A história da Irlanda, através dos séculos, tem
sido um longo martirológio.
As perseguições sofridas obrigaram a metade da população a se expatriar, em
busca de terra distante, deixando a ilha verdejante, tão cara para os corações
célticos. Em menos de um século, a população caiu de oito para quatro milhões
de habitantes. É desde essa época que se encontram os celtas em todas as partes
do mundo.
Essa ilha é,
entretanto, como vimos, o único país onde a língua céltica se
revestiu de um carácter e de uma forma oficial. Rica, maleável,
variada nas suas expressões, essa língua deu origem a uma literatura
rica, na qual se reflecte toda a alma irlandesa, móvel, impressionável,
sensível ao excesso e apaixonada por todas as grandes causas.
Frequentei, durante certo tempo, no Colégio de
França, o curso de Literatura Céltica, de d’Arbois de
Jubainville. Havia entre nós muitos irlandeses que ouviam, com avidez, a
narração das proezas do seu herói nacional, Couhoulainn. Seguimos o
texto gaélico num livro alemão, porque não existia a tradução francesa, e esta
penúria – é preciso reconhecer, para nossa vergonha – não se encontra somente
neste tipo de estudos.
O professor nos ensinava que os manuscritos em língua gaélica datam do século V, e ao se enumerar todos aqueles que foram publicados até ao século XV, verifica-se que eles representam matéria de mil volumes.
Dessa obra volumosa brotam duas grandes fontes de inspiração, às quais
os escritores irlandeses sempre consultam. Inicialmente, são as Epopéias
Primitivas, colectânea de feitos históricos relativos à luta, longa e
comovente, dos insulares contra os saxões invasores e opressores. É daí que os
combatentes da última guerra da independência retiravam os exemplos e a
lembrança que inflamavam a sua coragem e sustentavam o seu entusiasmo
patriótico.
Depois, é a História Lendária dos
Bardos e as Tríades, que na ordem filosófica e religiosa
são como uma espécie de Bíblia para o mundo céltico e cuja
paternidade é comum à Irlanda e ao País de Gales. Ela não foi fixada pela
escrita a não ser no século VIII, ou pelo menos não se possui manuscritos mais
antigos. Mas está estabelecido que esses cantos e essas Tríades eram
transmitidos oralmente, há muitos séculos, e que a sua origem se perde na noite
dos tempos. Sabe-se que o ensino esotérico dos druidas era reservado
unicamente aos iniciados e que não se podia transcrevê-lo a não ser na
forma de uma escrita em vegetal, simbólica, cujo segredo somente era comunicado
aos adeptos.
Apenas quando o poder dos druidas foi extinto
e os bardos foram perseguidos é que se pensou em recolher esse ensino e
entregá-lo à publicidade.
Encontram-se sinais dessas altas inspirações em toda
a obra literária da Irlanda, junto ao culto ardente da Natureza,
que é uma das formas do génio céltico. A sua rica poesia reflecte o encanto
penetrante dessa ilha verdejante com as suas florestas profundas, os seus lagos
sombrios, os seus horizontes brumosos e as costas abruptas, recortadas, onde as
ondas lançam os seus queixumes eternos.
Em todos os lugares pairam enxames de
almas: duendes, gnomos,
génios tutelares ou malfeitores, aos quais se misturam as almas dos mortos, os
espíritos, cujo fluido material, paixões, ódios e amores encadeiam à Terra, e
que se tornam errantes, aguardando uma reencarnação nova, visto que, neste
ponto, os textos são formais: a Irlanda acreditava na pluralidade das vidas
humanas.
Em todas as épocas, e talvez mais do que em
algum outro país, a Irlanda teve então a intuição, o sentido íntimo e profundo
da vida invisível, do mundo oculto, desse oceano de forças e de
vida, povoado de multidões inumeráveis, cuja influência se estende sobre nós e,
conforme as nossas disposições psíquicas, nos protege ou nos atormenta, nos
entristece ou nos arrebata.
É porque na história da Irlanda, como na
Escócia, os feiticeiros exercem uma grande função. Os próprios santos possuiam
poderes misteriosos que se poderiam comparar ao magnetismo e
ao dom da mediunidade. Para nos convencermos disso podem ser lidas as
biografias de S.
Patrício e de S. Colombano,
padroeiros da ilha.
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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO II – A Irlanda 1 de 3, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, Ossian, Desaix, Kléber, Marceau,Hoche, Championnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)
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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO II – A Irlanda 1 de 3, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, Ossian, Desaix, Kléber, Marceau,Hoche, Championnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)
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