terça-feira, 28 de outubro de 2014

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~

O movimento pancéltico (II)

Durante séculos os celtas ocuparam, no ocidente da Europa, a mesma situação. Repelidos do continente por grupos germânicos, e das Ilhas Britânicas pelas invasões anglo-saxónicas, eles tinham perdido a sua unidade, mas não a sua fé no futuro.

A Gália tornou-se a França, e não se falava mais a sua língua original, a não ser na Península Armoricana. Quanto às ilhas, os celtas se repartiram em quatro povos ou grupos diferentes, separados pelo braço de mar ou pelos grandes estuários, que são: a Irlanda, a Alta Escócia, o País de Gales e a Cornualha.

Que força moral, que vontade perseverante não foi preciso a essa raça céltica para manter a sua língua, as suas tradições, o seu próprio carácter! A história das perseguições sofridas pela Irlanda, durante dez séculos, é impressionante. O uso do idioma gaélico foi proibido e cada criança que pronunciasse uma única palavra, na escola, era castigada com cintadas.

E, no entanto, a Irlanda, por sua tenacidade, triunfou diante da opressão inglesa. Hoje, a Irlanda reconstituiu a sua língua primitiva. Ela é o único país onde os seus sotaques ressoam como língua oficial. Os celtas insulares e nós (os franceses) não temos o mesmo verbo, mas temos o mesmo pensamento; sem falarmos, nós nos compreendemos sempre.

Na Bretagne Francesa a perseguição foi mais moral e religiosa. Todos os emblemas do Druidismo, todos os nomes sagrados dos antigos celtas foram substituídos por símbolos católicos e por nomes de santos.

As menores lembranças do culto ancestral foram minuciosamente expurgadas. Nos tempos modernos, deve-se aos galeses o mérito de ter provocado o despertar da alma céltica, isto é, de ter dado impulso a uma corrente de opinião que, reaproximando as partes esparsas da raça, restabeleceu o contacto entre elas.

O movimento pancéltico, que tende a convergir para um fim comum os recursos e as forças dos cinco grupos célticos, nasceu no País de Gales no ano de 1850. Ele se desenvolveu rapidamente e as suas consequências prometem ser vastas e profundas.

Nos últimos cinquenta anos, apesar da 1ª Guerra Mundial, a situação dos celtas mudou bastante. A Irlanda reconquistou a sua independência; o Principado de Gales e a Ilha de Man possuem a sua plena autonomia; a Escócia trabalha eficazmente para realizar a sua; Bretagne Francesa é a única que ficou estacionária.

O primeiro objectivo a atingir era a salvaguarda das línguas célticas, garantia de raça inteira. A Irlanda conseguiu isso; os outros dialectos retomaram, também, força e vigor nos seus ambientes respectivos. Os professores que os ensinam são subvencionados pela Liga Céltica. Esta suscitou uma unidade de impulsão, inicialmente literária e artística, mas que depois se tornou, pouco a pouco, filosófica e religiosa.

Em 1570, uma assembleia solene, chamada “Eisteddfod”, foi presidida por William Herbert, Conde de Pembroke, o grande patrono da literatura galesa e o mesmo que fundou a célebre biblioteca de neogalês do castelo de Rhaglan, destruída mais tarde por Cromwell. Noutra reunião, realizada em Bowpyr, no ano de 1681, sob a direcção de Sir Richard Basset, os membros do congresso procederam a uma revisão completa dos antigos textos bárdicos Leis e Tríades.

As assembleias solenes são realizadas regularmente desde 1819. O “Gorsedd”, que as prepara, as organiza e assume a sua direcção, é uma instituição livre, recrutada em todas as classes da sociedade. Foi, no princípio, uma corte de justiça mantida pelos druidas. Apesar de eclipses temporários e de perseguições, essa instituição se manteve através dos séculos e é ainda ela, no momento actual, quem preside ao movimento geral pancéltico.

No século passado esse movimento aumentou e as assembleias solenes de Abergavenny, de Caer-Marthen, reuniam numerosos representantes das cinco grandes famílias célticas. Lamartine enviou a sua adesão sob a forma de um poema; eis a sua primeira estrofe:

E nós dizemos: Oh! filhos das mesmas plagas!
Nós somos uma parte do velho gládio vencedor;
Olhai para nossos olhos, cabelos e faces;
Vós nos reconhecereis pelo aspecto do coração?

Depois veio o Congresso de Saint-Brieuc, reunido pela convocação de Henri Martin, de H. de la Villemarqué e de um comité de celticos famosos. Outras delegações célticas atravessaram a Mancha para confraternizar com os bretões franceses.

Em compensação, o Congresso de Cardiff recebeu a visita de 21 dos nossos compatriotas. Em 1897, delegados galeses foram enviados a Dublin para participar da restauração do “Feiz-Céoil”. Na prefeitura de Dublin, sob a presidência do prefeito, Sir James Henderson, Lord Castletown, descendente de antigos reis celtas, aí disse estas palavras:

“A Liga Pancéltica, que tomou a iniciativa do Congresso, se propõe, unicamente, a reunir representantes celtas de todas as partes do mundo para manifestar a todos o seu desejo de preservar a sua nacionalidade e de cooperar para guardar e desenvolver os tesouros da língua, da literatura e da arte que lhes legaram os seus antepassados comuns.”

As associações célticas foram fundadas na França; o ensino superior incluiu a história e a literatura céltica. Cadeiras especiais foram criadas na Sorbonne, no Colégio de França, em 1870, em Rennes e em Poitiers.

Revue Celtique foi publicada em Paris, e não foi extinta até ao momento, estando sob a direcção principal de Gaidoz e de d’Arbois de Jubainville.

Após a publicação das obras célebres de Henri Martin, Jean Reynaud e A. Thierry, um marinheiro ilustre, o almirante Réveillère, pôde escrever:

“Está na ordem dos factos que os celtas, um dia ou outro, se agrupem conforme as suas afinidades e formem federações para defesa das suas fronteiras naturais e propagação dos seus princípios. É preciso que o Panceltismo se torne uma religião, uma fé... A obra de nossa época é dupla: primeiro, a renovação da fé cristã enxertada sobre a doutrina céltica da transmigração das almas, única doutrina capaz de satisfazer a inteligência pela crença no aperfeiçoamento indefinido da alma humana numa série de vidas sucessivas; segundo, a restauração da pátria céltica e a reunião num único corpo de seus membros, hoje separados.”

/…


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO I – Origem dos celtas, Guerra dos gauleses, Decadência e queda, Longa noite; o despertar, O movimento pancéltico, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: The Apotheosis of the French Heroes who Died for their Country During the War for Freedom_1802, pintura de Anne-Luis GIRODET-TRIOSON

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