quinta-feira, 25 de junho de 2020

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


Introdução
(II)

Os sábios, que são tão humanos quanto cientistas, reagiram individual e diversamente contra tal tendência para o supranormal, que se poderia chamar justamente de milagroso. Alguns vão até ao desprezo e à condenação dessas experiências, que estão fora da verdadeira ciência; outros as aceitam humildemente, como herança da humanidade, sem as procurar pesquisar ou compreender. A maioria, porém, considerando de forma respeitosa e mesmo compassiva a conduta das pessoas religiosas, é de opinião que essas coisas nada têm a ver com as suas ocupações profissionais e intelectuais e, sem positivamente as negar, por elas não se interessam. O grupo extremo dos cientistas, que pretendem ser filósofos, olhando a vida sob o ponto de vista materialista ou sensualista, não tem eloquência, nem entusiasmo, tendendo para o dogmatismo, a fim de consolidar a sua filosofia robusta, porém algo árida.

Tais homens se vangloriam da sua emancipação da tradição religiosa e convidam os outros a compartilharem dessa audaciosa rejeição das fontes do consolo humano, mostrando uma calma estóica no meio do que, para os demais, pareceria a ruína e a desolação. Citarei, para exemplo, um extracto do ensaio de Bertrand Russell, membro da Royal Society, intitulado A Free Man’s Worship (O culto de um homem livre), e numerosas profissões de fé, menos eloquentes, de outros escritores, poderiam ser citadas, mas diriam a mesma coisa que este extracto:

“Que o homem é produto de causas sem nenhuma previsão do fim que buscam; que a sua origem, o seu desenvolvimento, as suas esperanças e os seus medos, as suas afeições e crenças são apenas o resultado do aglomerado fortuito de átomos; que nenhum entusiasmo, nenhum heroísmo, nenhuma intensidade de pensamento ou sentimento podem conservar a vida individual além-túmulo; que os trabalhos de todas as idades, a devoção, a inspiração, o brilho resplendente do génio humano estão votados à extinção com o desaparecimento grandioso do sistema solar e que o templo inteiro das obras humanas deve ficar infalivelmente soterrado sob os destroços de um universo em ruínas – todas essas coisas, se não são indiscutíveis, são quase tão certas que uma filosofia que as repila não se poderá sustentar. Só com o alicerce dessas verdades e sobre a sólida base de um desespero intransigente será doravante possível construir, com toda a segurança, a habitação da alma humana.”

Esse conselho de desespero final está impregnado de uma convicção quase triunfal. Talvez seja um cântico guerreiro destinado a sustentar a moral dos combatentes. Não está ele afastado dessa triste contemplação da sorte dos seres humanos pela qual os poetas da Antiguidade se mostravam às vezes cheios de aflição? Alfred Tennyson assim apostrofa a Virgílio:

Tu, que vês toda a Natureza Universal movida pelo Espírito Universal,
Tu, majestoso na tua tristeza pelo destino duvidoso da Espécie Humana.

No agnosticismo (i) hodierno, essa triste asserção foi substituída por um sentimento que se assemelha mais à exaltação do facto de que o destino não é aparentemente duvidoso. Se isto fosse verdade, não poderíamos deixar de admirar esse estoicismo, espantando-nos por ver tanta energia dispensada ao serviço de uma raça votada ao desaparecimento. A única razão que me leva à discussão de tal filosofia e de tal ética é que, por mais admirável que seja em si mesma, creio firmemente que, no fundo, é cientificamente falsa.

O agnosticismo do século XIX esquecia-se às vezes de ser simplesmente ateu e, assim como o professor W. K. Clifford, se comprazia na negação exuberante de toda a existência espiritual ou supra-sensorial. Essa fé negativa é hoje compartilhada por grande número de pessoas, inclusive a clientela desse infalível e pouco modesto periódico The Freethinker (O Livre Pensador). Tais pessoas muito se regozijam do que consideram como a sua liberdade de pensamento, que não é mais do que um ponto de vista limitado:

“O Universo é composto de éter e de átomos e nele não há lugar para espíritos.”

