CAPÍTULO I
~~ fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida
e da história ~
Que somos?
(VIII)
As localizações cerebrais não são senão centros que têm
ramificações e pontos de contacto em todo o sistema nervoso, sobre os quais, no
estado normal, age o espírito, podendo deles prescindir em casos como os que
relatamos e em outros mais extraordinários e difíceis de explicar dentro do
estreito limite da psicofisiologia, como os fenómenos metapsíquicos,
anímicos e espíritas.
As mesmas percepções podem chegar à alma por diferentes vias
nervosas, ainda que produzidas por sensações diversas. As sensações
tácteis dão ao cego e também ao que não o seja, idênticas percepções
de forma e tamanho e até de significado como as percepções visuais e, a vista
pode suprir o tacto. As sensações olfactivas estão tão
intimamente ligadas às do gosto que em muitíssimos casos podem supri-las; o
ouvido é um grande auxiliar da vista e pode informar à alma percepções
análogas. A alma é una e indivisível e talvez não esteja longe o dia em que se
possa, por exemplo, manusear as cores e ver os sons, como auxiliares dos órgãos
de percepção. E esses mesmos órgãos podem ser, em casos anormais, alterados e o
sujeito perceber por vias diferentes, como nos casos de transposição
dos sentidos, estudados por Lombroso, Petetin e
outros.
O primeiro destes sábios narra o facto de uma jovem de 14
anos de idade, filha de um dos homens mais inteligentes da Itália e de mãe sã e
robusta, que ao chegar à puberdade sofreu tantos transtornos orgânicos,
seguidos de convulsões histéricas, de hiperestesia e
de transposição dos sentidos, que ele (Lombroso) foi chamado a
assisti-la: enquanto perdia a visão dos olhos, via com o mesmo grau
de agudeza com a ponta do nariz e com o lóbulo da orelha esquerda. Igual
transposição se havia operado com o olfacto: “o amoníaco, a assa-fétida (i) não
lhe produziam no nariz a mais leve reacção, enquanto que outra substância
ligeiramente odorífica posta sob o queixo provocava-lhe uma impressão viva e
uma mímica característica”... Mais tarde, o olfacto se transportou para o
calcanhar e então, quando o odor lhe desagradava, movia a perna da direita para
a esquerda e quando lhe era agradável ficava quieta, sorria e respirava com
frequência. Em tais condições teve mais tarde fenómenos de
lucidez profética: prognosticava com assombrosa exactidão, às vezes com 15
dias ou mais de antecedência, o dia e a hora em que lhe sobreviria o acesso
histérico e indicava o metal que o faria cessar e que era insubstituível. Viu
de seu leito e a um quilómetro de distância o seu irmão no teatro e predisse a
este e a seu pai factos que aconteceriam (e que se verificaram) dois anos
depois.
Relacionados com estes factos estão os fenómenos
psicométricos e alguns de clarividência (em estado
normal ou sonambúlico) em que certos sujeitos sensitivos
percebem, vêem, a grandes distâncias e fora das condições visuais
ordinárias, mediante o contacto de um objecto com os dedos da mão ou
colocando aquele em certas zonas do corpo chamadas hipnógenas,
factos ou acontecimentos presentes, passados ou futuros; como igualmente os
casos de transmissão de pensamento tomando como meio a mão do transmissor e a
do sujeito receptor, fenómeno que temos efectuado centenas de vezes e cujos
resultados descartam a hipótese da influência física do operador. Nestes,
como nos fenómenos análogos de transposição dos sentidos, não são os
olhos que vêem ou, mais exactamente, não se vê por mediação dos olhos
e; tais fenómenos contribuem, por si mesmos, para confirmar a tese
espiritualista da unidade psíquica, sinestésica, unissensível e
uniperceptível que, mesmo nas condições psicofisiológicas normais,
possui diferentes formas de percepção, de acordo com a organização sensorial. Em
estados supranormais ou mediante faculdades psico-sensitivas excepcionais podem
transformar-se umas percepções em outras ou ter o espírito uma percepção
psíquica directa, capaz de reduzir os diversos modos de percepção
psico-orgânica à unidade perceptiva e perceber factos e acontecimentos que
escapam à percepção ordinária.
Referindo-se a esta classe de fenómenos, disse o eminente
psicólogo Frederic
Myers:
“Poder-se-ia perguntar até que ponto os órgãos
terminais especializados participam dessa actividade perceptiva
exagerada e a resposta a esta pergunta nos permitiria elucidar o fenómeno,
conhecido sob o nome de transposição dos sentidos e que ocupa o termo médio
entre a hiperestesia e a telestesia ou clarividência.
Já se sabe em que consiste esse fenómeno: é, por assim dizer, a substituição
de um órgão dos sentidos por outro, como, por exemplo, a visão que sentem
por meio da extremidade dos dedos.
“Por acaso se trata de uma verdadeira sugestão e um órgão é
realmente capaz de assumir uma função que não lhe pertence e que é atribuição
de outro órgão definido e especializado para esta função? Eu não creio. Segundo
o meu sentir, a extremidade dos dedos não constitui, de maneira alguma,
nos casos de que se trata, um órgão da visão, como as zonas chamadas hipnógenas
não constituem órgãos destinados a transmitir a sugestão hipnótica. Mas aqui
trata-se de um estado de telestesia que não implica necessariamente a percepção
pelo organismo corporal; unicamente, o espírito que percebe deste modo
supranormal se encontra sob a impressão de que percebe através de
tal ou qual órgão corporal.”
E acrescenta:
“Cada sentido especial é ao mesmo tempo um sentido
interno e um sentido externo; implica no trajecto cerebral de uma capacidade
desconhecida e em órgãos terminais cuja capacidade se presta mais à mensuração.
A relação entre a visão interna, mental, como a percepção psicológica
não-sensorial, por sua parte, com a visão ocular, por outro, constitui
precisamente um dos pontos cujo exame profundo parece necessário.” (ii)
Por seu lado, diz o célebre antropólogo italiano Cesare Lombroso:
“A verdade é que não se pode dar uma explicação
científica (isto é, dentro da psicologia empírica) destes factos, que entram no
limiar daquele mundo que todavia deve chamar-se oculto, porque não foi
explicado.”
Mas acrescenta em nota à parte:
“Agora, com as noções acerca do duplo, pode-se
pretender uma explicação!” (iii)
Esse duplo – chamado corpo astral
pelos vedas, teósofos e ocultistas e, perispírito pelos
espíritas – que em princípio se considerou mera afirmação religiosa, mais
tarde como uma hipótese racional, para explicar certos fenómenos
psíquicos, é hoje uma verdade positiva, demonstrada experimentalmente
pela verdadeira ciência da alma e que o Espiritismo oferece como um meio de
explicação dos fenómenos metapsíquicos, da
possibilidade da percepção sem órgãos materiais e das relações do mundo da matéria
e o mundo do espírito.
/...
(i) Planta de cheiro nauseante. (N.T.)
(ii) A Personalidade Humana, págs. 146 e 163.
(iii) Hipnotismo e Espiritismo, pág. 16.
Manuel
S. Porteiro, Espiritismo Dialéctico, CAPÍTULO I Fundamentos
científicos da concepção neo-espírita da vida e da história – Que somos? (VIII),
8º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Personajes, Pintura
de Josefina
Robirosa)
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