O amor é a celeste atracção das almas e dos mundos, a
potência divina que liga os Universos, governa-os e fecunda-os; o amor é o
olhar de Deus!
Não se designe com tal nome a ardente paixão que atiça os desejos carnais. Esta
não passa de uma imagem, de um grosseiro simulacro do amor. O amor é o
sentimento superior em que se fundem e se harmonizam todas as qualidades do
coração; é o coroamento das virtudes humanas, da doçura, da caridade, da
bondade; é a manifestação na alma de uma força que nos eleva acima da
matéria, até às alturas divinas, unindo todos os seres e despertando em nós
a felicidade íntima, que se afasta extraordinariamente de todas as volúpias
terrestres.
Amar é sentir-se viver em todos e por todos, é consagrar-se ao sacrifício, até
à morte, em benefício de uma causa ou de um ser. Se quiseres saber o que é
amar, considera os grandes vultos da Humanidade e, acima de todos, Cristo, o amor encarnado,
Cristo, para quem o amor era toda a moral e toda a religião. Não disse ele: “Amai
os vossos inimigos”?
Por essas palavras, Cristo não exige da nossa parte uma
afeição que nos seja impossível, mas sim a ausência de todo ódio, de
todo o desejo de vingança, uma disposição sincera para ajudar nos momentos
precisos aqueles que nos atribulam, estendendo-lhes um pouco de auxílio.
Uma espécie de misantropia, de lassidão moral por vezes
afasta do resto da Humanidade os bons Espíritos. É necessário reagir contra
essa tendência para o insulamento; devemos considerar tudo o que há de grande e
belo no ser humano, devemos recordar-nos de todos os sinais de afecto, de todos
os actos benévolos de que temos sido objecto. Que poderá ser o homem separado
dos seus semelhantes, privado da família e da pátria? Um ente inútil e
desgraçado. As suas faculdades estiolam-se, as suas forças se enfraquecem, a
tristeza invade-o. Não se pode progredir isoladamente. É imprescindível
viver com os outros homens, ver neles companheiros necessários, O bom humor
constitui a saúde da alma. Deixemos o nosso coração abrir-se às impressões sãs
e fortes. Amemos para sermos amados!
Se a nossa simpatia deve abranger a todos os que nos
rodeiam, seres e coisas, a tudo o que nos ajuda a viver e mesmo a todos os
membros desconhecidos da grande família humana, que amor profundo, inalterável,
não devemos aos nossos genitores: ao pai, cuja solicitude manteve a nossa infância,
que por muito tempo trabalhou em aplanar a rude vereda da nossa vida; à mãe,
que nos acalentou e nos reaqueceu no seu seio, que velou com ansiedade
os nossos primeiros passos e as nossas primeiras dores! Com que carinhosa
dedicação não deveremos rodear-lhes a velhice, reconhecer-lhes o afecto e os
cuidados assíduos!
À pátria também devemos o nosso concurso e o nosso
sacrifício. Ela recolhe e transmite a herança de numerosas gerações que
trabalharam e sofreram para edificar uma civilização de que recebemos os
benefícios ao nascer. Como guarda dos tesouros intelectuais acumulados pelas
idades, ela vela pela sua conservação, pelo seu desenvolvimento; e, como mãe
generosa, os distribui por todos os seus filhos. Esse património sagrado,
ciências e artes, leis, instituições, ordem e liberdade, todo esse
acervo produzido pelo pensamento e pelas mãos dos homens, tudo o que
constitui a riqueza, a grandeza, o génio da nação, é compartilhado por todos.
Saibamos cumprir os nossos deveres para com a pátria na medida das vantagens
que auferimos. Sem ela, sem essa civilização que ela nos lega, não seríamos
mais que selvagens.
Veneremos a memória desses que têm contribuído com as suas
vigílias e com os seus esforços para reunir e aumentar essa herança; veneremos
a memória dos heróis que têm defendido a pátria nas ocasiões criticas, de todos
esses que têm, até à hora da morte, proclamado a verdade, servido à justiça, e
que nos transmitiram, tingidas pelo seu sangue, as liberdades, os progressos
que agora gozamos.
O amor, profundo como o mar, infinito como o céu, abraça
todas as criaturas. Deus é o seu foco. Assim como o Sol se
projecta, sem exclusões, sobre todas as coisas e reaquece a natureza inteira,
assim também o amor divino vivifica todas as almas; os seus raios, penetrando
através das trevas do nosso egoísmo, vão iluminar com trémulos clarões os
recônditos de cada coração humano. Todos os seres foram criados para amar. As
partículas da sua moral, os germes do bem que em si repousam,
fecundados pelo foco supremo, expandir-se-ão algum dia, florescerão até que
todos sejam reunidos numa única comunhão do amor, numa só fraternidade
universal.
Quem quer que sejas, vós que ledes estas páginas, fica
sabendo que nos encontraremos algum dia, quer neste mundo, nas existências
vindouras, quer em esfera mais elevada ou na imensidade dos espaços; sabei
que somos destinados a nos influenciarmos no sentido do bem, a nos
ajudarmos na ascensão comum. Filhos de Deus, membros da grande família dos
Espíritos, marcados na fronte com o sinal da imortalidade, todos somos
irmãos e estamos destinados a conhecermo-nos, a unirmo-nos na santa harmonia
das leis e das coisas, longe das paixões e das grandezas ilusórias da Terra.
Enquanto esperamos esse dia, que o meu pensamento se estenda sobre vós como
testemunho de terna simpatia; que ele vos ampare nas dúvidas, vos console nas
dores, vos conforte nos desfalecimentos e que se junte ao vosso próprio
pensamento para pedir ao Pai comum que nos auxilie a conquistar um futuro
melhor.
/...
LÉON DENIS, Depois da Morte, Parte Segunda Os Grandes Problemas
– O Amor.
(imagem de ilustração: The Little Knitter_1882,
pintura de William-Adolphe
Bouguereau)
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