segunda-feira, 20 de outubro de 2014

teremos que modificar o nosso conceito da morte?

Estudos Científicos das Experiências de Quase Morte


Várias foram as teorias propostas a respeito das EQM. Algumas afirmam que as experiências são motivadas por alterações fisiológicas no cérebro tais como a morte de células provocada por anoxia cerebral, e possivelmente também pela libertação de endorfinas, ou pelo recetor NDMA - ácido N-metyl-Daspástico (Blackmore, 1993). Outras teorias associam à aproximação da morte uma reação fisiológica (Appelby, 1989) ou uma combinação de tal reação com anoxia (Owens et al., 1990).

Mas até há pouco não havia estudos científicos prospetivos destinados a explicar a causa e o conteúdo das EQM, e os estudos que havia eram retrospetivos e muito seletivos quanto aos doentes. Nesses estudos podem decorrer 5 a 30 anos entre a ocorrência das experiências e a sua investigação, o que impede uma exata avaliação de fatores médicos e farmacológicos. Desejávamos saber se poderia haver explicações fisiológicas, farmacológicas, psicológicas ou demográficas para a verificação de experiências conscientes durante períodos de morte clínica.

Assim, em 1988, começámos um estudo prospetivo com 344 sobreviventes de paragens cardíacas em dez hospitais holandeses (Van Lommel e outros, 2001) com o propósito de investigar a frequência, a causa e o conteúdo das EQM. Estudámos enfermos que sobreviveram a paragens cardíacas, porque essa é uma situação médica de risco de vida que se encontra bem descrita, da qual acaba por resultar a morte devido a danos cerebrais irreversíveis, se não tiverem lugar – dentro dos 5 a 10 minutos iniciais – manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP). É a situação mais semelhante possível ao processo de morte.

A Definição de Morte Clínica

A definição de morte clínica foi usada para o período de inconsciência causado por anoxia cerebral devido à paragem respiratória e da circulação sanguínea que acontece durante a fibrilação ventricular de doentes com enfartes agudos do miocárdio.

As Experiências e os seus Resultados Estatísticos

Fizemos uma curta entrevista estandardizada com doentes suficientemente recuperados poucos dias após a ressuscitação, e perguntámos se se recordavam de algo durante o período de inconsciência. Nos casos em que eram referidas memórias, classificávamos as experiências de acordo com os referidos elementos constituintes da EQM. Quantos mais elementos fossem relatados, mais profunda tinha sido a mesma e mais elevada era a pontuação resultante.

Concluímos (Van Lommel e outros, 2001) que:

282 doentes (82%) não registaram recordações do período de paragem cardíaca e de perda da consciência;
62 doentes (18%) deram conta de recordações desse tempo de morte clínica (EQM);
Deste conjunto houve 41 doentes (12% do total) que registaram uma experiência profunda com 6 pontos ou mais e 21 (6%) que registaram uma experiência superficial.
Um grupo de 23 casos – 7%, fez relatos de experiências profundas ou muito profundas com 10 ou mais pontos na escala classificativa.
No nosso estudo cerca de 50% dos doentes com EQM/NDE relataram ter tido a noção de ter estado mortos, ou de terem tido emoções positivas;
cerca de 25% reportaram a experiência de ter estado “fora do corpo” (em inglês OBE – “Out of the Body Experience”);
30% narraram ter atravessado “um túnel”;
25% entraram em comunicação com “uma luz” ou visto “cores”;
cerca de 30% registaram ter contemplado uma “paisagem celestial”, tendo-se encontrado com parentes seus anteriormente falecidos;
13 % assistiram a uma “revisão de vida
e 8% referem ter sido detidos por “uma barreira” (NT – ao que se seguiu um regresso ao corpo).

O que é que poderá fazer a distinção entre a pequena percentagem de doentes que relatou uma EQM, e aqueles que nada relataram?

Concluímos com surpresa que nem a duração da paragem cardíaca, nem a extensão do período de perda da consciência, nem a necessidade de entubação em complicadas ressuscitações cardiopulmonares (RCP), nem a paragem cardíaca induzida em estimulação eletrofisiológica tinham tido qualquer influência na passagem por EQM.

Também não pudemos encontrar relações entre a frequência de EQM e a administração de drogas, o medo da morte antes da paragem cardíaca, o conhecimento prévio de EQM, o género, a religião ou nível de educação da pessoa.

EQM’s eram mais frequentemente relatadas por pessoas com menos de 60 anos, por doentes que tinham passado por mais de uma ressuscitação cardiopulmonar (RCP) durante a sua estadia hospitalar, e por pacientes que tinham tido EQM anterior.

