(in, Factos Espíritas)
Assim como um viajante que explora um país longínquo, cujas
maravilhas não fossem até então conhecidas senão por notícias e contos de
carácter vago e pouco exacto, assim, desde há quatro anos que procedo
assiduamente a pesquisas, numa
região das ciências naturais que oferece ao homem de ciência um terreno quase
virgem.
Do mesmo modo que o viajante percebe nos fenómenos naturais
de que pode ser testemunha, a acção das forças governadas por leis naturais,
onde outros não vêem senão a intervenção caprichosa de deuses ofendidos, assim
me esforçarei por esboçar a operação das leis e das forças da natureza, onde
outros não têm visto mais que a acção de seres sobrenaturais, sem dependência
de qualquer lei e sem obediência a qualquer força senão à de sua livre vontade.
O viajante, nas suas excursões longínquas, depende
inteiramente da boa vontade e da protecção dos chefes e dos que exercem a
medicina no meio das tribos entre as quais pára; igualmente, nas minhas
pesquisas, não somente recebi em grau significativo a ajuda dos que
possuíam os poderes especiais, que eu procurava examinar, mas ainda contraí
sólidas e sérias amizades com muitos homens, reputados directores de opinião, e
deles recebi a hospitalidade.
Como o viajante atento; eis a
minha narração concisa dos seus progressos, narração que foi recebida
muitas vezes com incredulidade ou zombaria, porque necessariamente esta
narração não tem nenhuma ligação com tudo o que lhe pôde dar origem; também, em
duas ocasiões, reuni e publiquei factos que me pareciam admiráveis e precisos,
mas por ter deixado de descrever as suas fases preliminares – o que teria
sido necessário para motivar o espírito público na apreciação do fenómeno e
para mostrar que ele se ligava a outros factos observados –, esses factos
também não somente encontraram a incredulidade, mas ainda deram origem a muitas
apreciações malévolas.
E, assim, como o viajante que, tendo terminado as suas
explorações, volta aos seus antigos colaboradores e reúne todas as suas notas,
classifica-as e as ordena a fim de as dar ao público numa narração encadeada,
assim, chegado ao termo dessa investigação, classifiquei e reuni todas as
minhas observações espalhadas, para apresentá-las publicamente sob a forma de
um livro.
Os diversos fenómenos que venho atestar são tão extraordinários e
tão inteiramente opostos aos mais enraizados pontos de vista científicos –
entre outros a universal e invariável acção da força de gravitação –, que mesmo
agora, recordando-me dos detalhes de que fui testemunha, há antagonismo entre o
meu espírito e a minha razão; que diz ser isso cientificamente
impossível, e que, não obstante, foi testemunhado através dos meus sentidos da
vista e do tacto, testemunho aliás corroborado pelos sentidos de todas as
pessoas presentes – que me dizem não serem testemunhas mentirosas,
visto que eles depõem contra as minhas ideias preconcebidas. (i)
(i) As considerações seguintes são de
tal modo importantes que não posso abster-me de citá-las.
Encontram-se em carta particular de um velho amigo, a
quem enviei uma exposição de alguns desses factos. A alta posição que ele ocupa
no mundo sábio duplica o valor da opinião que exprime no tocante à tendência
dos cientistas.
“Não posso – diz ele – encontrar resposta razoável para
os factos que me expondes.
“E é coisa curiosa que mesmo eu, qualquer que seja a
tendência e o desejo que tenha de crer no Espiritualismo, qualquer que seja o
meu crédito no vosso poder de observação e na sua perfeita sinceridade, experimento
como uma necessidade de ver por mim mesmo, e me é de todo penoso pensar que
tenho necessidade de muitas provas.
“Digo penoso, porque vejo que não há razão que possa
convencer um homem, a menos que o facto se repita tão frequentemente, que então
a impressão pareça tornar-se um hábito de espírito, um velho conhecimento, uma
coisa conhecida desde há tão longo tempo que já não há lugar para duvidar dela.
“É um dos lados curiosos do espírito humano, e os homens
de ciência o possuem em alto grau – mais que os outros, creio eu.
“É por isso que não devemos dizer sempre que um homem é
desleal só porque resiste por muito tempo à evidência.
“A velha muralha das crenças deve ser tomada à força de
golpes.”
Supor que uma espécie de loucura ou de ilusão vem
dominar subitamente um grupo de pessoas inteligentes e sensatas, que estão de
acordo sobre as menores particularidades e detalhes dos factos de que são
testemunha, parece-me mais incrível do que os próprios factos que eles atestam.
O assunto é muito mais difícil e mais vasto do que parece.
Há cerca de quatro anos tive a intenção de consagrar um ou
dois meses somente ao trabalho de me certificar se certos factos maravilhosos,
dos quais eu tinha ouvido falar, poderiam sustentar a prova de um exame
rigoroso.
