sábado, 22 de março de 2014

o Homem e a Sociedade numa nova Civilização ~ do Materialismo histórico a uma Dialéctica do espírito ~

A INVESTIGAÇÃO ONTOLÓGICA NA PARAPSICOLOGIA

3) O Existencialismo Perante a Parapsicologia

O existencialismo, ou filosofia da existência, encarna, neste período da evolução, o estado espiritual com que vive o homem, frente ao seu próprio ser e existir. Para o existencialismo, o indivíduo existente só representa um momento do Ser, cuja meta final é a morte e o nada eternos. (i) Este estado de consciência, com efeito, não poderá ser refutado pelos antigos processos teológicos e metafísicos. Somente uma nova realidade espiritual do Ser, originada de uma autêntica experiência parapsicológica, poderá introduzir na filosofia existencial a ideia do Espírito. Não devemos esquecer o que H. H. Price escreveu: “Devemos ter a coragem de estabelecer novamente a questão da estrutura da personalidade humana e das suas relações com o Universo, criando um novo quadro conceitual, que possa ajustar-se aos factos novos. Na minha opinião, compete aos filósofos esta tarefa.” (ii)
Não nos esqueçamos de que o Espírito é ainda uma irrealidade para as correntes mais avançadas do pensamento. Entre elas, como sabemos, encontra-se o materialismo histórico e dialéctico, base ideológica da concepção marxista da sociedade. Lembremo-nos de que o Espírito foi factor de superstições e de promessas de além túmulo, com as quais se justificaram cruéis injustiças sociais. Além disso, sua concepção jamais correspondeu, na formulação teológica, de forma satisfatória, à desnorteante angústia do homem. Por sua vez, a filosofia referiu-se sempre ao Espírito, mas sem dar provas de sua realidade objectiva. Obrigou-se a aceitá-lo dogmaticamente, por imposição de mentores religiosos, que nunca levaram em conta o sentir colectivo do mundo, base fundamental da civilização e de todo o progresso social.

Esta concepção do Espírito foi a razão ideológica do existencialismo, cuja pujança filosófica nenhuma filosofia e nenhuma teologia conseguirão deter, enquanto não se demonstrar a existência real do Ser espiritual. Acreditamos que o existencialismo só deixará a sua posição niilista quando se provar que a mente sobrepuja as circunvoluções cerebrais, e quando essa mente se mostrar como uma consequência da real existência do Espírito, cuja objectivação só poderá obter-se pela investigação fenoménica da parapsicologia.

O laboratório parapsicológico deverá representar, portanto, uma forma de concretização científica da filosofia espírita. Se é certo que dele não poderá sair uma definição dogmática sobre a realidade espiritual do homem, isso não impede que a escola espírita vá confirmando a sua ideologia doutrinária, por meio da parapsicologia. Seria faltar à verdade deixarmos de reconhecer que devemos o advento da investigação psíquica, da metapsíquica e da parapsicologia ao resultado dos esforços realizados pela escola espírita no campo experimental, quando ela, sozinha, enfrentava as insustentáveis hipóteses sobre demónios, larvas, cascões astrais e fraudes. Daí apresentar-se a filosofia espírita, com sobejas razões, perante a exaurida humanidade, como campeã da vida e do Espírito. Ela fará o homem sentir a realidade do seu Ser espiritual, por meio da ciência e da religião. Ela descerrará os véus do além e iluminará com os seus fachos a marcha solene da história.

Com o seu génio mediúnico, a filosofia espírita fez realidade e presença no que todas as religiões têm intuído subjectivamente: a alma imortal. Conseguiu estabelecer um dramático diálogo entre o mundo visível e o invisível, que os teólogos consideram sempre como irrealizável. O método científico, aplicado à pesquisa espiritual, vai dando à filosofia espírita a razão que lhe pertence. Daí que a parapsicologia, ao demonstrar a realidade psíquica do homem, não poderá desfazer a concepção espírita do Ser, se é que realmente quer refrear o existencialismo ateu e o conceito materialista da vida.

