As sete proposições
Tomemos as proposições do fim do capítulo anterior e
procedamos à sua apreciação.
(1)
Primeira proposição: O espírito pode agir
independentemente dos órgãos corporais. Fiquei certo disso desde 1883
em razão dos casos de telepatia experimental que Sir William Barrett já assinalara num relatório dirigido
à British Association em 1876.
A telepatia experimental, como já se sabe, é a transmissão
de uma ideia, imagem ou sensação de um espírito encarnado a outro na mesma
condição, sem necessidade dos órgãos materiais. Ela requer a participação de
duas pessoas: o agente transmissor e o receptor. O receptor, ou o que recebe a
transmissão, é posto ao abrigo de todas as sensações, ao passo que o
transmissor pensa em algo, fixa um objecto ou, de uma forma qualquer, procura
fixar no seu espírito o que deseja transmitir mentalmente. Já se verificou que,
em certas condições bem definidas, algumas pessoas possuíam faculdade
receptora, de modo que, após breve intervalo de silêncio, estavam aptas a
perceber a ideia e mesmo a fazer um desenho, sem auxílio da visão, da audição
ou do tacto.
Esse facto, cuidadosamente estabelecido por numerosos
observadores, serviu para explicar grande número de casos, outrora
incompreensíveis, que pareciam causados pela utilização espontânea da faculdade
telepática, consciente ou não, sob a influência de forte emoção. Assim,
aplicando-se essa concepção – a mais aproximada da vera causa –
esperava-se eliminar a superstição e explicar, de forma racional, numerosas
lendas contemporâneas, onde se dizia que tal ou qual pessoa recebera de outra
pessoa afastada impressão de doença, de perigo ou de morte.
Sabemos que tais factos ocorreram muitas vezes sob a forma
de visão ou aparição de fantasma e supomos que, em semelhantes casos, a
impressão mental era de tal forma poderosa que provocava no espírito do
percipiente uma alucinação de carácter visual ou auditivo, mentalmente e não
fisicamente. Palavras eram ouvidas e uma visão percebida por vias anormais,
como uma espécie de reconstrução mental. Nos casos melhores e mais importantes,
a impressão era a que chamamos “verídica”, isto é, que corresponde realmente a
acontecimentos que se produziram algures, de sorte que se podia provar a sua
autenticidade.
Tal foi a conclusão de um livro, em dois volumes,
cuidadosamente escrito e editado em 1886 sob o título de Phantasms of
the Living (Fantasmas dos Vivos), cujos autores foram Myers e Gurney,
com a colaboração de Podmore.
Grande número de acontecimentos misteriosos, devidamente atestados, ocorrendo,
constantemente, em todas as partes do mundo, se explicam, assim, de modo
racional, sobre a fase do facto observado da comunicação psíquica, facto esse
descoberto por meio da telepatia experimental. A aparição ou o fantasma, visto
pelo percipiente sensitivo e que, até aqui, tinha naturalmente sido considerado
como efeito de uma presença real e misteriosa, podia ser assim atribuído a uma
impressão viva produzida, telepaticamente e sem o seu conhecimento, por uma
pessoa afastada, em angústia, perigo e mesmo prestes a falecer.
Numerosos casos análogos foram reunidos pelos seguidores
daqueles e examinados a fundo por investigadores sérios e hábeis num livro
intitulado Census of Hallucinations (Censo de Alucinações).
Foi uma tarefa trabalhosa, executada antes e durante o ano de 1894, tratando
abertamente dos fantasmas dos vivos, bem como dos mortos. Depois da eliminação
de todos os casos duvidosos, apresentados os pontos fracos e as explicações
segundo as hipóteses normais, a conclusão dos investigadores foi resumida,
nos Proceedings of the Society for Psychical Research, vol. X, pág.
394, da seguinte maneira:
“Existe, entre os casos de morte e as aparições de
moribundos, uma relação que não é consequência só do acaso. Consideramo-la como
um facto certo. A discussão de tudo que ela implica não pode ser feita só nesta
obra e, provavelmente, não será mesmo esgotada na nossa época.”
Esse relatório, longo e extremamente consciencioso, estava
assinado pelo professor Henry Sidgwick e a Sra. e trazia também outras
assinaturas. Não pretendo impor dogmaticamente a ideia de que a hipótese de
telepatia do agente transmissor ao receptor seja realmente a explicação
completa dessas experiências. Creio que existem outras explicações
suplementares assim como outras causas. Em todos os casos, porém, a hipótese
telepática, entre as duas pessoas em relação, é a mais plausível e a mais
racional.
Interessante recordar que o grande filósofo Kant se
ocupou, em certa época, dos estudos psíquicos e examinou mesmo dois ou três
casos notáveis, referentes a Swedenborg. O falecido professor William Wallace fez notar,
no seu ensaio sobre Kant, que é possível considerar as aparições sob um ponto
de vista subjectivo e termina com uma citação de Kant, que estava certamente a
par da explicação telepática sugerida muito mais tarde por Myers e Gurney em
sua obra Phantasms of the Living.
Eles se apoiam particularmente no facto de que tais visões,
qualquer que seja a sua origem, são autênticas, podendo acontecer mesmo que
tenham mais importância do que a que lhes queria Kant conferir.
Eis a citação de Kant,
feita por William Wallace:
“A possibilidade da comunicação entre um espírito puro e um
espírito revestido do seu invólucro carnal depende do estabelecimento de uma
ligação entre ideias abstractas e espirituais e imagens da mesma espécie,
revelando concepções sensoriais que são análogas e simbólicas. Tais associações
se encontram em pessoas que têm uma constituição especial. Em dados momentos
esses videntes são assaltados por aparições que não são (como supõem) entidades
espirituais, mas apenas ilusão da imaginação, que submetem as suas próprias
imagens a influências reais e espirituais imperceptíveis à grosseira alma
humana. Assim, a alma dos mortos e os espíritos puros, ainda que não possam
nunca produzir certa impressão aos nossos sentidos exteriores ou entrar em
contacto com a matéria, são, todavia, susceptíveis de actuar sobre a alma
humana, que pertence, como eles, à grande comunidade espiritual. Destarte, as
ideias que imprimem na alma se vestem, segundo a lei da fantasia, nas imagens
ligadas e criam, fora do vidente, a aparição de objectos correspondentes.”
Dos milagres, o maior é este – que tu és tu
Com poder sobre os teus próprios actos e o mundo
Deste mundo real dentro do mundo que vemos
Do qual o nosso é apenas uma zona limítrofe.
(De um poema de Tennyson)
/…
Oliver Lodge, Por que creio na imortalidade da Alma, Capítulo
II As sete proposições, proposição primeira (1), 4º fragmento desta
obra.
(imagem de contextualização: Luz e Cor (Teoria de
Goethe) - A manhã após o Dilúvio - Moisés escreve o livro Génese, pintura
de Joseph
Mallord William Turner)
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