Mas tendo logo chegado à mesma conclusão, como todo o
pesquisador imparcial, isto é, que “havia alguma coisa aí”, não podia
mais, eu, estudante das leis da natureza, recusar-me a continuar nessas
pesquisas, qualquer que fosse o ponto a que elas me pudessem conduzir.
Foi assim que alguns meses se transformaram em alguns
anos e, se eu pudesse dispor de todo o meu tempo, é possível que as
experiências ainda prosseguissem.
Mas outros assuntos de interesse científico e prático
reclamam agora a minha atenção; e como não posso consagrar a tais pesquisas o
tempo que seria preciso e que mereceriam; como tenho plena confiança
que daqui a alguns anos os homens de ciência estudarão este assunto; como
as ocasiões que possuo não são tão propícias quanto o eram há algum tempo,
porque então o Sr. D. D. Home gozava
de boa saúde, a Srta. Kate
Fox (agora a Sra. Jencken ) não estava absorvida pelas suas ocupações
domésticas e maternas; por todos esses motivos, vejo-me obrigado a
suspender, neste momento, as minhas investigações.
Para obter franco acesso junto das pessoas plenamente
dotadas da faculdade sobre as quais se baseiam as minhas experiências, era
preciso um crédito maior do que aquele de que um investigador científico pode
dispor.
Para os seus adeptos mais convencidos, o Espiritismo é uma
religião. Os médiuns,
em muitos casos, membros da família, são guardados com grande cuidado, o que só
com dificuldade um estranho compreenderia. Crendo seriamente e
conscienciosamente na verdade de certas doutrinas que repousam sobre o que se
lhes afigura como manifestações miraculosas, esses adeptos parecem acreditar
que a presença de um investigador científico é uma profanação do
santuário. A título de favor pessoal, fui admitido mais de uma vez a
assistir a reuniões que ofereciam antes o aspecto de uma cerimónia religiosa do
que de uma sessão de Espiritismo.
Mas ser admitido, a favor, uma ou duas vezes, como
um estranho teria sido autorizado assistir aos mistérios d'Elêusis, ou um pagão
a contemplar o santo dos santos, não é o meio de confirmar os factos e
descobrir-lhes as leis – satisfazer a curiosidade é bem diferente de
proceder a uma busca sistemática. Quanto a mim, procuro sempre a verdade.
Em algumas ocasiões me permitiram, é certo, fazer
verificações e impor condições; mas somente uma ou duas vezes me foi
possível fazer sair a sacerdotisa do seu santuário e, em minha própria casa,
rodeado de amigos, aproveitar a ocasião para pôr à prova os fenómenos dos quais
fui testemunha noutros lugares, em condições menos concludentes. (ii)
(ii) Nesta memória não dou exemplos desses
casos excepcionais e não tiro deles nenhuma conclusão. Sem esta explicação poder-se-ia crer que a maior parte
dos factos que acumulei foram obtidos sobretudo nas poucas ocasiões das quais
aqui trato e, naturalmente, se objectaria que há insuficiência de exame por
falta de tempo.
As minhas observações a esse respeito aparecerão na obra que
publicarei.
Seguindo o plano que adoptei noutras circunstâncias – plano
que, embora contrariando muito as ideias preconcebidas de certos críticos, me
pareciam, por boas razões, aceitáveis para os leitores do The Quarterly
Journal of Science –, tinha eu a intenção de apresentar os
resultados do meu trabalho sob a forma de um ou dois artigos para esse
jornal. Mas, revendo as minhas notas, achei tal riqueza de factos,
tal superabundância de provas, tão esmagadora massa de testemunhos, que, para
as pôr todas em ordem, era preciso encher vários números do The Quarterly.
É mister, pois, que actualmente me limite a dar um esboço
dos meus trabalhos, reservando para outra ocasião as provas e os detalhes mais
amplos.
O meu fim principal será, pois, fazer conhecer a
série de manifestações que se produziram em minha casa, na presença de
testemunhas dignas de crédito e sob as condições dos mais severos exames que
pude imaginar. Por outro lado, cada facto que observei é
corroborado por pessoas independentes, que os observaram noutros tempos e
noutros lugares.
Ver-se-á que todos esses factos têm carácter
surpreendente e que parecem inteiramente inconciliáveis com todas as teorias
conhecidas da ciência moderna.
Tendo-me assegurado da sua realidade, seria uma
covardia moral negar-lhes o meu testemunho, só porque as minhas publicações
precedentes haviam sido ridicularizadas por críticos e outras pessoas, que
nada, em absoluto, conheciam do assunto e que se supunham ter critério bastante
para ver e julgar por si mesmas se esses fenómenos eram ou não verdadeiros.
Direi simplesmente tudo o que vi e, o que me foi
provado por experiências repetidas e verificadas, e tendo ainda
necessidade de que me demonstrem não ser razoável esforçar-se uma pessoa por
descobrir as causas de fenómenos inexplicados.
