Capítulo Primeiro | Agénere ou Aparição Tangível |
O estudo dos seres fluídicos, tangíveis, denominados por Allan Kardec de
agéneres "para indicar que a sua origem não é o resultado de uma
geração" é de grande importância para a compreensão do corpo
fluídico pretendido para Jesus. Vale, pois, abordar a questão, senão como
um estudo profundo, pelo menos como meio para se chegar a uma conclusão
razoável sobre as possibilidades de Jesus ter tido um corpo
fluídico ao invés de um corpo carnal.
Allan Kardec teve as suas vistas voltadas para o assunto
inúmeras vezes. Ao longo do tempo em que dirigiu a Revista Espírita, pôde
estudá-lo partindo de factos reais que lhe chegavam ao conhecimento e de
experiências vividas por ele próprio. Em fevereiro de 1859, em artigo que leva
o título AGÉNERES, diz o Codificador: "Partimos de um facto
patente – o aparecimento de mãos tangíveis – para chegar a uma suposição que
lhe é consequência lógica. Entretanto não a teríamos aventado se a história do
menino de Bayonne não nos tivesse aberto o caminho, mostrando-nos a
possibilidade". A história do menino de Bayonne não chega a ser um caso
perfeito de agénere. Ela resume as experiências vividas por
uma menina em contacto com o próprio irmão desencarnado. Porém, se não
constituía um caso perfeito de agénere, servia, pelo menos, para
provocar o estudo do assunto e foi o que aconteceu.
"Interrogado a respeito, – afirma Kardec – um Espírito
superior respondeu que efectivamente podemos encontrar seres de tal
natureza, sem que o suspeitemos; acrescentou que isso é raro, mas que se
vê.
"Como para nos entendermos necessitamos de um nome para
cada coisa, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas os chama agéneres, para
indicar que a sua origem não é o resultado de uma geração."
Os dois casos a seguir, relatados por Kardec na
"Revista Espírita", fornecem um bom exemplo de agéneres perfeitos,
principalmente o segundo. Vamos a eles.
1.° CASO
"A 14 de janeiro último, o senhor Lecomte, cultivador
na comuna de Brix, departamento de Volognes, foi visitado por um indivíduo que
se dizia um de seus antigos camaradas, com o qual tinha trabalhado no porto de
Cherburgo, e cuja morte remonta há dois anos e meio. A aparição tinha por fim
pedir a Lecomte que mandasse rezar uma missa. No dia 15 a aparição se renovou.
Menos espantado, Lecomte efectivamente reconheceu o antigo camarada. Mas, ainda
perturbado, não soube o que responder. O mesmo aconteceu a 17 e 18 de janeiro.
Só no dia 19 Lecomte lhe disse: já que desejas uma missa, onde queres que seja
rezada? E irás assistir? – Eu desejo respondeu o Espírito –
que a missa seja dita na capela de São Salvador, em oito dias. E eu ali
estarei. E acrescentou: Há muito tempo que eu não te via e era muito longe
para vir ver-te. Dito isto, retirou-se, apertando-lhe a
mão.
"O senhor Lecomte não faltou à promessa. No dia 27 a missa foi dita na capela
de São Salvador, e ele viu o seu antigo camarada, ajoelhado nos degraus
do altar, junto ao padre oficiante. Ninguém mais o tinha visto, embora
tivesse perguntado ao padre e aos assistentes se não o viram.
"Desde então, Lecomte não mais foi visitado e retomou
sua habitual tranquilidade."
Sobre o caso, Kardec faz a seguinte
observação: "Conforme esse relato, cuja autenticidade é garantida
por pessoa fidedigna, não se trata de simples visão, mas de uma aparição
tangível, pois que o defunto amigo de Lecomte lhe havia apertado a mão.
Os incrédulos dirão que foi uma alucinação. Mas, até ao presente, ainda
esperamos de sua parte uma explicação clara, lógica e verdadeiramente
científica dos estranhos fenómenos que designam por esse nome, com o único fim,
segundo nos parece, de recusarem qualquer solução".
2.° CASO
"O facto que segue, ocorrido recentemente em Paris,
parece pertencer a esta categoria.
"Uma pobre mulher estava na Igreja de São Roque e pedia
a Deus que a auxiliasse na sua aflição. À saída, na Rua Santo Honorato, encontra
um senhor que a aborda e lhe diz:
"– Minha boa senhora, ficaria contente se
arranjasse trabalho?
"– Ah! meu bom senhor, responde ela, peço a Deus que me
faça este favor, porque estou muito necessitada.
"– Então vá à rua tal, número tanto. Procure a
senhora T ... e ela lhe dará trabalho.
"Dito isto, continuou o seu caminho. A pobre mulher foi
sem demora ao endereço indicado.
"A senhora procurada lhe disse:
"– Com efeito, tenho um trabalho para mandar fazer. Mas
como não o disse a ninguém, não sei como pôde a senhora vir procurar-me.
"Então a pobre necessitada, avistando um retrato na
parede, respondeu:
"– Senhora, foi esse cavalheiro quem me mandou.
"– Este cavalheiro? retrucou espantada a senhora. Mas é
impossível! Este é o retrato de meu filho, falecido há três anos.