Negações especulativas dessa espécie deveriam ser confirmadas por conhecimentos mais extensos e aceites com o veredicto da Ciência, mas no decurso destes últimos anos, vários daqueles que haviam consagrado as suas vidas aos estudos científicos fixaram a sua atenção sobre certos fenómenos bizarros e pouco comuns, fenómenos que muitas pessoas consideram como a demonstração da existência de um mundo invisível e supranormal, e provavelmente espiritual, um mundo de realidades individuais e imateriais, na expressão de Frederic Myers.

Após detido estudo desses fenómenos, alguns chegaram à conclusão, não sem vivo sentimento da sua responsabilidade, de que a explicação mais fácil que se pode dar deles se encontra na hipótese de que a nossa existência não é apenas limitada à Terra e às coisas terrestres, como supomos, e que estamos em relação e em contacto com uma outra espécie de vida. Assim, a nossa atitude para com tais fenómenos, mesmo de ordem mental, deverá modificar-se e tornar-se cósmica e universal. Dito de outra maneira, os fenómenos não podem ser explicados se os limitarmos a experiências ordinárias e normais da vida terrestre.

Uma segunda revolução de Copérnico está assim em curso: a Terra, inclusive os outros planetas que se lhe assemelham, não é a única morada da inteligência. Começo, com efeito, a pensar, não como consequência de intuições religiosas, mas na razão de indicações, ainda um pouco obscuras, numa ciência nascente, mais vasta, em que a inteligência não é limitada às superfícies das massas planetárias, mas que penetra e domina o Espaço. Ela está activa em toda a parte, não está ausente em parte nenhuma. Parece-me possível e mesmo provável que a essência da vida e da inteligência deve habitar o éter; todavia, se tem necessidade de um veículo físico, ela só se encarna na matéria excepcional e temporariamente quando as circunstâncias são favoráveis e se verificam delicadas e excepcionais condições.

Assim, parece que a vida encarnada (i), tal como a conhecemos, tem necessidade da substância complexa a que chamamos protoplasma, à guisa de morada. Essa aglomeração molecular complexa não se pode formar senão a uma temperatura bastante baixa. O mesmo se dá com certos átomos de que ela se compõe. Ora, sabemos nós que a maior parte da matéria que compõe o Universo está a uma temperatura muito elevada e mesmo incandescente. Entre as massas que se encontram bastante arrefecidas, muitas são bem pequenas para reter uma atmosfera. É inteiramente excepcional que um corpo celeste tenha uma massa bastante importante para reter, pela gravidade, gases na sua superfície, sem ser bastante volumosa para aí conservar ou desenvolver muito calor. Para conservar a vida, um planeta não deve ter uma temperatura muito baixa, que solidificaria a água, nem muito elevada, o que lhe valeria a evaporação. A fim de que a água possa existir em estado líquido e que o protoplasma viva, é preciso exactamente a escala das temperaturas que se encontra na atmosfera terrestre.

A vida na Terra encontra-se distinta e evidentemente associada à matéria, em toda a parte que isso seja possível. Nos seres superiores a vida expande-se em inteligência. Assim, de um modo curioso, e apesar de tudo bastante natural, chegamos à conclusão de que a vida e o espírito não podem coexistir senão associados à matéria, e quando o veículo da vida fica gasto e é abandonado, somos levados a crer que a vida e a inteligência, emancipados, desapareceram, para sempre, da existência.

O que surpreende não é que sobrevivam às suas encarnações materiais, mas que não tenham nunca podido se encarnar pouco que seja. Sou levado a admitir a verdade provável, tanto quanto posso saber, de que a união da vida e do espírito com a matéria é uma coisa excepcional. Creio que tal associação é mais perfeita na região cósmica e interplanetária, quase ignorada ainda hoje pelas ciências ortodoxas, tanto biológicas como fisiológicas. Admito que um veículo qualquer seja praticamente necessário para o exercício da inteligência, mas não suponho que o corpo seja unicamente composto da reunião de cargas eléctricas positivas e negativas a que chamamos comummente “matéria”. Isso me parece uma suposição gratuita e mal fundada, assim como muitas outras suposições que teorias científicas recentes (especialmente as pretensas doutrinas da Relatividade) nos levaram a rejeitar.