Primeiro que tudo devo rectificar um ou dois erros que se
encontram implantados profundamente no espírito público. Um, o de ser a
escuridão essencial à produção dos fenómenos. Isso não é exacto. Excepto em
alguns casos nos quais a escuridão tem sido uma condição indispensável, como,
por exemplo, nos fenómenos de aparições luminosas e em alguns outros, tudo
o que narro produziu-se em plena luz…
Nos poucos casos em que os fenómenos descritos foram
produzidos na escuridão, tive muito cuidado em os mencionar; especialmente, quando
alguma razão particular exigia a extinção da luz, os resultados que se
manifestaram estiveram em condições de controlo tão perfeitos que a supressão
de um dos nossos sentidos não podia enfraquecer, de facto, a prova fornecida.
Outro erro corrente consiste em crer-se que as manifestações
só se podem produzir a certas horas e em certos lugares – em casa dos médiuns,
ou a horas combinadas previamente – e, partindo desta suposição errónea
têm-se estabelecido uma analogia entre os fenómenos chamados espíritas e os
passes dos prestidigitadores e mágicos que operam nos teatros, os quais se
cercam de tudo o que pertence à sua arte.
Para provar quanto tudo isto está longe de ser verdadeiro,
devo dizer que, salvo raras excepções, as centenas de factos que me
preparo para atestar, para serem imitados pelos meios físicos ou mecânicos
conhecidos, desafiariam a habilidade de um Houdini, de um Bosco, de
um Anderson, protegida por todos os recursos de máquinas engenhosas e da sua
prática de longos anos. Essas centenas de factos produziram-se na minha
própria casa, em períodos por mim designados e em circunstâncias que excluíam
absolutamente o emprego e o auxílio do mais simples instrumento.
Um terceiro erro é este: que o médium escolhe
a sua roda de amigos e companheiros que podem assistir à sessão; que esses
amigos devem crer firmemente na verdade da doutrina, seja ela qual for, que o
médium enunciar; para que se imponham às pessoas de espírito investigador
condições tais que impeçam completamente toda a observação cuidadosa e
facilitem a superstição e a fraude.
A isso posso responder afirmando que à excepção de alguns
casos muito pouco numerosos de que se tratou em um parágrafo precedente (ver a
nota nº 2), caso em que os motivos de exclusão, quaisquer que fossem,
não serviam certamente de véu para o embuste, compus eu mesmo a minha roda
de amigos, introduzi todos os incrédulos que me convieram, e geralmente impus condições
escolhidas com cuidado por mim mesmo, para evitar toda a possibilidade de
fraude.
Tendo-me assenhoreado pouco a pouco de algumas condições que
facilitavam a produção dos fenómenos, as minhas pesquisas foram
geralmente coroadas de igual êxito, e mesmo, em muitos casos, tive êxito
superior ao que foi obtido em outras ocasiões onde, em virtude de falsas ideias
sobre a importância de algumas práticas insignificantes, as
condições impostas podiam tornar menos fácil a descoberta da fraude.
Eu disse que a escuridão não é essencial. Porem, é facto
bem conhecido que, quando a força conseguida é fraca, a luz muito viva exerce
uma acção que contraria alguns fenómenos.
A força do Sr. Home é bastante
significativa para se sobrepor a essa influência contrária; assim, ele não
admite escuridão nas suas sessões.
Afirmo que, excepto duas vezes em que, para algumas
experiências, a luz foi suprimida, tudo que testemunhei foi produzido por ele
em plena claridade.
Experimentei variadas fontes da luz provindas de diferentes
fontes e de cores variadas: – a luz do Sol, luz difusa, luar, gás, lâmpada,
vela, luz eléctrica, luz amarela, homogénea, etc.
Os raios que contrariam as manifestações parecem ser os
da extremidade do espectro.
Vou, agora, proceder à classificação dos fenómenos que
observei, indo dos mais simples aos mais complexos, e dando rapidamente, em
cada capítulo, uma explicação sumária de alguns dos factos que vou expor.
Os meus leitores deverão lembrar-se bem que, à
excepção dos casos especialmente designados, as manifestações se realizaram em
minha casa, à luz, e somente na presença de amigos meus e do médium.
No volume que tenho em preparação proponho-me dar com
minúcia todas as verificações que fiz, todas as precauções que tomei em cada
caso e os nomes de todas as testemunhas. Nesta exposição tratarei delas
superficialmente.
/...
William
Crookes, Factos Espíritas, Fenómenos espíritas observados
por William Crookes durante os anos de 1870-73 e publicados pela primeira
vez no The Quarterly Journal of Science, Janeiro de
1874 (*), fragmento da obra citada.
(imagem de contextualização: Sir William Crookes, foto de Ernest H. Mills, 1872)
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