Laureado pela Academia Brasileira de Letras e pela Câmara
Brasileira do Livro, Caio Porfírio Carneiro (escritor sem vínculo com o
Espiritismo) publicou no jornal “Linguagem Viva”, edição de outubro de 2000,
uma crónica sobre Herculano
Pires, da qual extraio os seguintes tópicos que retratam o mestre:
“Parece que estou vendo Herculano Pires sentado no bar, em
frente ao prédio dos Diários Associados, na Rua 7 de Abril, aqui em São Paulo,
onde trabalhava, naquela tarde ensolarada, cercado de amigos, bebendo qualquer
coisa, creio que nada alcoólico, e respondendo nossas perguntas curiosas sobre
Espiritismo. Era ele um estudioso e devoto da doutrina, kardecista famoso,
convidado anualmente pela direcção do Bradesco para a festa na Cidade de Deus,
criação do presidente do Banco, Amador Aguiar, para os funcionários. Era e
sempre foi uma festa belíssima do dia de acção de Graças. Compareciam
representantes de destaque das mais diversas religiões cristãs. O único que
representava uma corrente espiritual não religiosa era Herculano Pires. Quando
chegava a sua vez de falar e abria o verbo, encantava a todos. (...) Tipo mais
ou menos gordo, estatura mediana, óculos, andar meio bamboleante, rosto cheio,
corado, irradiava uma simpatia pessoal muito grande. (...) Não externava
sua cultura, sua vasta leitura em praticamente todos os campos do conhecimento. Criatura
modesta, cavalheiro de primeira linha, simples por natureza. Apenas quando
soltava o verbo, como nas festas da Cidade de Deus, o vulcão vinha ao vivo,
mostrava-se fulgurante, brilhante, dono de uma inteligência privilegiada.”
Observações precisas, as de Caio Porfírio Carneiro.
José Herculano Pires foi o que podemos chamar homem
múltiplo. Em todas as áreas do conhecimento em que desenvolveu actividades –
dentro e fora do movimento doutrinário – a sua inteligência superior iluminada
pela Doutrina Espírita e pela cultura humanística brilhava com grande
magnitude, fazendo o povo crescer espiritualmente.
Herculano Pires foi mestre em Filosofia da Educação na
Faculdade de Filosofia de Araraquara e membro da Sociedade Brasileira de
Filosofia. Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de
São Paulo e fundador do Clube dos Jornalistas Espíritas de São Paulo, que
presidiu por longos anos. Director da União Brasileira de Escritores e
vice-presidente do Sindicato dos Escritores de São Paulo. Presidente do
Instituto Paulista de Parapsicologia. Romancista, recebeu em São Paulo o
“Prémio Municipal de Cultura” e foi reconhecido pela crítica como um dos
renovadores do romance brasileiro.
E, o que é mais importante: espírita desde os vinte e dois
anos de idade, ninguém no Brasil e no estrangeiro mergulhou tão fundo nas
águas cristalinas da Codificação Kardeciana e ninguém defendeu mais – e com
mais competência do que ele – a pureza doutrinária, que colocava
acima das instituições e dos homens, de que é exemplo a batalha dantesca que
travou quando uma edição adulterada de trinta mil exemplares de O
Evangelho Segundo o Espiritismo fora publicada por uma das maiores
federações espíritas do Brasil.
“Todo espírita consciente de suas responsabilidades
humanas e doutrinárias está no dever intransferível de lutar contra
essas ondas de poluição espiritual que pesam na atmosfera
terrena. Ninguém tem o direito de cruzar os braços em nome de uma falsa
tolerância que os levará à cumplicidade”, declarou o mestre. (i)
(i) Vide a obra Curso Dinâmico de
Espiritismo, capítulo 20, editora Paidéia.
Para comer o pão da verdade só necessitamos dos
dentes do bom-senso, dizia ele.
Herculano Pires, desde o ano da conversão ao Espiritismo ao
de sua desencarnação, ou seja, durante quarenta e três anos ininterruptos,
ampliou superlativamente a cultura espírita, propagou e defendeu os princípios
doutrinários no Rádio, na TV, nos jornais, no livro e na tribuna. Ele foi
o fermento de que nos fala o Evangelho. E, notemos, foi imbatível esse apóstolo de Allan Kardec! As suas
principais batalhas doutrinárias estão relatadas nesta biografia com absoluta
fidelidade, pois além de testemunhá-las, participei de algumas e seu vasto
acervo doutrinário, incluindo o diário íntimo, (ii) me fora
cedido pela esposa.
(ii) Herculano Pires desde menino gostava de
fazer anotações num diário. Escreveu vários. Num deles anotou estes
pensamentos: “Às vezes me pergunto por que este prazer mórbido de registar
num diário os acontecimentos, os pensamentos, as emoções, as ocorrências de uma
vida obscura. (...) O facto é que anoto, registo, comento, protesto, censuro e
louvo para mim mesmo – ao menos assim me parece – mas nem por isso deixo de
pensar, às vezes, que estes rabiscos possam ter um destino diferente, um
endereço oculto.” Palavras proféticas, porque os rabiscos de Herculano
Pires tinham, realmente, um endereço oculto: o meu, o de seu futuro biógrafo.
