A INVESTIGAÇÃO ONTOLÓGICA NA PARAPSICOLOGIA
3) O Existencialismo Perante a Parapsicologia
O existencialismo, ou filosofia da existência, encarna,
neste período da evolução, o estado espiritual com que vive
o homem, frente ao seu próprio ser e existir. Para o
existencialismo, o indivíduo existente só
representa um momento do Ser, cuja meta final é a morte e o nada
eternos. (i) Este estado de consciência, com efeito,
não poderá ser refutado pelos antigos processos teológicos e
metafísicos. Somente uma nova realidade espiritual do Ser, originada de
uma autêntica experiência parapsicológica, poderá introduzir na
filosofia existencial a ideia do Espírito. Não devemos esquecer o
que H. H. Price escreveu:
“Devemos ter a coragem de estabelecer novamente a questão da
estrutura da personalidade humana e das suas relações com o
Universo, criando um novo quadro conceitual, que possa ajustar-se
aos factos novos. Na minha opinião, compete aos filósofos esta tarefa.” (ii)
Não nos esqueçamos de que o Espírito é ainda uma irrealidade
para as correntes mais avançadas do pensamento. Entre elas, como sabemos,
encontra-se o materialismo histórico e dialéctico, base ideológica da concepção
marxista da sociedade. Lembremo-nos de que o Espírito foi
factor de superstições e de promessas de além túmulo, com as quais se
justificaram cruéis injustiças sociais. Além disso, sua concepção jamais
correspondeu, na formulação teológica, de forma satisfatória, à desnorteante
angústia do homem. Por sua vez, a filosofia referiu-se sempre ao
Espírito, mas sem dar provas de sua realidade objectiva. Obrigou-se a
aceitá-lo dogmaticamente, por imposição de mentores religiosos, que nunca
levaram em conta o sentir colectivo do mundo, base fundamental da civilização e
de todo o progresso social.
Esta concepção do Espírito foi a razão ideológica do
existencialismo, cuja pujança filosófica nenhuma filosofia e nenhuma teologia
conseguirão deter, enquanto não se demonstrar a existência real do Ser
espiritual. Acreditamos que o existencialismo só deixará a sua posição niilista quando
se provar que a mente sobrepuja as circunvoluções cerebrais, e quando essa
mente se mostrar como uma consequência da real existência do Espírito, cuja
objectivação só poderá obter-se pela investigação fenoménica da parapsicologia.
O laboratório parapsicológico deverá representar, portanto,
uma forma de concretização científica da filosofia espírita. Se é certo que
dele não poderá sair uma definição dogmática sobre a realidade espiritual do
homem, isso não impede que a escola espírita vá confirmando a sua ideologia
doutrinária, por meio da parapsicologia. Seria faltar à verdade deixarmos de
reconhecer que devemos o advento da investigação psíquica, da metapsíquica e
da parapsicologia ao resultado dos esforços realizados pela escola
espírita no campo experimental, quando ela, sozinha, enfrentava as
insustentáveis hipóteses sobre demónios, larvas, cascões astrais e fraudes. Daí
apresentar-se a filosofia espírita, com sobejas razões, perante a exaurida
humanidade, como campeã da vida e do Espírito. Ela fará o homem sentir
a realidade do seu Ser espiritual, por meio da ciência e da religião. Ela
descerrará os véus do além e iluminará com os seus fachos a marcha solene da
história.
Com o seu génio mediúnico, a filosofia
espírita fez realidade e presença no que todas as religiões têm intuído
subjectivamente: a alma imortal. Conseguiu estabelecer um dramático
diálogo entre o mundo visível e o invisível, que os teólogos consideram
sempre como irrealizável. O método científico, aplicado à pesquisa espiritual,
vai dando à filosofia espírita a razão que lhe pertence. Daí que a
parapsicologia, ao demonstrar a realidade psíquica do homem, não poderá desfazer
a concepção espírita do Ser, se é que realmente quer refrear o
existencialismo ateu e o conceito materialista da vida.
