Na época em que eu fazia experiências em Voiron com
Joséphine, encontrei em Grenoble um outro sujet que estudei
com a mesma ordem de reflexões com o Dr. Bordier, director da Escola de
Medicina e de Farmácia, bastante materialista por educação, porém de espírito
aberto a modificar a sua opinião mediante a evidência dos factos.
Esse sujet era uma mulher de trinta e cinco
anos chamada Eugénie, viúva com dois filhos, que ganhava a vida fazendo tarefas
domésticas. Enquanto o seu marido era vivo, ela trabalhava numa fábrica de
luvas e os dois ganhavam bons salários, sem necessidade de economias. A sua
natureza é apática, muito franca e pouco curiosa. A saúde, excelente.
Eis o resumo de algumas sessões que tivemos na Escola de
Medicina:
Quando se desprende sob a influência dos passes, Eugénie vê
formarem-se sucessivamente: um fantasma azul à direita e, em
seguida, um outro vermelho à esquerda; esses dois fantasmas
reúnem-se a seguir num só, que apresenta a mesma forma do seu corpo físico e
que se liga a este através de um laço luminoso. No meio desse laço
há uma espécie de bola mais luminosa do que o restante e com a
ajuda da qual ela vê simultaneamente os seus dois corpos separados. Ela
acredita que se trata do seu espírito. (i)
(i) Obtive a mesma constatação em Paris com Laurent e
relatei a observação nos Annales des Sciences Psychiques em setembro
de 1895. Isso não se reproduz sempre; a bola brilhante (o corpo mental?)
permanece algumas vezes num dos outros dois corpos e então Laurent apenas vê
aquele corpo no qual ele não se encontra. (Albert
de Rochas)
Ela está adormecida há alguns minutos com o auxílio de
passes longitudinais aplicados de cima para baixo. Já a fiz recuar alguns anos. Ela
só responde quando é interrogada e não responde se a pergunta é feita
durante uma fase de letargia. É preciso, então, aprofundar o sono ou
proceder a um despertar parcial para conduzi-la a uma das fases vizinhas,
ao sonambulismo.
Continuo os passes longitudinais. Vejo uma lágrima cair-lhe
dos olhos. Diz-me que tem vinte e cinco anos e que acaba de perder um
filho.
Continuação dos passes – Surge-me a ideia de ver em que
dará o instinto do pudor. Levanto levemente o seu vestido; ela
o abaixa com vivacidade: “Não, agora não; não é conveniente durante o dia”. Ela
me toma por seu marido, tem dezassete anos e casou-se há alguns
meses.
Continuação dos passes – Sobressalto brusco com um grito de
pavor. Ela viu aparecerem a seu lado os fantasmas da avó e de uma tia,
falecidas havia pouco tempo e com alguns dias de intervalo. (ii) Tem
agora catorze anos. Novamente levanto a sua saia; ela defende-se e
comprime os joelhos. Pergunto-lhe de que tem medo e ela me responde que sabe
que não se deve brincar assim com os rapazes.
(ii) Esta aparição, que ocorreu na idade à qual a levei,
causou-lhe impressão bastante profunda. (A.
de Rochas)
Ei-la agora com onze anos. Vai fazer a primeira
comunhão. Os seus maiores pecados foram ter algumas vezes desobedecido à avó e
sobretudo ter tirado um soldo (iii) do bolso de seu pai.
Sentiu muita vergonha disso e pediu-lhe desculpas. Interrogada se preferia
morrer a renunciar à sua religião, ela não responde, porém, a expressão do seu
rosto mostra que não aspira ao martírio.
(iii) Soldo – moeda de cobre francesa equivalente à
vigésima parte do franco. (N.T.)
Com nove anos – A sua mãe faleceu há oito dias;
ela está bastante triste. O seu pai acaba de fazê-la deixar Vinay, onde é
tintureiro, para mandá-la para Grenoble para casa do seu avô, a fim de que lá
aprenda costura. Ela não tem mais necessidade de ir à escola: sabe ler,
escrever e contar. Faço-a escrever.
Nova tentativa com o seu vestido. Ela me dá uma tapa
dizendo: “Garoto vilão! Pare com isso!”
Com seis anos – Frequenta a escola em Vinay e já
sabe escrever bem.
Com quatro anos – Toma conta de sua irmãzinha
quando não está na escola. Começa a fazer exercícios gráfico-motores e a
escrever algumas letras: a, e, i, o, u. Não
reage mais ao toque no seu vestido; o seu pudor não foi ainda desperto.
Agora ela é muito pequena. Não sabe a idade que tem,
não fala ainda, diz apenas “papa”, “mamã”. Mais adiante falarei sobre as suas
impressões durante os seus primeiros anos.
Passes transversais, despertando-a, fazem-na passar
exactamente pelas mesmas fases e os mesmos estados de consciência.
Na sessão precedente, deixamos Eugénie na fase de bebé sendo
amamentada por sua mãe. Aprofundando bastante o seu sono, determinei uma
mudança de personalidade. Ela não estava mais viva, flutuava numa semiobscuridade,
não tendo nem pensamento, nem necessidades, nem comunicação com ninguém.
Novos passes determinam um novo estado. Ela se vê dentro de
um berço muito pobre. Chamam-na Ninie ou Apollonie. (iv)
(iv) Em poucas sessões, sobretudo no início das nossas
experiências, apresentou-se, entre a personalidade actual e a de Apollonie, a
de uma criança chamada como ela Eugénie Delpit, falecida muito jovem. A sua mãe
teve doze filhos, dos quais a maioria morreu muito cedo; seria ela a
reencarnação de um desses filhos que deixou poucos vestígios na sua memória ou
seria um simples erro devido à sua imaginação actual? Ver-se-á um caso de
intercalação análogo no caso nº 15. (Albert
de Rochas)
Ainda mais distante no passado, ela está novamente a
flutuar no espaço, num estado de calma comparável à experiência do limbo da igreja católica.