Reencontrei Herculano Pires nesta existência no ano de 1952
na cidade de São Paulo, na tradicional Livraria Teixeira – ponto de encontro de
escritores e poetas. Tinha eu vinte e oito anos de idade e ele trinta e oito. É
curioso: reencarnamos no dia 25 de setembro. Ele em 1914, durante a primeira
grande guerra, e eu dez anos depois, durante a revolução de 1924. Mas a
nossa amizade tem raízes em vidas anteriores – desde o tempo de Roma Imperial.
Quando as nossas vozes eram ouvidas no senado romano trabalhamos secretamente
em favor do triunfo das ideias revolucionárias de Cristo. E, como toquei agora
em assunto tão delicado que, certamente, despertará a curiosidade dos leitores,
convido-os a ler o trecho de uma conversa de Herculano Pires comigo
e por mim gravada em 1972, trecho que somente hoje dou à publicidade, no qual
relata ele uma encarnação sua no século XIX (ao tempo de Allan Kardec), quando foi
eminente historiador, romancista e poeta português.
O referido trecho do saudoso companheiro de batalhas
espirituais encontra-se no fim deste volume.
São Paulo, 1º de Dezembro de 2000.
Jorge Rizzini
Apêndice
Herculano Pires revela uma sua
encarnação
Na noite de 14 de julho de 1972 gravei em fita magnética a
conversa que mantive com Herculano Pires no
seu lar após os trabalhos mediúnicos. Trata-se de uma entrevista longa e
informal, improvisada, durante a qual ele revelou uma sua encarnação. Eu lhe
havia prometido que somente a divulgaria após a sua passagem para o Grande
Além. Eis o trecho em questão: (iii)
(iii) A entrevista completa encontra-se no meu
livro Imortalidade.
(Rizzini) – Suponhamos que você, Herculano, estivesse
vivendo no século XIX na França e visse nas livrarias de Paris O Livro
dos Espíritos, de Allan
Kardec, lançado nesse dia nas livrarias. Qual a sua impressão após a
leitura da obra?
(Herculano) – Jorge Rizzini, você me dá
a oportunidade de fazer aqui (já que você não pretende divulgar imediatamente;
esta é uma fita que vai ficar para o futuro. Eu nunca pensei que tivesse a
oportunidade de falar para o futuro. Acho que é uma pretensão muito grande.
Mas, em todo o caso, como você está abrindo essa porta, eu vou falar para o
futuro). Eu queria dizer que no século passado (XIX), e isto não é um sonho,
uma ilusão, é uma convicção adquirida através de pesquisas que eu fiz e que
nunca revelei a ninguém, levado por uma revelação; uma revelação inesperada
através de um médium inteiramente ignorante do assunto e que me abriu o caminho
para uma possibilidade muito interessante. Vamos esclarecer isto. No século XIX
eu estive na França, realmente, mas não era francês. Eu era português. Eu
morava em Portugal, onde tive uma encarnação. Eu fui parar a França como
exilado. E como exilado tomei conhecimento do Espiritismo, mas não o aceitei
porque eu era católico. E era um tipo católico muito comum, aliás, em Portugal,
naquela época. Discordava dos padres, brigava com o clero e não aceitava muito
o catolicismo. O meu desejo era encontrar uma forma de fazer o
Cristianismo voltar ao seu estado primitivo, quer dizer, voltar à verdade pura
do Cristo. Era este
o meu desejo. Como naquela época eu era também jornalista, como sou hoje, isso
ficou gravado em alguns jornais portugueses, o que se pode constatar.
(Rizzini) – Um pormenor, Herculano. Você se lembraria
do nome que tinha?
(Herculano) – Eu não quero dizer, Rizzini. Você me
perdoa isso, mas eu não quero dizer. Eu sei que nessa ocasião...
(Rizzini) – Mas esta é uma entrevista para o futuro.
(Herculano) – Sim, eu sei, mas o futuro depois verá. Mas
eu tive, então, oportunidade de saber que se estava processando uma nova
revelação, mas Portugal era um país profundamente católico e qualquer
infiltração de outra religião lá seria prejudicial, porque o povo não estava à
altura, segundo eu pensava, de aceitar uma nova concepção de Deus. Então, não
adoptei o Espiritismo. Continuei
católico até ao fim, mas um católico às avessas, porque continuamente em luta
com o próprio clero. Então, eu diria a você: não tenho certeza que eu vi algum
livro espírita, mas sei que tive conhecimento do Espiritismo. Mas se eu visse O
Livro dos Espíritos em Paris, nesse dia 14 de julho, naquela época (na
data da tomada da Bastilha) eu, certamente, não teria o impacto que hoje me
provocaria essa visão. Porque não sabia ainda o que era o Espiritismo, nem
tinha possibilidade de saber que ele realizava aquele meu sonho: o sonho da
volta ao Cristianismo primitivo. Só depois de passar para o mundo espiritual
foi que eu tive contacto pleno com a nova revelação. Interessante: foi
no Espaço que eu me tornei espírita. Quando eu vim para a Terra,
portanto, nascendo aqui no Brasil dessa vez – e nascendo em Avaré, no Estado de
São Paulo, no dia 25 de setembro de 1914...