Posso imaginar uma outra estrutura composta de éter, tão sólida e substancial quanto a matéria ordinária, mas com a diferença de que ela ultrapassa o limite dos nossos actuais sentidos corporais e que não está sujeita à intervenção muscular directa. As partículas que compõem um bloco material são mantidas juntas por forças de coesão, de afinidades químicas e gravitação e essas forças imateriais ou tensões são cada vez mais conhecidas como funções do éter do Espaço. O corpo material, que vemos e tocamos, não é nunca o corpo inteiro; ele deve possuir uma contraparte para manter a sua entidade e eu penso que, no caso dos seres vivos, é a contraparte etérica que é verdadeiramente animada. Na minha opinião, a vida e o espírito não estão nunca directamente associados à matéria e não podem agir senão indirectamente através das suas conexões com um veículo etérico que é o seu real instrumento, um corpo etérico, que, por sua inter-reacção, é capaz de influenciar a matéria.

As partículas materiais, reunidas pelo corpo etérico, sofrem uma modificação contínua, a sua natureza é fortuita e temporária; são às vezes desagradáveis e mal dispostas, finalmente, o corpo material deteriora-se. A matéria tem numerosas imperfeições, porém o éter jamais deu algum sinal de imperfeição. É absolutamente transparente e não deixa nenhuma energia escapar-se; toda a estrutura composta de éter é, segundo toda a probabilidade, permanente. Possuímos um corpo etérico independente de todo o acidente que possa acontecer ao conjunto da matéria associada, e continuamos a possuir sempre esse corpo etérico depois do desaparecimento do nosso corpo material. A única objecção a esta realidade reside no facto de que nada existe, de natureza etérica, susceptível de impressionar os nossos sentidos actuais. Tudo o que pertence ao éter (mesmo na ciência física) deve ser conhecido por deduções. A observação directa parece sem esperança. Pode suceder que vivamos num corpo etérico permanente e invulnerável, do qual não conhecemos absolutamente nada, porque ele penetra todo o conjunto das partículas do corpo material, que estão perpétuamente em vibração, activando constantemente os nossos nervos e atraindo toda a nossa atenção.

Tal é, de forma sumária, a conclusão a que lentamente cheguei. Fica por indicar, de maneira geral, a base da experimentação sobre a qual ela repousa e tudo o que ela implica. Não posso empenhar-me aqui na discussão dos argumentos actuais relativos ao éter e da sua necessidade filosófica para a compreensão de todos os fenómenos tratados de uma forma abstracta, mas procurarei resumir a posição geral que a observação dos factos me levou a tomar. Tratarei, a seguir, dos factos, tais como me são conhecidos. Um método, que consiste em citar as deduções, antes de mencionar os factos sobre os quais elas repousam, parecerá talvez um método algo paradoxal, mas uma hipótese de trabalho que serve sempre de auxílio. Assemelha-se a um fio ao qual se pode enfiar uma pérola. Sem uma pista, batemos o campo, perdidos num labirinto, sem meios para nos orientar. Se uma hipótese não estiver em harmonia com a verdade, deverá ser ela modificada ou abandonada e assim avança por si, porém, se esperarmos, ela nos poderá ser útil e a melhor maneira de se lhe verificar os pontos fracos é submetê-la à prova.

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"Mais do que verdadeiramente grande cientista e engenheiro, Sir Oliver Lodge era um sensitivo que sabia ser seu dever de cientista; ser verdadeiro para o mundo espiritual em primeiro lugar, uma vez que era a fonte de toda a inspiração, toda a vida e toda a realidade. (in AETHERFORCE, Open Source Living Science). Nota em apêndice desta publicação.


Oliver LodgePor que creio na imortalidade da Alma, Introdução, Capítulo I Visão cósmica da vida e do Espírito (II de II), 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sir Oliver Joseph Lodge, com alguns dos seus inventos)

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