O existencialismo não poderá ser ultrapassado só por meio de
factos, mas também mediante sólidas reflexões ontológicas acerca do homem. Não
nos esqueçamos de que Jean-Paul Sartre disse:
“As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade
vaga, ou senhor feudal, ou proletário. O que não varia é a
necessidade, para ele, de estar ali, no meio dos outros, e de ali, como eles,
ser mortal.” Cabe à parapsicologia ensaiar, mediante o seu rico
fenomenismo extrassensorial, um Humanismo do Espírito, com o fim de indicar ao
Ser de onde provém, o que faz no mundo e para onde se dirige.
Segundo a filosofia existencialista, a razão metafísica não
é suficiente para negar o sentido niilista do homem e do mundo. O ser humano,
não obstante a exigência teológica, destina-se à morte eterna. Demonstrar
o contrário seria negar a primazia que o existencialismo confere à existência
sobre a essência. Como, porém, poderia realizar-se isto? Só mediante uma
materialização da essência, que se poderá obter pela objectivação do Ser
espiritual do indivíduo. E esta materialização da essência é tarefa da
parapsicologia, que, uma vez cumprida, demonstrará cabalmente que o
Espírito é uma realidade e pode objectivar-se.
Será realmente assombroso constatar os efeitos espirituais
que a parapsicologia produzirá no existencialismo. A existência
material será superada pela espiritualidade da essência; ela transformará a
sua imagem finita, para mostrar-se resultante do Ser infinito. Porque, como o
reconhecerá a filosofia do futuro, só o método parapsicológico poderá conceder
à metafísica os reais elementos com que construir uma verdadeira teoria
do homem.
Estas reflexões nos levam a pensar que devemos juntar à
Fenomenologia de Husserl uma
“segunda fenomenologia”, já que ela abrange somente uma face do ser
fenomenológico, o qual necessita de transcender para um existir
extratemporal. Ao contrário, uma fenomenologia parapsicológica do Ser não
se limita às estruturas físicas, mas as supera, por meio de um ser intencional.
A fenomenologia existencial detém-se na parte morta do
Ser. Não obstante a intuição essencial que experimenta, não consegue perceber a
realidade do fenómeno, para dele se libertar. Daí se conclui que a
parapsicologia, à luz da filosofia espírita, é uma espécie de maiêutica socrática,
que dá origem a uma nova realidade psicológica.
A objectividade de um verdadeiro facto parapsicológico terá
a propriedade de convencer a matemáticos, cientistas, artistas, filósofos e
religiosos. Consequentemente a parapsicologia será a objectivação daquilo que
se julgava morto para sempre: o ideal e o espírito, os quais ressurgem graças à
influência que os fenómenos psíquicos e metapsíquicos exercem
sobre o pensamento humano e a marcha do conhecimento. Ela é capaz de produzir
factos que podem interessar a toda a humanidade, já que esses factos representam
uma superação geral do conhecimento e do habitual. Além disso, ela está
organizando métodos novos, para a investigação daquilo que sempre foi
considerado como não experimental: a busca do Espírito.
Se a realidade espiritual clássica se mostra impotente para
se opor à negação de Deus e do Espírito, existe uma teologia experimental, da
qual falou o grande biólogo espanhol Jaime Ferrán, no
seu prólogo ao Tratado de Metapsíquica, de Charles Richet,
verdadeiro libelo contra o existencialismo ateu. Trata-se nada menos do que da
metapsíquica objectiva, cujos fenómenos e materialização estão revolucionando o
pensamento filosófico. Ela será de grande proveito para a existência humana e
animal, agora que o existencialismo indica ao homem, como o seu único futuro, a
morte e o nada. Embora seja certo que várias escolas espiritualistas se
levantaram contra o existencialismo, e com elas – que paradoxo – a própria
doutrina marxista, não obstante a sua concepção materialista, a verdade é que o
niilismo espiritual se difunde de maneira alarmante, ao lado da filosofia do
existencialismo.