O existencialismo não poderá ser ultrapassado só por meio de factos, mas também mediante sólidas reflexões ontológicas acerca do homem. Não nos esqueçamos de que Jean-Paul Sartre disse: “As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade vaga, ou senhor feudal, ou proletário. que não varia é a necessidade, para ele, de estar ali, no meio dos outros, e de ali, como eles, ser mortal.” Cabe à parapsicologia ensaiar, mediante o seu rico fenomenismo extrassensorial, um Humanismo do Espírito, com o fim de indicar ao Ser de onde provém, o que faz no mundo e para onde se dirige.

Segundo a filosofia existencialista, a razão metafísica não é suficiente para negar o sentido niilista do homem e do mundo. O ser humano, não obstante a exigência teológica, destina-se à morte eterna. Demonstrar o contrário seria negar a primazia que o existencialismo confere à existência sobre a essência. Como, porém, poderia realizar-se isto? Só mediante uma materialização da essência, que se poderá obter pela objectivação do Ser espiritual do indivíduo. E esta materialização da essência é tarefa da parapsicologia, que, uma vez cumprida, demonstrará cabalmente que o Espírito é uma realidade e pode objectivar-se.

Será realmente assombroso constatar os efeitos espirituais que a parapsicologia produzirá no existencialismo. A existência material será superada pela espiritualidade da essência; ela transformará a sua imagem finita, para mostrar-se resultante do Ser infinito. Porque, como o reconhecerá a filosofia do futuro, só o método parapsicológico poderá conceder à metafísica os reais elementos com que construir uma verdadeira teoria do homem.

Estas reflexões nos levam a pensar que devemos juntar à Fenomenologia de Husserl uma “segunda fenomenologia”, já que ela abrange somente uma face do ser fenomenológico, o qual necessita de transcender para um existir extratemporal. Ao contrário, uma fenomenologia parapsicológica do Ser não se limita às estruturas físicas, mas as supera, por meio de um ser intencional. A fenomenologia existencial detém-se na parte morta do Ser. Não obstante a intuição essencial que experimenta, não consegue perceber a realidade do fenómeno, para dele se libertar. Daí se conclui que a parapsicologia, à luz da filosofia espírita, é uma espécie de maiêutica socrática, que dá origem a uma nova realidade psicológica.

A objectividade de um verdadeiro facto parapsicológico terá a propriedade de convencer a matemáticos, cientistas, artistas, filósofos e religiosos. Consequentemente a parapsicologia será a objectivação daquilo que se julgava morto para sempre: o ideal e o espírito, os quais ressurgem graças à influência que os fenómenos psíquicos e metapsíquicos exercem sobre o pensamento humano e a marcha do conhecimento. Ela é capaz de produzir factos que podem interessar a toda a humanidade, já que esses factos representam uma superação geral do conhecimento e do habitual. Além disso, ela está organizando métodos novos, para a investigação daquilo que sempre foi considerado como não experimental: a busca do Espírito.

Se a realidade espiritual clássica se mostra impotente para se opor à negação de Deus e do Espírito, existe uma teologia experimental, da qual falou o grande biólogo espanhol Jaime Ferrán, no seu prólogo ao Tratado de Metapsíquica, de Charles Richet, verdadeiro libelo contra o existencialismo ateu. Trata-se nada menos do que da metapsíquica objectiva, cujos fenómenos e materialização estão revolucionando o pensamento filosófico. Ela será de grande proveito para a existência humana e animal, agora que o existencialismo indica ao homem, como o seu único futuro, a morte e o nada. Embora seja certo que várias escolas espiritualistas se levantaram contra o existencialismo, e com elas – que paradoxo – a própria doutrina marxista, não obstante a sua concepção materialista, a verdade é que o niilismo espiritual se difunde de maneira alarmante, ao lado da filosofia do existencialismo.