(Rizzini) – E no meio católico...
(Herculano) – Também numa família católica. Tendo
educação católica, eu, entretanto, já trazia ideias espíritas bem acentuadas,
que se foram revelando em mim independentemente de qualquer influência
exterior. De maneira que, agora sim, se eu tivesse depois disso um encontro com O
Livro dos Espíritos numa livraria de Paris, para mim seria uma grande
emoção, uma emoção extraordinária.
(Rizzini) – E se você encontrasse numa das ruas do
centro de Paris, de súbito, ao dobrar uma esquina, a figura de Allan Kardec?
(Herculano) – Bem... Se eu o encontrasse agora, nesta
época, quer dizer, depois que sou espírita, então para mim seria uma coisa
extraordinária, porque Allan
Kardec representa a figura exponencial dos novos tempos na Terra. Jesus
veio para implantar no mundo o Reino de Deus – e realmente ele realizou esse
trabalho maravilhoso, pois o implantou no coração e na consciência dos poucos
homens que foram capazes de compreendê-lo até hoje – e o Reino de Deus vai
desenvolvendo-se lentamente através dos séculos, vai realizando-se apesar dos
homens. De maneira que Jesus representou
essa figura extraordinária, e Kardec é o seu
continuador. Kardec foi aquele que veio trabalhar na era decisiva da
implantação do Reino de Deus em maior amplitude. Kardec é quem trouxe a
revelação que o Espírito de Verdade transmitiu; ele trouxe
essa possibilidade extraordinária de abrir as perspectivas do mundo para uma
era inteiramente nova que está nascendo aos nossos olhos neste momento, neste
século XX.
Herculano Pires, certamente tomado por um súbito sentimento
de pejo, não revelou o nome que tivera na existência anterior em Portugal, mas
anos depois de sua desencarnação pesquisei a vida dos grandes vultos da
literatura lusitana do século XIX e descobri inúmeros pontos de contacto (a
começar pelo nome) entre ele e o célebre jornalista, romancista, poeta e
historiador Alexandre
Herculano, o qual ao tempo de Allan Kardec se
exilara na França. O mesmo carácter impoluto e inflexível;
o sentimento religioso; a oposição ao clero; o amor à literatura,
particularmente à poesia e ao romance; e, sobretudo, a
fidelidade à verdade.
A propósito da extremada fidelidade à verdade, medite o
leitor sobre o seguinte texto, mas procurando descobrir se o autor é o
Herculano nascido em Portugal ou o brasileiro:
“Quando a justiça de Deus põe a pena na destra do
historiador, ao passo que lhe põe na esquerda os documentos indubitáveis de
crimes que pareciam escondidos para sempre debaixo das lousas, ele deve seguir
avante sem hesitar, embora a hipocrisia ruja em redor, porque a missão do
historiador tem nesse caso o que quer que seja de divina.” (iv)
(iv) Texto extraído do volume terceiro, página
192, da obra Opúsculos, de Alexandre Herculano (autor, inclusive,
da História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal).
Parece-nos evidente tratar-se de um só Espírito.
As informações sobre a reencarnação de Herculano Pires foram
por mim guardadas, sigilosamente, durante décadas. Somente dias atrás, em
conversa com Heloísa
Pires, me referi à pesquisa, mas antes que lhe revelasse o resultado ela
exclamou sorrindo:
– Meu pai é a reencarnação de Alexandre Herculano. O pai,
certa vez, comentou isso!
Não foi, pois, por outra razão que quatro anos antes da
desencarnação Herculano
Pires redigira um extenso e belo artigo exaltando a sua antiga
pátria e o renascimento do movimento espírita lusitano. (v)
(v) Vide a revista “Estudos Psíquicos”, de
Lisboa, edição de junho de 1975.
Não estamos, porém, dogmatizando, mesmo porque o julgamento
final cabe, evidentemente, ao leitor.
/...
Jorge Rizzini, José Herculano Pires o Apóstolo de Kardec o Homem, a Vida, a Obra, Apresentação e, Apêndice – Herculano Pires revela uma sua encarnação, 1º.s fragmentos soltos da obra.
(imagem de ilustração: São Luís com
a coroa de espinhos, desenho de Alexandre Cabanel)
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