O movimento
pancéltico ~
Durante a longa
noite da Idade Média, o ideal céltico aparentemente foi
esquecido, mas ele subsistiu e adormeceu na consciência popular.
Os druidas e os bardos, expulsos da terra das Gálias, foram
para a ilha da Bretanha.
Na França, os nobres e os senhores foram divididos em
partidos rivais e se desgastaram em lutas internas. O povo pobre das cidades e
dos campos foi entregue a uma pesada tarefa, absorvidos pelas preocupações
materiais, sofrendo fome e miséria.
O Cristianismo,
tendo penetrado na Gália, suavizou até certo ponto esses males. Ele representou
benefício e progresso; a religião de Jesus se adaptou bem à
fraqueza humana. Se a lei do amor e do sacrifício, que ela trazia, tivesse
achado a sua aplicação, podia ser suficiente para a salvação das almas e para a
redenção da humanidade.
Com a finalidade de aperfeiçoamento moral, a
religião cristã reprimia a vontade, a paixão, o desejo, tudo o que constitui
o “eu”, o centro da personalidade. A doutrina céltica, pelo
contrário, aplicava-se em dar ao ser todo o seu poder de
irradiação, inspirando-se nessa lei de evolução que não tem limite, na qual a
ascensão da alma é infinita. A alma cristã aspira ao repouso, à bem-aventurança
no seio de Deus, mas a alma céltica se interessa em desenvolver os seus poderes
íntimos a fim de participar, numa medida crescente, de círculos em círculos, da
vida e da obra universal.
A alma cristã é mais amante, a alma céltica é
mais viril. Uma procura ganhar o céu pela prática das virtudes,
pela abnegação e pela renúncia; a outra quer conquistar o “Gwynfyd”, colocando
em acção as forças que adormecem nela. Mas ambas têm sede do infinito, da
eternidade, do absoluto. A alma céltica acrescenta o sentido do invisível, a
certeza do além e o culto fervoroso da Natureza.
Essas duas almas, porém, muitas vezes coexistem, ou melhor,
se superpõem nos mesmos seres. É o caso para muitos de nossos compatriotas;
entre eles essas duas almas ainda se ignoram, mas se fundirão um dia.
Será preciso lembrar que a doutrina de Cristo perdeu, em vários
pontos, o seu sentido primitivo? A França se achou ante um ensino teológico que
tinha restringido todas as coisas, reduzindo as proporções da vida a uma única
existência terrestre, muito desigual, conforme os indivíduos, para os fixar em
seguida numa imobilidade eterna. As perspectivas do inferno
tornaram a morte mais temível. Elas fizeram de Deus um juiz cruel que, tendo
criado um homem imperfeito, o punia por essa imperfeição sem reparação
possível. E daí o progresso do ateísmo, do materialismo, que com o tempo
fizeram da França uma nação em maioria céltica, desprovida de força
moral, dessa fé robusta e esclarecida que torna o dever fácil, a prova
suportável, e atribui à vida um fim prático de evolução e de aperfeiçoamento.
O jugo feudal e teocrático durante longo tempo pesou sobre a
França; depois, chegou a hora em que ela retomou a sua liberdade de pensar e de
crer. Então, desejou-se passar pelo crivo toda a obra dos séculos e, sem
verificar o que era bom e belo, sob pretexto da
crítica e da análise, foi realizado um trabalho ferrenho de desagregação. Num
dado momento, nada mais se via no domínio do pensamento, a não ser escombros;
do que havia feito a grandeza do passado nada ficou de pé, e somente sobrou a
poeira das ideias.
Escritores de mérito e pensadores conscienciosos muito se
aplicaram, nas suas obras, para fazer ressaltar o valor e o prestígio do
Druidismo, mas o fruto dos seus trabalhos não penetrou nas camadas profundas da
nação. Até tivemos o assombro de ver universitários, membros distintos do
ensino, alinharem-se com os teólogos para denegrir, desfigurar as crenças dos
nossos antepassados. O trabalho secular de destruição foi tão completo, a noite
foi tão profunda sobre as suas concepções, que raros se tornaram aqueles que
dele ainda experimentavam a potência e a beleza.
Ficar desprovida de noções precisas sobre a vida e sobre a
morte, em conformidade com as leis da Natureza e as intuições profundas da
consciência, seria uma grande causa de fraqueza e, portanto, uma infelicidade
para a França. Durante séculos ela esqueceu as suas tradições nacionais, perdeu
de vista o génio da sua raça, como também as revelações dadas aos seus
antepassados para dirigir a sua escalada para um fim elevado.
Essa revelação afirmava que o princípio da vida no homem é
indestrutível, que as forças, as energias que se agitam em nós não podem ser
condenadas à inacção, que a personalidade humana é chamada a se desenvolver,
através do tempo e do espaço, para adquirir as qualidades, as potências novas
que lhe permitirão desempenhar um papel sempre mais importante no Universo.
Eis que esta revelação se repete, renova-se. Como nos tempos
célticos, o mundo invisível intervém. Há cerca de um século, a voz dos
espíritos é ouvida em todos os lugares da Terra. Ela demonstra que, de um modo
geral, os nossos pais não se enganaram. As suas crenças estão confirmadas pelos
ensinos de além-túmulo em tudo que se relaciona com a vida futura, a evolução,
a justiça divina, noutras palavras, pelo conjunto das regras e das leis que
regem a vida universal.
Graças a essa luz, o infinito está aberto para nós até às
suas profundezas íntimas. Em vez de um paraíso beato e de
um inferno ridículo, entrevimos o imenso séquito dos mundos, que
são as estações que a alma percorre na sua longa peregrinação, na sua ascensão
para Deus, construindo e possuindo em si mesma a sua felicidade e a sua
grandeza pelos méritos adquiridos.
Em lugar da fantasia ou do arbítrio, em toda a parte
desponta a ordem, a sabedoria e a harmonia.
Para as gerações que se erguem e procuram um ideal
susceptível de substituir as pesadas teorias escolásticas, afirmamos: examinai
connosco essas duas fontes, que formam uma só, confundindo-se na sua
identidade; examinai as fontes puras onde os nossos ancestrais temperaram os
seus pensamentos e a sua alma. Ali obtereis a força moral, as qualidades viris
e o ideal elevado, sem os quais a França seria entregue a uma decadência
irremediável, à ruína e à morte!
/...
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO I – Origem dos celtas. Guerra dos
gauleses. Decadência e queda. Longa noite; o despertar. O movimento pancéltico. 4º fragmento da obra.
(imagem de
contextualização: The Apotheosis of the French Heroes who Died for
their Country During the War for Freedom_1802, pintura de Anne-Luis
GIRODET-TRIOSON)
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