Miguel de Unamuno não via, no fenómeno metapsíquico, nenhuma prova a favor da imortalidade. Não obstante, ao referir-se à realidade da vida de além-túmulo, chegou a escrever: “E a esta mesma necessidade, verdadeira necessidade de formarmos uma ideia concreta do que pode ser essa outra vida, responde em grande parte a indestrutível vitalidade de doutrinas como as do espiritismo, da metempsicose, da transmigração das almas através dos astros, e outras análogas, doutrinas que, quantas vezes declaradas vencidas e mortas, renascem noutras formas mais ou menos novas. É grande loucura querer eliminá-las, em vez de buscar-lhes a substância permanente.” (iii)

Se a ciência psicológica está se beneficiando com as contribuições da investigação psíquica, da metapsíquica e da parapsicologia, isto se deve ao persistente trabalho do espiritismo científico, que, desde os seus primórdios, conseguiu atrair a atenção dos homens de ciência, interessando por sua vez a filosofia e a religião.

O conhecimento psicológico do homem encontra-se numa fase a que poderíamos chamar de revolucionária. As teorias do paralelismo psicofisiológico vão sendo abandonadas, ao considerar-se o Ser como um Eu ou uma Mente, conceito este negado pelo materialismo e pelo existencialismo ateu.

A escola espírita, no campo do conhecimento, está preparando um novo sentido espiritual, mas agora apoiado num neorrealismo decorrente da demonstração positiva da existência da alma. Assim, o próprio cristianismo, menosprezado pelos niilistas e por certos espiritualistas orientais, se reafirmará sobre bases verdadeiramente espirituais. A filosofia espírita promoveu uma nova interpretação da antropologia, que permitirá à própria teosofia apresentar-se ante o espírito dos tempos actuais com as suas grandes intuições místicas e cósmicas.

O carácter positivo da ciência mediúnica e metapsíquica confirmará finalmente as hipóteses de muitas correntes idealistas. A intuição palingenésica da teosofia, por exemplo, encontrará no realismo do fenómeno parapsicológico e metapsíquico a mais completa confirmação, ao lado de muitas teorias da metafísica oriental e ocidental.

Unamuno considerava as manifestações místicas e vivenciais da agonia terrena, antes de mais nada, como uma consequência da angústia religiosa. Era ele um tipo de existencialista cristão, semelhante a Soren Kierkegaard. Este achava que toda a sabedoria espiritual provinha da própria angústia do Ser. Não obstante, a metapsíquica objectiva é a única força positiva que poderá contraditar e paralisar os planos filosóficos do existencialismo. Estejamos certos de que só um fenómeno objectivo, como o ectoplásmico, se fosse tomado na devida conta, poderia mudar a mentalidade dos tempos modernos e de todas as épocas. Porque, se a objectividade do facto metafísico chegasse a comover a inteligência contemporânea, o existencialismo perderia todo o seu valor, do ponto de vista lógico e filosófico.

Para o pensamento materialista, a filosofia idealista nada representa no mundo do conhecimento. Ela está incluída entre os sistemas que serviram de base aos dogmas, mediante os quais foi possível submeter os povos económica e socialmente. Entretanto, para a filosofia espírita, o idealismo é uma realidade inegável, dependente do mundo espiritual. Pelo processo chamado ESP, isto é, pela percepção extrassensorial, poderíamos captar essa realidade, através do inconsciente. Esse processo chamado ESP (iv) nos permitiria apreender outro plano do Espírito, ainda distante, no qual o homem não penetrou, mas que ele pressente, parapsicologicamente, como uma realidade.

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(i) O autor se refere, como adiante se verá, ao existencialismo de Sartre, dominante na actualidade. (Nota de J.H. Pires).
(ii) Revista de Parapsicologia, n° 1 – Buenos Aires, 1955.
(iii) Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida.
(iv) ESP – termo empregado na parapsicologia no sentido de percepção extrassensorial. A sigla corresponde à expressão inglesa extra sensory perception.




Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo I A INVESTIGAÇÃO ONTOLÓGICA NA PARAPSICOLOGIA, 2º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)

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