sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

as vidas sucessivas | os elementos ~


Experiências magnéticas – Regressão da memória e previsão – Caso nº 3 – Eugénie, 1904

Na época em que eu fazia experiências em Voiron com Joséphine, encontrei em Grenoble um outro sujet que estudei com a mesma ordem de reflexões com o Dr. Bordier, director da Escola de Medicina e de Farmácia, bastante materialista por educação, porém de espírito aberto a modificar a sua opinião mediante a evidência dos factos.

Esse sujet era uma mulher de trinta e cinco anos chamada Eugénie, viúva com dois filhos, que ganhava a vida fazendo tarefas domésticas. Enquanto o seu marido era vivo, ela trabalhava numa fábrica de luvas e os dois ganhavam bons salários, sem necessidade de economias. A sua natureza é apática, muito franca e pouco curiosa. A saúde, excelente.

Eis o resumo de algumas sessões que tivemos na Escola de Medicina:

Quando se desprende sob a influência dos passes, Eugénie vê formarem-se sucessivamente: um fantasma azul à direita e, em seguida, um outro vermelho à esquerda; esses dois fantasmas reúnem-se a seguir num só, que apresenta a mesma forma do seu corpo físico e que se liga a este através de um laço luminoso. No meio desse laço há uma espécie de bola mais luminosa do que o restante e com a ajuda da qual ela vê simultaneamente os seus dois corpos separados. Ela acredita que se trata do seu espírito. (i)

(i) Obtive a mesma constatação em Paris com Laurent e relatei a observação nos Annales des Sciences Psychiques em setembro de 1895. Isso não se reproduz sempre; a bola brilhante (o corpo mental?) permanece algumas vezes num dos outros dois corpos e então Laurent apenas vê aquele corpo no qual ele não se encontra. (Albert de Rochas)

Ela está adormecida há alguns minutos com o auxílio de passes longitudinais aplicados de cima para baixo. Já a fiz recuar alguns anos. Ela só responde quando é interrogada e não responde se a pergunta é feita durante uma fase de letargia. É preciso, então, aprofundar o sono ou proceder a um despertar parcial para conduzi-la a uma das fases vizinhas, ao sonambulismo.

Continuo os passes longitudinais. Vejo uma lágrima cair-lhe dos olhos. Diz-me que tem vinte e cinco anos e que acaba de perder um filho.

Continuação dos passes – Surge-me a ideia de ver em que dará o instinto do pudor. Levanto levemente o seu vestido; ela o abaixa com vivacidade: “Não, agora não; não é conveniente durante o dia”. Ela me toma por seu marido, tem dezassete anos e casou-se há alguns meses.

Continuação dos passes – Sobressalto brusco com um grito de pavor. Ela viu aparecerem a seu lado os fantasmas da avó e de uma tia, falecidas havia pouco tempo e com alguns dias de intervalo. (ii) Tem agora catorze anos. Novamente levanto a sua saia; ela defende-se e comprime os joelhos. Pergunto-lhe de que tem medo e ela me responde que sabe que não se deve brincar assim com os rapazes.

(ii) Esta aparição, que ocorreu na idade à qual a levei, causou-lhe impressão bastante profunda. (A. de Rochas)

Ei-la agora com onze anos. Vai fazer a primeira comunhão. Os seus maiores pecados foram ter algumas vezes desobedecido à avó e sobretudo ter tirado um soldo (iii) do bolso de seu pai. Sentiu muita vergonha disso e pediu-lhe desculpas. Interrogada se preferia morrer a renunciar à sua religião, ela não responde, porém, a expressão do seu rosto mostra que não aspira ao martírio.

(iii) Soldo – moeda de cobre francesa equivalente à vigésima parte do franco. (N.T.)

Com nove anos – A sua mãe faleceu há oito dias; ela está bastante triste. O seu pai acaba de fazê-la deixar Vinay, onde é tintureiro, para mandá-la para Grenoble para casa do seu avô, a fim de que lá aprenda costura. Ela não tem mais necessidade de ir à escola: sabe ler, escrever e contar. Faço-a escrever.

Nova tentativa com o seu vestido. Ela me dá uma tapa dizendo: “Garoto vilão! Pare com isso!”

Com seis anos – Frequenta a escola em Vinay e já sabe escrever bem.

Com quatro anos – Toma conta de sua irmãzinha quando não está na escola. Começa a fazer exercícios gráfico-motores e a escrever algumas letras: aeiou. Não reage mais ao toque no seu vestido; o seu pudor não foi ainda desperto.

Agora ela é muito pequena. Não sabe a idade que tem, não fala ainda, diz apenas “papa”, “mamã”. Mais adiante falarei sobre as suas impressões durante os seus primeiros anos.

Passes transversais, despertando-a, fazem-na passar exactamente pelas mesmas fases e os mesmos estados de consciência.

Na sessão precedente, deixamos Eugénie na fase de bebé sendo amamentada por sua mãe. Aprofundando bastante o seu sono, determinei uma mudança de personalidade. Ela não estava mais viva, flutuava numa semiobscuridade, não tendo nem pensamento, nem necessidades, nem comunicação com ninguém.

Novos passes determinam um novo estado. Ela se vê dentro de um berço muito pobre. Chamam-na Ninie ou Apollonie. (iv)

(iv) Em poucas sessões, sobretudo no início das nossas experiências, apresentou-se, entre a personalidade actual e a de Apollonie, a de uma criança chamada como ela Eugénie Delpit, falecida muito jovem. A sua mãe teve doze filhos, dos quais a maioria morreu muito cedo; seria ela a reencarnação de um desses filhos que deixou poucos vestígios na sua memória ou seria um simples erro devido à sua imaginação actual? Ver-se-á um caso de intercalação análogo no caso nº 15. (Albert de Rochas)

Ainda mais distante no passado, ela está novamente a flutuar no espaço, num estado de calma comparável à experiência do limbo da igreja católica.

