Esclarecimento
A Filosofia Espírita foi reconhecida pelo Instituto de França e figura no Dicionário
Técnico da Filosofia, de Lalande. O reconhecimento da Ciência
Espírita, em virtude de suas implicações gnosiológicas profundas, que
provocaram uma revolução copérnica nas Ciências, e por causa da fragmentação
destas em diversas especificações, somente agora, com o desenvolvimento da
Parapsicologia, conseguiu o seu reconhecimento pelos grandes centros
universitários do mundo. Somente os espíritos sistemáticos e as instituições
dogmáticas (fora da área científica), ainda se opõem a esse reconhecimento,
jogando com argumentos e não com factos, portanto de maneira não-científica.
O Desenvolvimento Científico
A inquietação do mundo actual, na busca de novas soluções
para os problemas humanos, abrange todos os sectores das nossas actividades e
teria necessariamente de afectar o meio espírita. Mas a nossa
Doutrina não é uma realidade entranhada nas estruturas actuais. É um arquétipo
carregado de futuro, um vir-a-ser que se projecta precisamente
no que ainda não é, na rota das aspirações em demanda. Confundi-la com
as estruturas peremptas deste momento de transição e querer sujeitá-la às
normas e modelos do que já foi, é tentar prendê-la no círculo vicioso dos
abortos culturais. O Espiritismo, rejeitado pelo mundo agora agonizante, não é
cúmplice nem herdeiro, mas vítima inocente desse mundo, como Jesus e o
Cristianismo o foram no seu tempo.
Se não tomarmos consciência dessa realidade histórica, com a
lucidez necessária, não saberemos como sair do labirinto em que o Minotauro nos espera. O
fio de Ariadne, da
salvação, está nessa tomada de consciência. Na verdade, não é o fio mitológico,
mas o fio racional das proposições doutrinárias de Allan Kardec, limpidamente
científicas.
A prova disso ressalta aos olhos dos estudiosos e dos
pesquisadores experientes, que não se deixam levar pelo sopro da vaidade nos
seus precários balões de ensaio. Porque a hora é propícia às inovações
nefelibáticas do tipo de Rabelais. Para
andar nas nuvens os nefelibáticos não precisam mais de subir ao céu, basta-lhes
apanhar o elevador de um arranha-céus.
Não podemos adaptar o Espiritismo às exigências dos que
negaram e negam a existência dos espíritos, aviltando o princípio inteligente e
a razão nas correntes de Prometeu.
A Revelação Espiritual veio pelo Espírito de Verdade, mas a
Ciência Espírita (revelação humana) foi obra de Kardec. Ele mesmo proclamou
essa distinção e se entregou de corpo e alma ao trabalho científico,
sacrificial e único de elaboração da Ciência Admirável, que Descartes percebeu
por antecipação nos seus famosos sonhos premonitórios. Cientista, Pedagogo,
director de estudos da Universidade de França, médico e psicólogo (*) ,
ele se serviu da sua experiência e do seu saber omnímodo para organizar a Nova
Ciência, que se iniciara desdobrando as dimensões espaciais e humanas da Terra.
