quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O peregrino sobre o mar de névoa ~

Esclarecimento

A Filosofia Espírita foi reconhecida pelo Instituto de França e figura no Dicionário Técnico da Filosofia, de Lalande. O reconhecimento da Ciência Espírita, em virtude de suas implicações gnosiológicas profundas, que provocaram uma revolução copérnica nas Ciências, e por causa da fragmentação destas em diversas especificações, somente agora, com o desenvolvimento da Parapsicologia, conseguiu o seu reconhecimento pelos grandes centros universitários do mundo. Somente os espíritos sistemáticos e as instituições dogmáticas (fora da área científica), ainda se opõem a esse reconhecimento, jogando com argumentos e não com factos, portanto de maneira não-científica.

O Desenvolvimento Científico

A inquietação do mundo actual, na busca de novas soluções para os problemas humanos, abrange todos os sectores das nossas actividades e teria necessariamente de afectar o meio espírita. Mas a nossa Doutrina não é uma realidade entranhada nas estruturas actuais. É um arquétipo carregado de futuro, um vir-a-ser que se projecta precisamente no que ainda não é, na rota das aspirações em demanda. Confundi-la com as estruturas peremptas deste momento de transição e querer sujeitá-la às normas e modelos do que já foi, é tentar prendê-la no círculo vicioso dos abortos culturais. O Espiritismo, rejeitado pelo mundo agora agonizante, não é cúmplice nem herdeiro, mas vítima inocente desse mundo, como Jesus e o Cristianismo o foram no seu tempo.

Se não tomarmos consciência dessa realidade histórica, com a lucidez necessária, não saberemos como sair do labirinto em que o Minotauro nos espera. O fio de Ariadne, da salvação, está nessa tomada de consciência. Na verdade, não é o fio mitológico, mas o fio racional das proposições doutrinárias de Allan Kardec, limpidamente científicas.

A prova disso ressalta aos olhos dos estudiosos e dos pesquisadores experientes, que não se deixam levar pelo sopro da vaidade nos seus precários balões de ensaio. Porque a hora é propícia às inovações nefelibáticas do tipo de Rabelais. Para andar nas nuvens os nefelibáticos não precisam mais de subir ao céu, basta-lhes apanhar o elevador de um arranha-céus.

Não podemos adaptar o Espiritismo às exigências dos que negaram e negam a existência dos espíritos, aviltando o princípio inteligente e a razão nas correntes de Prometeu.

A Revelação Espiritual veio pelo Espírito de Verdade, mas a Ciência Espírita (revelação humana) foi obra de Kardec. Ele mesmo proclamou essa distinção e se entregou de corpo e alma ao trabalho científico, sacrificial e único de elaboração da Ciência Admirável, que Descartes percebeu por antecipação nos seus famosos sonhos premonitórios. Cientista, Pedagogo, director de estudos da Universidade de França, médico e psicólogo (*) , ele se serviu da sua experiência e do seu saber omnímodo para organizar a Nova Ciência, que se iniciara desdobrando as dimensões espaciais e humanas da Terra. Nos meados do Século XIX, às portas do grande avanço científico do Século XX, os cientistas ainda não percebiam a sua total ignorância da estrutura real do planeta, das suas várias dimensões físicas e da sua população oculta. O peso esmagador da tradição teológica, com a sua ciência infusa escorada na Bíblia judaica, vendava os olhos da Ciência, que tinha de andar às cegas como a própria justiça humana. Essa Ciência trôpega e bastarda, não obstante os seus pressupostos atrevidos, contava no seu seio com os pioneiros do futuro. À frente desses pioneiros se colocou Allan Kardec, dotado de uma coragem assustadora, que lhe permitiu enfrentar com a insolência dos génios todas as forças culturais da época. Graças à sua visão genial, o solitário da Rua dos Mártires conseguiu despertar os maiores cientistas do tempo para a realidade dos fenómenos espíritas, hoje estrategicamente chamados paranormais. Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas como entidade científica e não religiosa. Dedicou-se a pesquisas exaustivas e fundou a Revista Espírita para a divulgação ampla e sistemática dos resultados dessas pesquisas. A sua coragem serviu de amparo e estímulo aos cientistas que, surpreendidos pela realidade dos fenómenos, fizeram os primeiros rasgos na cortina de trevas que cercava as mais imponentes instituições científicas. Foi para contestá-lo e estigmatizá-lo como inimigo das Ciências, comparsa dos bruxos medievais, restaurador das superstições, que cientistas como CrookesSchrenk-NotzingRichet e outros resolveram atender aos apelos angustiados das Academias e Associações científicas. Dessa atitude corajosa resultou o escândalo das batalhas que romperam o impasse científico, revelando que o bruxo agia com o conhecimento e a segurança dos mais reputados cientistas. Era impossível desmenti-lo ou derrotá-lo. Kardec rompera definitivamente as barreiras dos pressupostos para firmar em bases lógicas e experimentais os princípios da Ciência Admirável dos sonhos de Descartes e das previsões de Francês Bacon. A metodologia científica, minuciosa e mesquinha, desdobrou-se no campo do paranormal e aprofundou-se na pesquisa do inteligível com audácia platónica. Kardec não se perdeu, como WundtWerner e Fechner, no sensível das pesquisas epidérmicas do limiar das sensações. Percebeu logo que os métodos não podiam ser aplicados a fenómenos extra físicos e estabeleceu o princípio da adequação do método ao objecto. Quando alguns membros da Société Parisien quiseram desviá-lo para a pesquisa biofísica das materializações, ele recusou-se fazê-lo, alegando que essa tarefa cabia aos especialistas das ciências materiais. Os objectivos que perseguia eram psicológicos, por isso deu à Revue Spirite o subtítulo de Jornal de Estudos Psicológicos. Quando Zöllner, em Leipzig, realizou as suas pesquisas psicofísicas com o ectoplasma e o problema da quarta dimensão, tornou-se evidente que o mestre estava no caminho certo. Era preciso penetrar nos segredos da alma, deixando para os físicos as questões materiais. A sua firmeza metodológica denunciava o génio de visão segura e posição inabalável. Ele criava, como declarou, a Ciência dos Espíritos, a sua natureza, as suas relações com a matéria e com os homens. Se não foi colocado oficialmente entre os pioneiros da Ciência, foi porque a sua posição era de rebeldia consciente e declarada contra o materialismo científico. Afirmava nos seus escritos e palestras que os cientistas se empolgavam com o campo objectivo dos efeitos materiais, fugindo à pesquisa das causas profundas como o Diabo fugia da cruz. Mais tarde Richet, o fisiologista implacável, reconheceria o rigor das suas pesquisas, a firmeza da sua posição, sem as quais a Ciência não se libertaria da poeira da terra. Kant lhe opunha a barreira de sua autoridade ao afirmar que a Ciência só era possível no plano dialéctico. A proposição kantiana pesa até hoje na limitação das actividades científicas. Mas a audácia de Kardec levou-o à vitória. Richet observou, numa carta histórica a Ernesto Bozzano, o grande metapsiquista italiano, que a posição kardeciana deste contrastava decisivamente com as teorias que atravancam o caminho da Ciência.

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(*) Pesquisas demonstraram que, embora portador de amplos conhecimentos e com atuação em várias áreas, Kardec era apenas licenciado em Ciências e Letras pelo Instituto Iverdun, na Suíça. (Nota da Editora.)



Herculano Pires, José – Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Esclarecimento, O Desenvolvimento Científico 1 de 3, 1º fragmento.
(imagem de ilustração: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

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