Miguel
de Unamuno não via, no fenómeno metapsíquico, nenhuma
prova a favor da imortalidade. Não obstante, ao referir-se à realidade da vida
de além-túmulo, chegou a escrever: “E a esta mesma necessidade, verdadeira
necessidade de formarmos uma ideia concreta do que pode ser essa
outra vida, responde em grande parte a indestrutível vitalidade
de doutrinas como as do espiritismo, da
metempsicose, da transmigração das almas através dos astros, e
outras análogas, doutrinas que, quantas vezes declaradas vencidas e
mortas, renascem noutras formas mais ou menos novas. É grande loucura querer eliminá-las, em
vez de buscar-lhes a substância permanente.” (iii)
Se a ciência psicológica está se beneficiando com as
contribuições da investigação psíquica, da metapsíquica e da parapsicologia,
isto se deve ao persistente trabalho do espiritismo científico,
que, desde os seus primórdios, conseguiu atrair a atenção dos homens de
ciência, interessando por sua vez a filosofia e a religião.
O conhecimento psicológico do homem encontra-se numa fase a
que poderíamos chamar de revolucionária. As teorias do paralelismo
psicofisiológico vão sendo abandonadas, ao considerar-se o Ser como um
Eu ou uma Mente, conceito este negado pelo materialismo e pelo
existencialismo ateu.
A escola espírita, no campo do conhecimento, está preparando
um novo sentido espiritual, mas agora apoiado num neorrealismo decorrente da
demonstração positiva da existência da alma. Assim, o próprio cristianismo,
menosprezado pelos niilistas e por certos espiritualistas orientais, se
reafirmará sobre bases verdadeiramente espirituais. A filosofia espírita
promoveu uma nova interpretação da antropologia, que permitirá à própria
teosofia apresentar-se ante o espírito dos tempos actuais com as suas grandes
intuições místicas e cósmicas.
O carácter positivo da ciência mediúnica e metapsíquica
confirmará finalmente as hipóteses de muitas correntes idealistas. A intuição
palingenésica da teosofia, por exemplo, encontrará no realismo do fenómeno
parapsicológico e metapsíquico a mais completa confirmação, ao lado de muitas
teorias da metafísica oriental e ocidental.
Unamuno considerava as manifestações místicas e vivenciais
da agonia terrena, antes de mais nada, como uma consequência da angústia
religiosa. Era ele um tipo de existencialista cristão, semelhante a Soren Kierkegaard.
Este achava que toda a sabedoria espiritual provinha da própria
angústia do Ser. Não obstante, a metapsíquica objectiva é a única força
positiva que poderá contraditar e paralisar os planos filosóficos do existencialismo.
Estejamos certos de que só um fenómeno objectivo, como o ectoplásmico,
se fosse tomado na devida conta, poderia mudar a mentalidade dos tempos
modernos e de todas as épocas. Porque, se a objectividade do facto metafísico
chegasse a comover a inteligência contemporânea, o existencialismo perderia
todo o seu valor, do ponto de vista lógico e filosófico.
Para o pensamento materialista, a filosofia idealista
nada representa no mundo do conhecimento. Ela está incluída entre os sistemas
que serviram de base aos dogmas, mediante os quais foi possível submeter os
povos económica e socialmente. Entretanto, para a filosofia espírita, o
idealismo é uma realidade inegável, dependente do mundo espiritual. Pelo
processo chamado ESP, isto é, pela percepção extrassensorial, poderíamos captar
essa realidade, através do inconsciente. Esse processo chamado ESP (iv) nos
permitiria apreender outro plano do Espírito, ainda distante, no qual o homem
não penetrou, mas que ele pressente, parapsicologicamente, como uma realidade.
/...
(i) O autor se refere, como adiante se verá, ao
existencialismo de Sartre, dominante na actualidade. (Nota de J.H. Pires).
(ii) Revista de Parapsicologia, n° 1 – Buenos Aires,
1955.
(iii) Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida.
(iv) ESP – termo empregado na parapsicologia no sentido
de percepção extrassensorial. A sigla corresponde à expressão
inglesa extra sensory perception.
Humberto Mariotti, O
Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, 1ª PARTE O NÚMENO
ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo I A INVESTIGAÇÃO ONTOLÓGICA NA
PARAPSICOLOGIA, 2º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Alrededores de la ciudad
paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)
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