Não ousei levar mais longe o sono, pois a magnetização já durava mais de 45 minutos e ambos, Eugénie e eu, nos sentíamos esgotados; porém, pressionando o ponto frontal da memória sonambúlica, fiz aflorarem-lhe recordações ainda mais remotas. Ela tinha sido anteriormente uma menina, falecida muito jovem, em consequência de uma febre ocasionada pela dentição; vê os pais a chorar junto do seu corpo, do qual se desligou bastante rapidamente.

Procedi em seguida ao despertar, através de passes transversais.

Despertando, ela percorre em sentido contrário todas as fases assinaladas anteriormente e me dá novos detalhes provocados pelas minhas perguntas. Algum tempo antes de sua última encarnação, ela sentiu que era preciso reviver noutra família, aproximou-se daquela que deveria vir a ser sua mãe e que acabava de concebê-la; não entrou no feto, porém ficou à volta de sua mãe até ao momento em que a criança veio ao mundo. Então entrou pouco a pouco, “por ímpetos”, no pequenino corpo e só ficou completamente ligada a ele por volta dos sete anos. Até esse momento viveu parcialmente fora do seu corpo carnal, que ela via nos primeiros meses de sua vida como se estivesse colocada fora dele. (v) Não distinguia bem nessa época os objectos materiais que a cercavam, mas, por outro lado, percebia espíritos a flutuar à sua volta. Alguns, muito luminosos, protegiam-na contra outros, sombrios e maléficos, que procuravam influenciar o seu corpo fluídico; quando estes últimos o conseguiam, provocavam esses acessos de raiva que as mães chamam de pirraça.

(v) As minhas mais antigas recordações remontam a uma cena da qual participei aos dezoito meses; vejo ainda a cena que muito me impressionou e vejo-me a mim mesmo em parte. De uma investigação feita com pessoas das minhas relações, concluo que esse fenómeno é bastante frequente. Como apoio para esta afirmação, citarei um trecho de uma carta que o Dr. Maxwel, então advogado geral em Bordeaux, me escreveu com a data de 18 de janeiro de 1905:

“Conheço uma sensitiva que educa um filho. Ela é um sujet bastante notável e vê naturalmente. A criança não é sua, mas foi-lhe confiada desde o nascimento. Ela, sobretudo na obscuridade, vê ao lado da criança uma sombra luminosa, de traços mais formados do que os da criança e um pouco maior do que esta. Essa sombra, quando a criança nasceu, estava mais afastada dela do que o está agora. Parece penetrar pouco a pouco dentro do corpo. A criança tem catorze meses e a penetração é de cerca de dois terços. Esta sensitiva frequentemente via o corpo astral dos moribundos desprender-se. Parece-lhe acinzentado, estendido acima do corpo e parece flutuar.” (A. de Rochas)

Após uma impressão bastante violenta, (vi) produzida na Escola de Medicina quando de sua passagem casual enquanto estava exteriorizada a um metro de uma estante em que havia um pires com uma quantidade bem pequena de sulfureto de cálcio fosforescente, Eugénie já não quis ir a esse estabelecimento e não pude continuar as minhas experiências com ela a não ser acidentalmente, quando a encontrava em casa de uma familiar sua, Sra. Besson. Foi então que, instruído pelas minhas sessões com Joséphine, a conduzi um dia em direcção ao futuro, através de passes transversais suficientemente prolongados, depois de alguns passes longitudinais destinados a adormecê-la.

(vi) Ela teve uma perna completamente paralisada e já não podia andar. (Albert de Rochas)

Eu a fiz envelhecer pouco a pouco. Com a idade de trinta e sete anos (ela na realidade tinha trinta e cinco), manifestou todos os sintomas do parto e a vergonha desse acontecimento, pois não se havia casado novamente. Isto devia passar-se em 1906. Alguns meses mais tarde ela parece afogar-se. Fi-la envelhecer dois anos; novos sintomas de parto. Pergunto-lhe onde está nesse momento. “Sobre as águas”, diz-me. Essa estranha resposta fez-me supor que ela divagava e reconduzi-a ao estado normal.

Ora, tudo o que ela havia predito realizou-se. Tornou-se amante de um operário da fábrica de luvas, com quem teve uma criança em 1906. Pouco depois, desesperada, atira-se ao rio Isère, e salvam-na, agarrando-a por uma perna. Enfim, em janeiro de 1909, deu à luz uma segunda vez, sobre uma das pontes do rio Isère, onde foi tomada subitamente pelas dores do parto quando voltava dos trabalhos domésticos.

Este caso seria verdadeiramente admirável se eu pudesse afirmá-lo de forma absoluta. Infelizmente, na casa da Sra. Besson, eu me contentava em produzir rapidamente alguns fenómenos, sem tomar nenhuma nota, e nem sequer me impressionei com as suas predições, que eu considerava ou incoerências ou previsões justificadas pela sua nova vida. Foi apenas quando os acontecimentos se produziram que as recordações da Sra. Besson e as minhas nos voltaram; porém, o quanto é preciso desconfiar das lembranças que despertam depois dos acontecimentos!

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Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte Experiências magnéticas, Capítulo II – Regressão da memória e previsão / Caso nº 3 – Eugénie, 1904, 12º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em acrílico de Costa Brites

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