Introdução ||
A Génese
Apesar da parte que compete à actividade humana na
elaboração desta doutrina, a sua iniciativa pertence aos Espíritos, mas não se
baseia na opinião pessoal de nenhum deles; não é, e não pode sê-lo, mais do que
a consequência dos seus ensinamentos colectivos e concordantes. Só
nesta condição se lhe pode dar o nome de doutrina dos Espíritos; caso
contrário, não passaria da doutrina de um Espírito e teria
apenas o valor de uma opinião pessoal.
Generalidade e consequência no ensino, é este o
carácter essencial da doutrina, a própria condição da sua existência; daqui
resulta que qualquer princípio que não tenha sido submetido ao controlo da
generalidade não pode ser considerado parte integrante desta doutrina, mas
simples opinião isolada de que o Espiritismo não pode assumir a
responsabilidade.
É esta concordância colectiva das opiniões dos Espíritos,
passada, além disso, pelo critério da lógica, que constitui a força
da doutrina espírita, garantindo-lhe a perpetuidade. Para que se alterasse,
seria necessário que a universalidade dos Espíritos mudasse de opinião e que,
um dia, viessem dizer o contrário do que tinham dito; dado que tem a sua fonte
nos ensinamentos dos Espíritos, para sucumbir, seria necessário que os
Espíritos deixassem de existir. É também o que fará com que prevaleça sempre
sobre as teorias pessoais que não têm, como ela, as suas raízes em
todo o lado.
O Livro dos Espíritos só viu o seu prestígio
consolidar-se por ser a expressão de uma ideia colectiva geral; no
mês de Abril de 1867, viu cumprir-se o seu primeiro decénio; durante este
intervalo, os princípios fundamentais a que colocou as bases foram
sucessivamente completados e desenvolvidos como consequência do progressivo
ensinamento dos Espíritos, mas nenhum deles sofreu o desmentido da experiência;
todos, sem excepção, permaneceram de pé mais robustos do que nunca, enquanto,
de todas as ideias contraditórias que tentaram opor-lhes, nenhuma prevaleceu,
precisamente porque em todos os lados se ensinava o contrário. É este um
resultado característico que podemos proclamar sem vaidade, já que nunca
reivindicámos para nós o seu mérito.
Tendo as nossas outras obras sido redigidas com iguais
escrúpulos, foi-nos possível classificá-las segundo os Espíritos, dado
que tínhamos a certeza da sua conformidade com os ensinamentos gerais dos
Espíritos. Passa-se o mesmo com esta, que podemos por motivos semelhantes,
considerar complemento das precedentes, com a excepção, no entanto, de algumas
teorias ainda hipotéticas que tivemos o cuidado de indicar como tal e que devem
ser consideradas só como opiniões pessoais até serem confirmadas, ou
contrariadas, para que sobre a doutrina não pese essa responsabilidade.
De resto, os leitores assíduos da Revista (i) terão
podido aperceber-se do esboço da maior parte das ideias que se encontram
desenvolvidas neste último trabalho, tal como fizemos para os precedentes. A Revista é
frequentemente para nós um campo de ensaio destinado a sondar a opinião
dos homens e dos Espíritos a respeito de certos princípios, antes de
serem admitidos como partes constituintes da doutrina.
/…
(i) Revue Spirite
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o
Espiritismo, Introdução 2 de 2, 2º fragmento da obra. Tradução portuguesa de
Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de ilustração: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)
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