CAPÍTULO I
Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida
e da história ~
Que somos? (II)
Os fenómenos do Espiritismo, hoje chamados metapsíquicos, (i) são
tão antigos quanto o homem. No Oriente e especialmente nos países hindus são
conhecidos desde os tempos mais remotos. Luís Jacolliot acredita
que, pelos menos, datam de há mais de dez mil anos, e no seu interessante livro O
Espiritismo na Índia descreve fenómenos de levitação de corpos pesados, sem
contacto, apenas pela exteriorização da força psicomotriz do médium, de
telepatia, bilocação, desdobramento, ectoplasmia, premonição, etc., observados
por ele mesmo, tão surpreendentes como os estudados nos países ocidentais.
A sinagoga, a assembleia de feiticeiros, fundiram-se nas
sombras do passado com o seu esoterismo e o seu mistério fatídico e aterrador; mas
as exigências da alma criaram em seu lugar os centros de estudos psíquicos e
de evocações espiritistas, iluminados com a cintilação da luz eléctrica, quando
não, com os raios obscuros, empregados nos institutos da moderna metapsíquica.
A pitonisa grega, a sibila romana, o faquir oriental e o mago das antigas
lendas têm hoje um similar no médium (no adivinho, no
clarividente, no psicómetra, no sensitivo, etc.), transmissor ou receptor
psíquico, telescópio humano por quem a ciência vê o invisível e
penetra no impenetrável.
O demónio de Sócrates, a diva de Plotino, a ninfa de Numa, deixaram de
ser personagens mitológicos para converter-se, à luz do Espiritismo, em génios
protectores ou em espíritos vinculados à vida de certos homens, por afectos ou
outras diversas razões, capazes, em certos casos, de ser vistos e ainda
fotografados, como a Katie
King de William
Crookes, a Estela de Livermore, a Yolanda de Elisabeth
d'Espérance, o Joey de Alexandre Aksakof e
o Vicente do Dr. Imoda.
Os oráculos perderam o seu sabor de mistério e manifestam-se hoje na
clarividência psicocronométrica (ou pragmática, segundo Richet) e se expressam
às vezes em idiomas desconhecidos pelos bruxos da moderna feitiçaria.
O velador actual substituiu a trípoda (ii) da
antiguidade, e as consultas já não obedecem a um entretenimento passageiro, mas
ao desejo de instruir-se e de descobrir a causa inteligente que os move; os
seus movimentos giratórios são tão conscientes e voluntários como os dos
trípodas de Delfos e não necessitam, como aqueles, das rodas invisíveis
forjadas por Vulcano, segundo afirma Homero no canto 16 da
Ilíada. Se a trípoda tem em Homero um defensor, o velador tem um
apóstolo em Victor
Hugo.
Ante os factos surpreendentes do Espiritismo, não faltarão
cépticos que dirão com um certo sabor de ironia, usando o conhecido paradoxo:
“Será verdade tanta mentira?” Ao que os homens estudiosos e reflexivos
contestarão, tendo ante os seus olhos a visão dos factos: “Será mentira
tanta verdade? ...”
Desde os séculos mais antigos, os mortos têm chamado a
atenção dos vivos e já era hora de a ciência dar-se por advertida. Por absurdos
ou inverosímeis que pareçam, os fenómenos espíritas não deixam, no
entanto, de ser certos e naturais como toda a outra manifestação da Natureza e
do Espírito que a anima.
Por outro lado, a crença na imortalidade da alma, na sua
encarnação e evolução progressiva, que encontra nos fenómenos espíritas o seu
fundamento positivo, tem outra fonte não menos fecunda de informação que data
dos tempos mais remotos: Krishna, o filósofo legendário na Índia, pregou-a há
muitos anos nas margens do Ganges. Dizia ele:
“A sorte da alma depois da morte constitui o mistério dos
renascimentos. Como a profundidade dos céus abre-se aos raios das estrelas, a
profundidade da vida ilumina o esplendor desta verdade.”
E esta verdade impõe-se no nosso século de radiofonia, de radioactividade, de
inventos e descobrimentos prodigiosos e também de refinado materialismo
religioso e burguês, de guerras e conflitos de pugilismo e jazz-band.
São os sinais dos tempos que correm: o paradoxo de uma civilização em
decadência, a crise de todo um sistema social, a luta da luz e das
trevas, do espírito por dominar a matéria, da alma imortal vencendo o
conceito materialista do nada.
