologia positiva? (1)  

 “A Psicologia contemporânea – diz René Sudre, epilogando Gustave Geley – está num impasse, de onde não sairá senão com o apoio da Metapsíquica.” 

E nós poderíamos dizer – se a Metapsíquica fosse uma ciência definida – também ela está num impasse do qual não sairá senão apoiada no Espiritismo, que lhe dá vida e a orienta na busca da verdade, assinalando-lhe os extravios. Mas como não é uma ciência definida e autónoma, posto que depende do Espiritismo, do qual é o seu aspecto científico-experimental e a ele está ligada, queira-o ou não, pelos factos que lhe dão fundamento e correspondem à ciência espírita, que os abraça e classifica segundo a sua origem anímica ou espírita e, como os metapsiquistas mais destacados (salvo raras excepções) foram e são espiritistas, cremos que o metapsiquismo, depois de suas incursões pelo mundo das hipóteses anímicas e extramateriais, voltará a integrar-se no Espiritismo, salvando-se assim do seu impasse. 

O Metapsiquismo (ou Metapsíquica, que é igual) é o Espiritismo com a teoria de menos e muitas hipóteses forçadas ou absurdas de mais; é uma ciência nova para o nome, mas o seu conteúdo fenomenológico é o mesmo que abarca o Espiritismo, ainda que este não o faça com maior amplitude. 

Quanto às explicações anímicas racionais que dá dos factos, são as mesmas que o Espiritismo dá também a determinada categoria de fenómenos e não a todos, porque muitos deles ultrapassam o limite do anímico; reduzi-los a este limite seria igual a reduzir os fenómenos supranormais da percepção psíquica, etc. à categoria de fenómenos psicofisiológicos; seria ir contra a natureza e evidência dos mesmos factos. São estes factos que o Espiritismo não inclui na categoria anímica são os que os metapsiquistas não-espiritistas dizem que “se podem explicar”, mas que “não explicam”, com as suas hipóteses ou teorias chamadas “naturais”, por oposição à teoria espiritista, que eles supõem “sobrenatural”, mas que se apresenta à razão científica com mais naturalidade e também com mais verdade. 

As mesmas objecções que fazem ao Espiritismo os metapsiquistas modernos não-espiritistas são as dos sábios espíritas no começo de suas experiências e investigaçõesCrookes, que também punha os seus senões à tese espírita e aplicou a severa frase de Faraday à forma de raciocínio de alguns dos seus partidários de que “muitos cães poderiam chegar a conclusões mais lógicas”, acabou a dizer que um homem pode ser um verdadeiro sábio e sem dúvida estar de acordo com o professor de Morgan, quando este diz: 

“Fácil tem sido dar explicações naturais, mas até agora insuficientes: e por outra parte, subsiste a dificuldade de admitir a hipótese espírita, que é a mais satisfatória.” (ver A Força Psíquica, de William Crookes). 

Objecções análogas fizeram o doutor Otero Acevedo, sábio céptico, a quem Aksakof chamou o Torquemada do Espiritismo; Flammarion, que duvidou durante 50 anos que os espíritos dos mortos interviessem nos fenómenos mediúnicos e que declinou logo o seu cepticismo perante a evidência das provas post-mortemVarleyWallaceHodgsonBarrettMyers e mil outros que do Animismo se passaram ao EspiritismoLombroso foi talvez o sábio mais refractário à teoria espiritista; depois de estudar os factos que havia negado a priori, formulou a sua famosa teoria psiquiátrica, com a qual quis explicar todos os factos, teoria que foi demolida pela crítica científica; logo, um estudo mais profundo e as provas que dele adquiriu, convenceram-no da verdade espírita e ele terminou procurando nas obras de Allan Kardec a explicação de muitos factos, que as hipóteses “naturais” não lhe haviam dado. 

Que sábio espiritista não passou pela fase do “metapsiquismo” antes de haver obtido um convencimento completo? Leia-se toda a literatura científica do Espiritismo e se verá a resistência, a repugnância, melhor diríamos, que muitos sábios e pensadores espíritas sentiram pela nossa doutrina, por crê-la uma de tantas religiões que enganam o mundo. É que o Espiritismo não é coisa fácil de ser admitida, depois das afirmações do positivismo materialista impermeabilizando as almas para toda a noção espiritualista, especialmente para o sábio que, além dos seus prejuízos de escola e da responsabilidade de suas afirmações, tem muitas saídas na mente por onde escorrer os factos, quando estes vêm atirar por terra teorias e afirmações preconcebidas. 

Metapsíquica (2) não constitui uma ciência nova, posto que os fenómenos que estuda são os que o Espiritismo vem estudando desde há três quartos de século e os seus métodos de experimentação, ainda que aperfeiçoados com o progresso da ciência e devido em grande parte ao aporte dos sábios espíritas, não têm variado fundamentalmente. O nome de Metapsíquica (mais além da Psicologia) é igualmente aplicado ao Espiritismo, que é um metapsiquismo mais completo e concorde com a variedade dos factos. 

fenómeno espírita está, pois, constituído por uma variedade de factos e manifestações de origem anímica e espírita, vale dizer: de fenómenos supranormais que provam a existência do espírito como entidade distinta do corpo somático e sem intervenção neles de entidades extraterrenas e de outros fenómenos metapsíquico-espíritas, que provam a preexistência e sobrevivência da alma e a intercomunicação entre os espíritos encarnados e desencarnados. 

distinção destas duas categorias de fenómenos de idêntica natureza foi estabelecida – até ao limite que permitem a ciência e a lógica – por homens experimentados no estudo do fenomenismo espírita, sobre a base dos mesmos fenómenos e o conteúdo das manifestações feitas pelas mesmas entidades, como pelas do mesmo médium (ou do sujeito hipnotizado) que se manifesta subconscientemente, ou pelos que se comunicam por seu intermédio e dão provas, em muitos casos, de sua identidade. 

/… 
(1) Conviria que os materialistas dialécticos, que ainda seguem parafraseando Soreal ou apoiados por Feuerbach, meditassem sobre estes factos, em vez de negá-los por espírito de sistema: eles lhe diriam qual é o “ser real”, o “sujeito e o objecto” e se a entidade psíquica, o eu espiritual, pode ou não desvincular-se do corpo e ser tão real, ainda que não tão material como este. 
(2) Conhecida também como Parapsicologia. 


Manuel S. PorteiroEspiritismo Dialéctico, CAPÍTULO I Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história – Que somos? (X), 10º fragmento da obra. 
(imagem de ilustração: Personajes, Pintura de Josefina Robirosa)