O Desenvolvimento Científico
As teorias podem ser as mais brilhantes – como
observou Bozzano –,
mas não podem prevalecer contra a realidade dos factos. E Lombroso, que combatera
tenazmente a volta às superstições, acabaria se penitenciando do seu erro nas
páginas da revista Luce e Ombra, de Milão. Os frutos da
tremenda batalha kardeciana começavam a modificar a mentalidade científica
temerosa dos absurdos teológicos.
Kardec provara que as Ciências não deviam temer os
fantasmas, mas enfrentá-los e explicá-los. Nenhuma autoridade era mais elevada,
para ele, do que a realidade dos factos comprováveis pela experiência
científica e objectiva das pesquisas. Os cientistas mais audaciosos aprenderam
com ele a superar os condicionamentos do formalismo académico e enfrentar o
mundo como ele é. Richet reconheceria,
no Tratado de
Metapsíquica, que Kardec jamais fizera uma afirmativa que não tivesse
sido provada pelas pesquisas. O criador da Ciência actual e de sua
metodologia eficiente e eficaz, queiram ou não os alérgicos ao futuro, na
expressão recente de Remy
Chauvin, foi precisamente Allan Kardec, o homem do
século XIX que revelou, numa batalha sem tréguas, estes dois princípios
fundamentais da nossa mundividência:
1) A realidade é una e indivisível, firmada na Unidade
Pitagórica que se revela na multiplicidade da Década;
2) Tudo se encadeia no Universo, sem solução de
continuidade. Os que tentam fragmentar essa unidade orgânica estão presos às
falíveis condições do sensório humano.
No desenvolvimento actual das Ciências, muitas cabeças
gregas e troianas formularão novas, fascinantes e complexas teorias, mas só
prevalecerão as que forem sancionadas pelas profecias fatais de Cassandra. O fatalismo, no
caso, não decorre da natureza trágica das previsões, mas da comprovação dos
factos. A figura de Allan Kardec continua
suspensa sobre o panorama científico actual como o orientador indispensável dos
novos caminhos do conhecimento, na rota cósmica das constelações. Em recente
congresso realizado em Moscovo, provocado pelas controvérsias sobre a
descoberta do corpo bioplásmico do homem, Kardec foi considerado como um
racionalista francês do século XIX que antecipou diversas conquistas da
tecnologia moderna. Os nossos jornais noticiaram a realização desse
congresso, mas os dados a respeito foram escassos. Pesava sobre ele a suspeição
de atitudes que pudessem perturbar as relações entre a Ciência Soviética e os
interesses básicos da ideologia fundamental do Estado. Na Roménia marxista
a Parapsicologia mudou de nome, passando a chamar-se Psicotrónica, e
isso com a finalidade declarada de aproximar das ciências paranormais os
materialistas mais ferrenhos ou mais cautelosos, que não desejam ver-se
envolvidos em complicações espíritas. Todos esses factos provam que a
Ciência Admirável elaborada pelo bruxo parisiense continua a
pesar nas preocupações e no desenvolvimento da Ciência actual, que avança
inelutavelmente sobre o esquema científico de Kardec. Este é o facto mais
significativo dos nossos dias, que os espíritas não podem ignorar. As próprias
pesquisas da Astronáutica têm seguido – sem querer e sem saber – o esquema de
Kardec na Société Parisien. Das comunicações mediúnicas de Mozart, Bernard Pallissy,
Georges e outras entidades, na Société, referindo-se à Lua, a Marte e Júpiter,
até ao envio de homens à Lua em sondas soviéticas e norte-americanas a Marte e
Júpiter mostram que o mapa das incursões possíveis foi decalcado, de maneira
inconsciente, mas evidente, no mapa kardeciano. Além disso, as próprias
descrições desses corpos celestes, feitas pelos espíritos comunicantes em Paris,
que Kardec considerou com reservas, têm geralmente coincidido com os dados
actuais das pesquisas astronáuticas. No tocante à Lua há um problema referente
à sua posição na órbita em torno da Terra. Mas Kardec acentuou, no seu tempo,
com o apoio do famoso astrónomo Flammarion, que os
dados espirituais davam a única teoria existente na época sobre o problema. O
esquema kardeciano não foi feito intencionalmente. Resultou de comunicações
espirituais espontâneas, que Kardec recebeu com reservas, acentuando que esse
facto não se enquadrava nas pesquisas da Société e eram recebidos como
curiosidades significativas, sujeitas a confrontos futuros no processo de
desenvolvimento das Ciências.