Não ousei levar mais longe o sono, pois a magnetização já
durava mais de 45 minutos e ambos, Eugénie e eu, nos sentíamos esgotados;
porém, pressionando o ponto frontal da memória sonambúlica, fiz aflorarem-lhe recordações ainda mais
remotas. Ela tinha sido anteriormente uma menina, falecida muito jovem, em
consequência de uma febre ocasionada pela dentição; vê os pais a chorar junto
do seu corpo, do qual se desligou bastante rapidamente.
Procedi em seguida ao despertar, através de passes
transversais.
Despertando, ela percorre em sentido contrário todas as
fases assinaladas anteriormente e me dá novos detalhes provocados pelas minhas
perguntas. Algum tempo antes de sua última encarnação, ela sentiu que era
preciso reviver noutra família, aproximou-se daquela que deveria vir a ser sua
mãe e que acabava de concebê-la; não entrou no feto, porém ficou à volta de sua
mãe até ao momento em que a criança veio ao mundo. Então entrou pouco a pouco,
“por ímpetos”, no pequenino corpo e só ficou completamente ligada a ele por
volta dos sete anos. Até esse momento viveu parcialmente fora do seu corpo
carnal, que ela via nos primeiros meses de sua vida como se estivesse colocada
fora dele. (v) Não distinguia bem nessa época os objectos
materiais que a cercavam, mas, por outro lado, percebia espíritos a flutuar à
sua volta. Alguns, muito luminosos, protegiam-na contra outros, sombrios e
maléficos, que procuravam influenciar o seu corpo fluídico; quando estes
últimos o conseguiam, provocavam esses acessos de raiva que as mães chamam de
pirraça.
(v) As minhas mais antigas recordações remontam a
uma cena da qual participei aos dezoito meses; vejo ainda a cena que muito me
impressionou e vejo-me a mim mesmo em parte. De uma investigação feita com
pessoas das minhas relações, concluo que esse fenómeno é bastante frequente.
Como apoio para esta afirmação, citarei um trecho de uma carta que o Dr.
Maxwel, então advogado geral em Bordeaux, me escreveu com a data de 18 de
janeiro de 1905:
“Conheço uma sensitiva que educa um filho. Ela é
um sujet bastante notável e vê naturalmente. A criança não é sua, mas
foi-lhe confiada desde o nascimento. Ela, sobretudo na obscuridade, vê ao lado
da criança uma sombra luminosa, de traços mais formados do que os da criança e
um pouco maior do que esta. Essa sombra, quando a criança nasceu, estava mais
afastada dela do que o está agora. Parece penetrar pouco a pouco dentro do
corpo. A criança tem catorze meses e a penetração é de cerca de dois
terços. Esta sensitiva frequentemente via o corpo astral dos moribundos
desprender-se. Parece-lhe acinzentado, estendido acima do corpo e parece
flutuar.” (A. de Rochas)
Após uma impressão bastante violenta, (vi) produzida
na Escola de Medicina quando de sua passagem casual enquanto estava exteriorizada a
um metro de uma estante em que havia um pires com uma quantidade bem
pequena de sulfureto de cálcio fosforescente, Eugénie já não quis ir a esse
estabelecimento e não pude continuar as minhas experiências com ela a não ser
acidentalmente, quando a encontrava em casa de uma familiar sua, Sra. Besson.
Foi então que, instruído pelas minhas sessões com Joséphine, a conduzi um
dia em direcção ao futuro, através de passes transversais suficientemente
prolongados, depois de alguns passes longitudinais destinados a
adormecê-la.
(vi) Ela teve uma perna completamente paralisada e já não
podia andar. (Albert de Rochas)
Eu a fiz envelhecer pouco a pouco. Com a idade de trinta e
sete anos (ela na realidade tinha trinta e cinco), manifestou todos os sintomas
do parto e a vergonha desse acontecimento, pois não se havia casado novamente.
Isto devia passar-se em 1906. Alguns meses mais tarde ela parece afogar-se.
Fi-la envelhecer dois anos; novos sintomas de parto. Pergunto-lhe onde está
nesse momento. “Sobre as águas”, diz-me. Essa estranha resposta fez-me supor
que ela divagava e reconduzi-a ao estado normal.
Ora, tudo o que ela havia predito realizou-se. Tornou-se
amante de um operário da fábrica de luvas, com quem teve uma criança em 1906.
Pouco depois, desesperada, atira-se ao rio Isère, e salvam-na, agarrando-a por
uma perna. Enfim, em janeiro de 1909, deu à luz uma segunda vez, sobre uma das
pontes do rio Isère, onde foi tomada subitamente pelas dores do parto quando
voltava dos trabalhos domésticos.
Este caso seria verdadeiramente admirável se eu pudesse
afirmá-lo de forma absoluta. Infelizmente, na casa da Sra. Besson, eu me
contentava em produzir rapidamente alguns fenómenos, sem tomar nenhuma nota, e
nem sequer me impressionei com as suas predições, que eu considerava ou
incoerências ou previsões justificadas pela sua nova vida. Foi apenas
quando os acontecimentos se produziram que as recordações da Sra. Besson e as
minhas nos voltaram; porém, o quanto é preciso desconfiar das lembranças que
despertam depois dos acontecimentos!
/…
Albert
de Rochas, As Vidas Sucessivas, Segunda Parte
Experiências magnéticas, Capítulo II – Regressão da memória e
previsão / Caso nº 3 – Eugénie, 1904, 12º fragmento desta
obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan,
pintura em acrílico de Costa Brites)
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