Doentes com defeitos de memória induzidos por RCP prolongadas reportavam EQM com menos frequência. Uma boa memória de curto prazo parece ser essencial para recordar EQM’s.

Levámos a cabo (Van Lommel e outros, 2001), além disso, um estudo extenso com entrevistas gravadas com todos os últimos sobreviventes de EQM, 2 e 8 anos a seguir à paragem cardíaca, juntamente com dados comparativos de um grupo de controle, com sobreviventes de paragens cardíacas que não tinham relatado EQM.

O presente estudo estava concebido para determinar se a perda do medo da morte, a transformação da atitude perante a vida e a acentuação da sensibilidade intuitiva seriam resultado das EQM’s, ou apenas o resultado das paragens cardíacas.

Somente os doentes com EQM mostraram transformações da personalidade, e os efeitos transformadores de longa duração ocasionados por experiências que tinham durado apenas escassos minutos foram uma descoberta surpreendente e inesperada.

Tal como afirmado, foram várias as teorias propostas para explicar as EQM. Contudo, no nosso estudo prospetivo não pôde ser demonstrado que fatores psicológicos, farmacológicos e psicológicos fossem a causa das experiências após as paragens cardíacas. Com explicações puramente fisiológicas tais como anoxia cerebral, a maior parte dos doentes que estiveram clinicamente mortos relatariam EQM. Todos os doentes do nosso estudo tinham estado inconscientes devido à anoxia cerebral resultante da sua paragem cardíaca.

Contudo os processos neurofisiológicos devem desempenhar um certo papel nas EQM, porque experiências desse género podem ser induzidas mediante “estímulos” elétricos aplicados em certos locais do córtex de doentes com epilepsia (Penfield, 1958); com elevados níveis de dióxido de carbono (hipercapnia) (Meduna, 1950), em atenuada perfusão sanguínea cerebral resultante em hipoxia cerebral localizada, tal como nas rápidas acelerações de treino dos pilotos de caça (Whinnery and Whinnery, 1990), ou como em hiperventilação seguida pela manobra de Valsalva (Lempert e outros, 1994). Experiências do género da EQM/NDE também foram relatadas depois do uso de drogas como a cetamina (Jansen, 1996), LSD (grof e Halifax, 1977) ou cogumelos (Schröter-Kunhardt, 1999).

Estas experiências induzidas podem resultar em períodos de perda de consciência, mas também podem consistir na perceção de sons, luz, clarões ou recordações passadas.

Tais recordações contudo, são memórias casuais e fragmentadas ao contrário da “revisão de vida” que tem lugar durante a EQM.

Ocasionalmente também podem ocorrer “experiências fora do corpo” durante certas experiências induzidas. Contudo, os processos de transformação da personalidade raramente podem ser experimentados depois de experiências induzidas.

As experiências induzidas não podem, pois, ser idênticas a EQM’s.

Uma outra teoria sustenta que a EQM poderia ser um estado de transformação da consciência (transcendência, ou teoria da continuidade) no qual memórias, identidade, cognição com emoção, funcionam independentemente do corpo inconsciente, retendo a possibilidade da perceção não-sensória.

Obviamente, durante a EQM está disponível um grau mais acentuado das perceções conscientes, diferente daquele que é normal durante o funcionamento corpóreo em estado de vigília.

Em três estudos prospetivos com idêntica finalidade, aproximadamente a mesma percentagem de EQM foram registados:

18% dos 344 sobreviventes dinamarqueses de paragem cardíaca relataram EQM (Van Lommel e outros, 2001);
15,5% dos 116 sobreviventes americanos de paragem cardíaca relataram, EQM (Greyson, 2003)
e 11% de 63 sobreviventes britânicos de paragem cardíaca relataram EQM (Parnia e outros, 2001).

Apenas no nosso estudo holandês pôde ser estudada a relação estatística entre possíveis fatores que podem influenciar a ocorrência de EQM. Greyson (2003) escreveu no seu comentário que nenhum modelo fisiológico ou psicológico poderia explicar por si só todas as características comuns das EQM.

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Dr. Pim van LommelAs Experiências de Quase-Morte, A Consciência e o Cérebro, Estudos Científicos das Experiências de Quase Morte, A Definição de Morte Clínica, As Experiências e os seus Resultados Estatísticos (2º fragmento) tradução para a língua portuguesa de palavra luz depois de autorizada pelo autor.
(imagem de contextualização: O Hospital Rijnstate, em Arnhem – Holanda)

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