Também nessa atitude se evidencia o critério científico de
Kardec, interessado nos casos gratuitos, mas reservando a sua verificação real
ao futuro. Aos que, na época, entusiasmados com essa possível revelação de
problemas cósmicos, diziam a Kardec que as utopias de hoje se realizam no
amanhã, Kardec respondia que deviam esperar a transformação das utopias em
realidade para depois as aceitar. Os dados positivos, os factos, a realidade
evidente e a lógica de clareza meridiana eram os elementos preferenciais do seu
trabalho. As suas obras nos mostram a limpidez clássica do pensamento francês.
Era o mestre por excelência. A didáctica ressalta em toda a sua obra. Charles Richet lhe
censurou a aparente facilidade com que aceitava a realidade dos fenómenos
mediúnicos e da vida após a morte, mas acabou reconhecendo que ele nunca
fizera uma só afirmação que não estivesse respaldada pelas pesquisas. Não
dispunha dos recursos actuais da pesquisa tecnológica, mas tocou a verdade com
a ponta dos dedos, como Tomé. Tudo quanto afirmou no seu tempo permanece
válido até hoje. A instabilidade das hipóteses e das teorias científicas não
existiu para ele. Os cientistas actuais não conseguiram abalar o edifício das suas
conclusões. Giram ainda hoje como borboletas nocturnas em torno da sua lâmpada
e acabam queimando as asas no fogo da sua verdade mil vezes comprovada em todo
o mundo.
Esse problema da comprovação é frequentemente levantado
pelos contraditores da doutrina e até mesmo por adeptos pouco informados, que
alegam a impossibilidade de repetição dos fenómenos para atender às exigências
do método científico. Com esse velho chavão nas mãos, pensando haver
descoberto a chave do mistério, declaram com ênfase que a Ciência Espírita não
é ciência, mas apenas um apêndice espúrio da doutrina. Com isso agridem a
competência de Kardec e de todos os grandes cientistas que, desde o século
passado até ao presente, de Crookes a Rhine, submeteram os
fenómenos às formas possíveis de repetição. Basta a leitura das anotações
de Kardec em Obras Póstumas, o episódio do seu encontro com o
fenómeno das mesas-girantes, para se ver a falácia dessa acusação. A
impossibilidade de repetição dos fenómenos espíritas implicaria a
impossibilidade da pesquisa. Todos os anos da pesquisa sistemática, minuciosa e
exaustiva de Kardec, e os anos de pesquisa exemplar de Crookes, Notzing, Gibier, Ochorowicz, Aksakof, Myers, Geley e Osty, e
assim por diante, são displicentemente atirados no baú das antiguidades
estúpidas. Foi por essa e por outras que Richet escreveu o seu livro O
Homem Estúpido. A repetição de experiências é medida corriqueira em
qualquer pesquisa. Os que lançam mão dessa alegação para negar a existência da
Ciência Espírita nos dão a prova gratuita da sua incapacidade para tratar do
assunto.
Houve interrupção no desenvolvimento da Ciência Espírita, alegam outros. Depois
de Kardec ninguém mais pesquisou e os espíritas se entregaram a rememorar os
feitos do passado. Se tivéssemos feito isso, simplesmente isso, já teríamos
mantido viva a tradição doutrinária, vigorosamente apoiada em
séries infindáveis de pesquisas mundiais, realizadas por nomes exponenciais das
Ciências. Mas a verdade é que não houve solução de continuidade na
investigação, mas simples diversificação das experiências em
várias áreas culturais, acompanhada de renovações metodológicas. A Ciência
Espírita projectou-se em direcções diversas, desdobrou-se em outras coordenadas
e deu nascimento a outras ciências. Atacada por todos os lados, por todas as
forças culturais da época, a Ciência Espírita firmou-se nos seus princípios e
multiplicou os seus meios de comunicação. A escassez do elemento
humano interessado na busca da realidade pura não lhe permitiu a
expansão necessária. O homem terreno continua ainda apegado aos interesses
imediatistas e aos seus preconceitos, à sua vaidade sem razão e sem sentido. São poucas
as pessoas de mente aberta e coração sensível, nesta humanidade egoísta e
voraz. Esses elementos compreensivos e abnegados nem sempre
dispõem de condições culturais suficientes para enfrentar a luta contra
as fascinações do seu próprio passado e dos insufladores de ideias confusas e
perturbadoras no meio espírita e nas áreas adjacentes. Mas tudo isso faz
parte da lenta e difícil evolução humana. Estamos ainda nos arrancando dos
instintos animais, dos mecanismos condicionados pelos milénios do
passado genésico. O panorama actual do mundo nos dá a medida exacta do
nosso atraso evolutivo. O contraste chocante entre os
pesados lastros da barbárie e as aspirações renovadoras do futuro, geralmente
desprovidos de recursos materiais para realizações concretas urgentes, revelam
a densidade do nosso carma colectivo.
/…
José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações
terapêuticas, O Desenvolvimento Científico 2 de 3, 2º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: O peregrino sobre o mar de
névoa, por Caspar David
Friedrich)
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