Nos meados do Século XIX, às portas do grande avanço científico do Século XX,
os cientistas ainda não percebiam a sua total ignorância da estrutura real do
planeta, das suas várias dimensões físicas e da sua população oculta. O peso
esmagador da tradição teológica, com a sua ciência infusa escorada na Bíblia
judaica, vendava os olhos da Ciência, que tinha de andar às cegas como a
própria justiça humana. Essa Ciência trôpega e bastarda, não obstante os seus
pressupostos atrevidos, contava no seu seio com os pioneiros do futuro. À
frente desses pioneiros se colocou Allan Kardec, dotado de
uma coragem assustadora, que lhe permitiu enfrentar com a insolência dos génios
todas as forças culturais da época. Graças à sua visão genial, o
solitário da Rua dos Mártires conseguiu despertar os maiores
cientistas do tempo para a realidade dos fenómenos espíritas, hoje
estrategicamente chamados paranormais. Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas como entidade científica e não religiosa. Dedicou-se a pesquisas exaustivas
e fundou a Revista Espírita para a divulgação ampla e
sistemática dos resultados dessas pesquisas. A sua coragem serviu de amparo e
estímulo aos cientistas que, surpreendidos pela realidade dos fenómenos,
fizeram os primeiros rasgos na cortina de trevas que cercava as mais imponentes
instituições científicas. Foi para contestá-lo e estigmatizá-lo como
inimigo das Ciências, comparsa dos bruxos medievais, restaurador das
superstições, que cientistas como Crookes, Schrenk-Notzing, Richet e
outros resolveram atender aos apelos angustiados das Academias e Associações
científicas. Dessa atitude corajosa resultou o escândalo das batalhas que
romperam o impasse científico, revelando que o bruxo agia com o conhecimento e
a segurança dos mais reputados cientistas. Era impossível desmenti-lo ou
derrotá-lo. Kardec rompera definitivamente as barreiras dos pressupostos para
firmar em bases lógicas e experimentais os princípios da Ciência Admirável dos
sonhos de Descartes e das previsões de Francês Bacon. A
metodologia científica, minuciosa e mesquinha, desdobrou-se no campo do
paranormal e aprofundou-se na pesquisa do inteligível com audácia platónica.
Kardec não se perdeu, como Wundt, Werner e Fechner, no sensível das
pesquisas epidérmicas do limiar das sensações. Percebeu logo que os métodos não
podiam ser aplicados a fenómenos extra físicos e estabeleceu o princípio da
adequação do método ao objecto. Quando alguns membros da Société
Parisien quiseram desviá-lo para a pesquisa biofísica das
materializações, ele recusou-se fazê-lo, alegando que essa tarefa cabia aos
especialistas das ciências materiais. Os objectivos que perseguia eram
psicológicos, por isso deu à Revue Spirite o subtítulo
de Jornal de Estudos Psicológicos. Quando Zöllner,
em Leipzig, realizou as suas pesquisas psicofísicas com o ectoplasma e o
problema da quarta dimensão, tornou-se evidente que o mestre estava no caminho
certo. Era preciso penetrar nos segredos da alma, deixando para os físicos as
questões materiais. A sua firmeza metodológica denunciava o génio de visão
segura e posição inabalável. Ele criava, como declarou, a Ciência dos Espíritos,
a sua natureza, as suas relações com a matéria e com os homens. Se não foi
colocado oficialmente entre os pioneiros da Ciência, foi porque a sua posição
era de rebeldia consciente e declarada contra o materialismo científico.
Afirmava nos seus escritos e palestras que os cientistas se empolgavam com o
campo objectivo dos efeitos materiais, fugindo à pesquisa das causas profundas
como o Diabo fugia da cruz. Mais tarde Richet, o fisiologista implacável,
reconheceria o rigor das suas pesquisas, a firmeza da sua posição, sem as quais
a Ciência não se libertaria da poeira da terra. Kant lhe opunha a
barreira de sua autoridade ao afirmar que a Ciência só era possível no plano
dialéctico. A proposição kantiana pesa até hoje na limitação das actividades
científicas. Mas a audácia de Kardec levou-o à vitória. Richet observou, numa
carta histórica a Ernesto
Bozzano, o grande metapsiquista italiano, que a posição kardeciana deste
contrastava decisivamente com as teorias que atravancam o caminho da
Ciência.
/…
(*) Pesquisas demonstraram que, embora portador de amplos
conhecimentos e com atuação em várias áreas, Kardec era apenas licenciado em
Ciências e Letras pelo Instituto Iverdun, na Suíça. (Nota da Editora.)
Herculano Pires, José – Ciência Espírita e suas implicações
terapêuticas, Esclarecimento, O Desenvolvimento Científico 1 de 3, 1º
fragmento.
(imagem de ilustração: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David
Friedrich)
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