O Espiritismo vem
a ser, pois, o resplendor desta verdade, a ciência do espírito e de tudo que
com ele se relaciona. Estudando o Espiritismo, alcançam-se muitos mistérios,
resolvem-se muitos problemas da vida, ampliam-se os horizontes do
conhecimento humano e explicam-se as anomalias da sociedade e a razão de muitos
ódios e afectos, cujo véu se descerra à medida que se penetra no passado do
espírito, na subconsciência metapsíquica, em cujas saliências se arquiva a
história contínua das existências passadas e das diferentes personalidades
vividas. Mas o Espiritismo não vem adormecer as consciências,
oferecendo ao mundo o ópio de uma nova religião dogmática e conservadora como
são todas as religiões; não vem matar os impulsos revolucionários, generosos e
emancipadores que se dirigem à melhora da vida das pessoas e dos povos; é por
sua própria essência revolucionário, no elevado conceito da palavra, seja na
ciência e na filosofia, como na moral e na sociologia.
A curiosidade é uma propensão natural da alma humana, força
propulsora, invencível, que a move a investigar os princípios e origens, a
elevar-se dos efeitos às causas, do conhecido ao desconhecido, sempre em busca
de novos conhecimentos para saciar a infinita sede de saber. Esta propensão
para descobrir o desconhecido é universal: encontra-se no homem primitivo como
no moderno, no sábio como no ignorante; não tem idade nem sexo. A criança que
nos aborrece com as suas perguntas, que rompe os seus brinquedos para conhecer
o segredo de seu mecanismo oculto, não é menos curiosa do que o filósofo que
procura desentranhar a verdade das coisas, nem do que o homem de ciência que
deseja conhecê-las experimentalmente por princípios certos e demonstráveis.
A humanidade não progride cientificamente senão pela
curiosidade; as conquistas do pensamento e da ciência, em geral, devem-se mais
a ela do que à necessidade, não obstante o ditado vulgar de que esta é a mãe de
todos os inventos e descobrimentos.
Devido a esta tendência, o homem chegou, com a evolução, a
ocupar um lugar proeminente no nosso planeta, conseguindo dominar muitas forças
da natureza e penetrar nos segredos que esta reserva à sua coragem e ao seu
talento. Mas se a curiosidade científica levou o homem à altura considerável em
que hoje se encontra, a um misto de orgulho e assombro, não se deve
tanto às conquistas do mundo exterior, como ao conhecimento do homem sobre si
mesmo, o que, por muito imperfeito que ainda seja, constitui a sua mais
valiosa conquista, a glória maior de sua ciência.
O verdadeiro valor científico e filosófico consiste, mais do
que em outras disciplinas científicas, no estudo do sujeito do
conhecimento, isto é, da alma humana, relegada durante muito tempo ao
esquecimento, por uma excludente ciência cosmológica, que a tudo estudava
excepto o homem na sua natureza psíquica, espiritual.
Coube a Sócrates a glória de
ser o primeiro a abordar o estudo do ser humano, considerando-o na sua
espiritualidade, como também na sua imortalidade. Esse grande filósofo, a quem
um oráculo havia proclamado o mais sábio dos homens de sua época, tendo lido na
fachada do templo de Delfos a já mencionada sentença Gnothy seauton (Conhece-te
a ti mesmo), que serviu de base à sua filosofia, fez dela o ponto de partida do
conhecimento.
Até ao século 17, a ciência da alma achava-se
compreendida nas ciências filosóficas e o seu estudo não foi considerado senão
como um preâmbulo da moral, da lógica e da metafísica. Até o nome de
psicologia foi pela primeira vez introduzido na linguagem filosófica pelo
filósofo moralista Goclénio de Marburgo, que o adaptou como título de uma obra
sobre a perfeição moral. Mas esse conhecimento do homem, fundado numa
psicologia puramente racional, não pôde ser de grande valor, por estar baseado
em observações imprecisas, quando não, em meras especulações, tão
infecundas como alheias ao método experimental.
/…
(i) A partir da década de 1930 os fenómenos do
Espiritismo passaram a ser chamados de paranormais.
(ii) Pequena mesa, de três pés, diante da qual a
pitonisa fazia o oráculo. (N.T.)
Manuel
S. Porteiro, Espiritismo Dialéctico, CAPÍTULO I Fundamentos
científicos da concepção neo-espírita da vida e da história – Que somos? (II)
2º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Personajes, Pintura de Josefina Robirosa)
Sem comentários:
Enviar um comentário