Introdução |
A história do conhecimento é uma sequência de erros, equívocos e frustrações. É
este o motivo pelo qual Sócrates costumava
explicar: “Só sei que nada sei, e que a filosofia começa quando começamos a
duvidar.”
Outra coisa não tem feito o homem, desde as
cavernas da era pré-lacustre, do que errar para aprender. A história da
civilização não é, portanto, somente a da luta de classes, segundo o
materialismo dialéctico, mas a própria história do erro. Como, entretanto, do
erro, do equívoco, da frustração, nasceram sempre e em todos os tempos o
conhecimento e a sabedoria, mais uma vez se comprova, no terreno do pensamento,
o processo dialéctico da natureza, que do pântano arranca os lírios, da larva a
borboleta, do pecador o santo, do caos da sociedade capitalista os contornos do
socialismo.
Quando Demócrito firmou
o princípio atómico da constituição do mundo, cometeu toda uma série de erros,
atribuindo à suposta partícula indivisível a diversidade de peso no vácuo, e
dotando-a de ganchos para a composição da matéria. Não obstante, havia
descoberto, mais de trezentos anos antes de Cristo, o segredo da constituição
do mundo, que a física experimental só encontraria vinte e quatro séculos
depois.
Ao formular a base dialéctica da sua filosofia, Hegel unificou
o “ser” e o “pensar” de Kant, mas caiu no
equívoco da “ideia universal”, espécie de encarnação filosófica do caprichoso
deus antropomórfico das religiões. Feuerbach teve a
coragem de fazer a filosofia descer do empíreo hegeliano à
terra, para ligá-la às ciências naturais, mas caiu na frustração da
“antropologia”, novamente separando o “ser” do “pensar” e transformando este
último numa simples função da matéria. Não obstante, apoiados na dialéctica de
Hegel e no materialismo de Feuerbach, Marx e Engels criaram o
materialismo dialéctico, dando novo impulso ao pensamento filosófico, abrindo
novas possibilidades à investigação dos processos históricos e sociais,
oferecendo base científica às aspirações do socialismo empírico.
Foram os génios transformadores do século XIX, tornando-se
credores de todos os que – e são a humanidade – desfrutam hoje da possibilidade
de uma caminhada mais rápida nos rumos da civilização socialista. Stanley Jones, o
grande missionário protestante, conhecido como “o cavaleiro do Reino de Deus”,
observa, em Cristo e o Comunismo, que Marx impulsiona a história, limpando o
templo da praga dos vendilhões, à semelhança do chicote do rabino, que ainda
hoje espanta os cristãos comodistas.
Entretanto, a filosofia que Marx e Engels ofereceram ao
mundo, como a mais alta expressão do conhecimento, não passa de uma forma
híbrida, que se travestiu de síntese. A tese de Hegel e a antítese de Feuerbach
não se conjugam na moderna escolástica do materialismo dialéctico, pois ali
estão, sem dúvida, forçadas pela violência gráfica, duas palavras
contraditórias e irredutíveis, que não encontram caminho para o desenvolvimento
da síntese. O materialismo é a porta fechada, diante da qual se interrompe,
abruptamente, o processo dialéctico de Hegel.
Marx condenou a “incapacidade burguesa” de Proudhon para
compreender a lei fundamental da dialéctica hegeliana, a “unidade dos
contrários”, e chamou-o de falsificador, por ter feito a escolha indébita de um
dos contrários, a propriedade “boa”, rejeitando dessa maneira a própria
dialéctica. Mas, em compensação – rejubile-se o Espírito de Proudhon! –, ele e
Engels não fizeram outra coisa. A luta dos contrários foi simplesmente
frustrada na elaboração da dialéctica moderna, que se formou pela mesma e
indébita escolha de um dos contrários. O materialismo dialéctico considerou
“mau” o princípio espiritual, escolhendo como “bom” apenas o material. Por isso
mesmo, não obstante a enorme contribuição que trouxe à marcha do conhecimento,
não é mais do que uma tentativa de síntese.
/…
José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico – Introdução, 1º
fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Vi o caçador levantar o
arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)
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