II – Cenas do Espaço. Visões Reais da Guerra e
da Epopeia
|Janeiro de 1915|
Eles se encontram ali, pairando sobre a enorme frente de
batalha que vai das praias nevoentas aos picos dos Vosges, até às planícies da Alsácia. Estão ali os espíritos
de todos quantos, no decorrer dos séculos e em todos os sectores,
principalmente no militar, contribuíram para abrilhantar a França, para
construir a sua glória imortal. Eles apoiam, arrastam e inspiram os nossos
soldados e os seus comandantes.
Faz quatro meses que os combatentes, semi-enterrados,
ocultos nos acidentes do chão, cercados de redes de arame, continuam uma guerra
de destruição e astúcia onde se apura a paciência e a coragem se esgota
lentamente.
Outrora a guerra possuía a sua trágica beleza, a sua
grandeza. Lutava-se a peito descoberto, de cabeça erguida e com bandeiras
desfraldadas. Hoje existem apenas ciladas, maquinações e covardias.
Em toda a parte, nos trabalhos da paz como nos da guerra, os
alemães desnaturaram, amesquinharam e aviltaram tudo quanto foi nobre. A
traição, a perfídia e a falsidade são os seus princípios rotineiros.
Os génios do mal, os espíritos inferiores de homicídio e de
rapina dos tempos medievais estão entre eles, reencarnados nas suas fileiras ou
invisíveis, participando dos seus combates.
Se eles triunfassem, a Europa ficaria escravizada, os fracos
esmagados e os vencidos espoliados. Seria um retorno da humanidade aos tempos
bárbaros.
Os nobres espíritos que zelam pelos nossos exércitos
conheceram lutas mais nobres, mais generosas, e por isso surpreendem-se com
essas tácticas e se afligem com esses procedimentos. Há ocasiões em que, vendo
infrutíferos tantos esforços, sentem-se invadir pela hesitação e pela inquietude,
perguntando, angustiados, qual será o fim dessa terrível luta.
Quanto sangue e lágrimas! Quantos jovens heróis sucumbidos!
Quantos despojos humanos jazem sobre a terra! O nosso país verá aniquilar-se
toda a sua força, toda a sua vitalidade?
Aí então aparece, do alto do espaço infinito, um novo
espírito, e ao vê-lo todos se agitam e se comovem: é uma mulher, e uma
auréola lhe cinge a fronte; o entusiasmo e a fé lhe animam o rosto.
Assim que ela aparece, um tremor
perpassa por essas legiões de invisíveis. E um nome passa de boca em
boca: Joana d’Arc!
É a filha de Deus, a virgem das lutas!
Ela vem revigorar as energias adormecidas, a coragem
abalada. Desde o início da luta ela se mantinha afastada, entre as suas irmãs
celestes, num grupo de seres graciosos e encantadores, seres angélicos, cujo
comando Deus lhe confiou após o
martírio.
A sua missão consiste em aplacar os sofrimentos
humanos, diminuir as dores morais, pairando sobre as almas que suportam as
suas provas.
A hora, porém, soou. Ao ter ciência dos males que devastam a
pátria, essa França tão querida pela qual sacrificou a sua existência, o coração
da Virgem Lorena se sentiu turbado, apossando-se dela o desejo ardente de nos
socorrer, e então ela cede a esse desejo.
Na hora da partida, as suas irmãs, companheiras do espaço,
inclinam-se ante aquela que veneram, dizendo:
“Faremos preces pelo triunfo de vossas armas, filha amada de
Deus”.
Assim, pois, Joana acode e em seu derredor se congregam,
prestativos, os espíritos heróicos, protectores da França, para saudá-la e
acompanhá-la.
Na sua simplicidade, ela lhes diz:
“Como nos séculos passados, senti a irresistível vontade
de me juntar aos que estão lutando pela salvação da pátria. Aceitam-me em
suas fileiras?”
Todos, num só entusiasmo, exclamaram:
“Ponha-se à nossa frente e marcharemos sob as suas ordens!”
/...
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, II – Cenas do Espaço, Visões Reais da Guerra e da Epopeia, 1 de 3, 3º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Tanque de guerra britânico
capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra
Mundial)
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