sábado, 13 de janeiro de 2024

apóstolos de verdade ~


Música, uma necessidade pedagógica |

A música está em desuso no mundo actual, pois o que se ouve em geral é um arremedo de música, imposto pela mídia, mercadejado por gravadoras que desejam lucro fácil e rápido. O povo está deseducado para o ouvir. Sertanojo, funk, pagodão e outros excrementos poluem aos ouvidos. A maioria dos jovens desconhece que somos a terra de Caymmi e Tom JobimMozart e Beethoven, nem pensar. A não ser que alguma canção daqueles (como foi Pela luz dos olhos teus de Jobim) vire tema de novela da globo. Então, salva-se algo da ignorância e do esquecimento.

Entretanto, a música não é um apetrecho postiço na vida humana, é respiro vital da alma, é canal de expressão de sentimento e sensibilidade, sem o qual o espírito se embota e perde em altura cultural e espiritual. A música é patrimônio de um povo, da humanidade toda e precisa ser passada, reconhecida, cultivada para as novas gerações, sob pena de regressarmos à barbárie.

Mas é preciso saber apreciar o que é bom, o que tem complexidade harmônica, ritmo rico, poesia bem feita… e só se pode aprender isso através da educação. Por isso é inconcebível uma escola sem música.

Assim, é digno de celebração o fato de que a partir desse ano de 2011, as escolas públicas brasileiras estão obrigadas a inserir a música em seu currículo, pela lei nº 11.769, de 2008, sancionada pelo presidente Lula (eis uma coisa bem feita por ele).

A música deveria entrar pela porta da frente da escola e ocupar um lugar de destaque e não ser entendida como um detalhe postiço do currículo.

Como acreditamos numa educação interdisciplinar, que mexa simultaneamente com todas as áreas do conhecimento, toque ao mesmo tempo todos os sentidos e desperte o interesse de crianças com diferentes tipos de inteligência e vocação – a música ocupa aí um lugar central, pois ela pode ser o ponto de partida e o ponto de chegada de um bom projeto interdisciplinar.

A música pode ser o eixo de congregação e intercâmbio de toda a escola, em corais, recitais, concertos, bailados… mas não essa coisa morna de dançazinhas ensaiadas e comandadas por professoras de má vontade, para pais e mães tirarem fotinhos (como são as festas juninas, as festas das nações e que tais!). É preciso professores que tenham cultura musical, que saibam quem é Pixinguinha e Louis ArmstrongBach e Villa-Lobos. Que saibam como levar isso para as crianças, mostrando um trecho da Flauta Mágica de Mozart, um Singing in the Rain com Gene Kelly ou o velho Caymmi cantando Minha Jangada vai sair pro mar. Há métodos próprios para introduzir as crianças no que é bom e belo. Deve ser feito em doses homeopáticas, com as canções mais acessíveis. Não devemos começar a mostrar o que é ópera com um Richard Wagner ou introduzir música orquestral com uma peça atonal. Mas também não se deve vulgarizar e mostrar clássicos com ritmo de rock ou a  Rainha da Noite com Edson Cordeiro.

Sensibilidade, sutileza, sensatez e bom gosto – eis o que é desejável, para que a criança entre no mundo da boa música, com gosto e prazer, e queira mais. O objetivo dessa introdução da música na escola não é que todos saiam músicos (embora é bom que se descubram e se incentivem os talentos), mas que todos se tornem apreciadores da música, sensíveis, cultos e com isso dilatem a alma, sejam mais criativos e tenham um recanto de canto onde repousar.

Em outros países do mundo, na Europa e nos Estados Unidos, há uma cultura de se cantar em conjunto. Quase todo mundo na vida já participou de algum coral e quando se juntam amigos e famílias, canta-se e canta-se afinado. Isso faz bem ao espírito. Apesar de sermos um povo tão criativo e musical, perdemos essa dimensão, acachapados pela incultura da televisão, que não só tirou das famílias a conversa, mas também a música. Desliguemos a rede Globo e ouçamos música em casa. Cumpramos a lei e coloquemos música na escola e vai haver uma melhora geral na inteligência, na cultura, uma queda de violência e uma elevação dos espíritos.

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Abaixo um exemplo de algo delicado: uma Lied de Mozart, para crianças, de que fiz uma versão para o português. (Lied significa canção em alemão; é um gênero musical erudito geralmente para voz e piano, feito com poemas tirados da literatura, onde canto e instrumento interagem de maneira rica. O piano não é mero acompanhamento da voz, mas entretece a música junto com a linha melódica feita pela canto.)




SAUDADES DA PRIMAVERA

Vem logo, primavera

e traz um novo frescor!

E faz brotar na terra

perfumes, cores e flor!

Eu quero olhar de mansinho

miosótis e manacás

e ver pelo caminho

a relva bordada de paz!

Verdade é que na terra

em que por bem eu nasci

eterna primavera

vigora e brilha aqui!

Mas quando foge o inverno

Assopram ares tão bons!

Setembro amigo e terno

traz novas nuanças e tons!




Música: Wolfgang Amadeus Mozart • Versão para o português: Dora Incontri • Arranjo: Luciano Vazzoler & Moacyr Camargo• Voz: Dora Incontri • Piano: Luciano Vazzoler • Vozes das crianças: Beatriz Gross Barboza, Julia Fidelis Oriola, Letícia Barbosa Magalhães,  Luísa Carvalho Grossi de Almeida e Paola de Angelis • Regente do coro infantil: Bia de Luca

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Dora IncontriMúsica, uma necessidade pedagógica, publicado no seu blogue – Dora Incontri | Educação, cultura, arte e espiritualidade / 13 de junho de 2011, primeiro fragmento.
(imagem de contextualização: São Luís com a coroa de espinhos, lápis e giz de Alexandre Cabanel)
(música em: Saudades da PrimaveraLied de Mozart, versão e cointerpretação de Dora Incontri)

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