"– Não sei como pode ser isto; mas eu vos asseguro que
foi esse senhor que eu encontrei ao sair da igreja, onde tinha ido pedir auxílio
a Deus. Ele me abordou e foi ele mesmo quem me mandou."
Kardec entende que este caso é um exemplo patente do agénere
perfeito. E diz: "De acordo com o que acabamos de ver, nada existe de
surpreendente que o Espírito do filho daquela senhora, a fim de prestar um
serviço à pobre mulher, cuja prece por certo ouvira, lhe tenha aparecido sob
forma corpórea, para lhe indicar o endereço da própria mãe. Em que se
transformou depois? Sem dúvida no que era antes: um Espírito, a menos que
tivesse achado oportuno mostrar-se a outras pessoas sob a mesma aparência,
continuando o seu passeio. Aquela mulher teria, assim, encontrado um agénere com
o qual conversara".
Verifica-se, desde já, o seguinte: o agénere é – sempre – a
aparição de um Espírito com aspectos de tangibilidade. Pode ser tocado e, até,
passar por uma pessoa normal, encarnada.
Allan
Kardec, ainda na "Revista Espírita" de Fevereiro de 1859, no
início, portanto, dos estudos sobre o assunto, chega à seguinte conclusão:
" ... o agénere propriamente dito não revela a
sua natureza e aos nossos olhos não passa de um homem comum; a sua
aparição corpórea pode ter longa duração, conforme a necessidade, a fim de
estabelecer relações sociais com um ou vários indivíduos".
Não satisfeito, porém, com esses dados alcançados, Kardec busca melhores
informações junto do Espírito de São Luís. Vejamos
como se deu o diálogo, publicado na mesma Revista, tomando as suas partes mais
importantes, apenas.
O Codificador trazia, vivas, as impressões da aparição do
menino de Bayonne à sua irmã. Por isto, pergunta ao Espírito:
"– Que aconteceria se se apresentasse a um
desconhecido?
"– Tê-lo-iam tomado por uma criança comum.
Dir-vos-ei, entretanto, uma coisa: por vezes, existem na Terra Espíritos que
revestiram essa aparência e são tomados como homens.
"– Tais seres pertencem à categoria dos Espíritos
superiores ou inferiores?
"– Podem pertencer a uma ou outra. São casos
raros, de que há exemplo na Bíblia.
"– Raros ou não, basta a sua possibilidade para que
mereçam atenção. Que aconteceria se, tomando um tal ser por um homem comum, lhe
fizessem um ferimento mortal? Seria morto?
"– Desapareceria subitamente, como o jovem de
Londres (alusão a um caso anterior, publicado em 1858).
"– Se um tal ser se nos apresentasse, teríamos um meio
de o reconhecer?
"– Não – a não ser pelo desaparecimento
inesperado. ( ... )
"– Qual o objectivo que pode levar certos Espíritos a
tomar esse estado corporal, o mal ou o bem?
"– Muitas vezes, o mal; os bons Espíritos têm a
seu favor a inspiração: agem sobre a alma e pelo coração. Sabeis que as
manifestações físicas são produzidas por Espíritos inferiores; e elas são
numerosas. Entretanto, como disse, os bons Espíritos também podem tomar essa
aparência corporal, com um fim útil. Falei em tese.
"– Se tivéssemos entre nós um ser semelhante, seria um
bem ou um mal?
" Seria antes um mal. Aliás, não é possível
adquirir grandes conhecimentos com esses seres. Não vos podemos dizer
muita coisa. Tais factos são excessivamente raros e jamais têm um carácter
de permanência. Principalmente essas aparições corpóreas instantâneas, como a
de Bayonne."
Algumas afirmações de São Luís podem ser
destacadas. A primeira delas, quando diz que "existem na Terra
Espíritos que revestiram essa aparência e são tomados como homens".
Isso poderia deixar entrever a coexistência entre desencarnados, em corpos
fluídicos, e encarnados, os primeiros "tomados como homens" pelas
dificuldades de serem reconhecidos como sendo agéneres. Uma resposta dada, logo
a seguir, porém, fornece dados contrários a essa conclusão. É que, perguntado
sobre o que aconteceria se o agénere fosse ferido mortalmente, São Luís diz que
ele desapareceria de súbito. Isso importa em afirmar que o agénere é um
ser incapacitado a suportar certas vicissitudes da vida física, o que, por
sua vez, leva a concluir pela durabilidade exígua de seu corpo. E é
precisamente isso que São Luís afirma ao final do seu diálogo: "tais
factos são excessivamente raros e jamais têm um carácter de permanência".
Essa colocação, muito clara, desfaz a possível dúvida anterior. Quer dizer, a
aparição de um agénere constitui um facto raro e rápido. Embora o diálogo acima
transcrito não forneça maiores explicações sobre as causas da raridade e
rapidez de tais aparições, seria interessante conhecê-las. Procuraremos
descobri-las mais adiante.
/…
Wilson
Garcia, O Corpo Fluídico, Capítulo Primeiro – AGÉNERE OU
APARIÇÃO TANGÍVEL (1 de 2) 1º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Pintura de Josefina Robirosa)
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