sexta-feira, 31 de agosto de 2018

a pedra e o joio ~


~ o espírito como objecto ~

   Kardec transformou o espírito, entidade metafísica, em objecto específico de pesquisa científica. Nem mesmo a reacção kantiana, nos séculos XVIII e XIX, com a crítica da razão, estabelecendo os supostos limites do conhecimento em termos do Empirismo inglês, impediu essa transformação. Na própria Alemanha o professor Friedrich Zöllner, da Universidade de Leipzig, submeteu o espírito à investigação de Kardec e Schrenck Von Notzing, em Berlim, instalou o primeiro laboratório de pesquisa espírita do mundo. Hoje os cientistas soviéticos, na maior fortaleza ideológica do materialismo no mundo, provaram sem querer a existência do espírito e do seu corpo espiritual, a que passaram a chamar de corpo bioplasmático. As pesquisas realizadas com o fenómeno da morte mostrou-lhes que o corpo material é vitalizado por ele e por ele mantido em função. A última novidade da Biologia soviética é essa descoberta que atenta contra o materialismo de Estado.

O espírito convertido em objecto de investigação física e biológica é hoje a prova inegável da vitória de Kardec. Mas Kardec avançou além dessa posição actual. Ele não se limitou a pesquisar o espírito como objecto acessível à percepção sensorial. Da mesma maneira por que o pensamento, na Lógica, é um objecto não-físico – e hoje na Parapsicologia um objecto extrafísico –, Kardec submeteu o espírito a pesquisas psicológicas e provou a sua realidade energética, a sua natureza dupla, de energia espiritual pura manifestada no corpo espiritual, de natureza semimaterial. Os instrumentos de que se serviu para essa audaciosa pesquisa constituem hoje os campos de força da percepção extra-sensorial, cuja realidade palpável foi demonstrada pelas experiências de laboratório dos mais eminentes parapsicólogos. A aparelhagem mediúnica das pesquisas de Kardec, ridicularizadas pelos sabichões do tempo, como Richet os classificou, é hoje cientificamente reconhecida, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, na Alemanha quanto na URSS.

Kardec desenvolveu o seu método de pesquisa tendo por base o processo de comunicação. Hoje estamos na época da comunicação e essa palavra adquiriu um valor científico de importância básica. Mas a palavra comunicação já era, no tempo de Kardec, uma categoria da Filosofia Espírita e designava um elemento fundamental da pesquisa espírita. A comunicação mediúnica abriu para o homem uma nova dimensão na sua concepção do mundo e da vida. E Kardec dedicou-lhe todo um tratado, com O Livro dos Médiuns, estabelecendo as regras metodológicas da comunicação entre os vivos da Terra e os supostos mortos do Além. Nenhum tratado actual de Parapsicologia conseguiu superar o que Kardec descobriu e expôs nesse volume.

Com essa descoberta Kardec revolucionou o campo central das estruturas religiosas. O problema da Revelação, que representava uma fortaleza aparentemente inexpugnável da Religião, o seu mistério essencial e fundamental, foi cruamente esclarecido. E a posição metodológica de Kardec enriqueceu-se com a possibilidade de investigar as próprias bases da Religião. Mostrando que a fonte da Revelação é a comunicação mediúnica, Kardec pôde estabelecer a relação entre Ciência e Religião de maneira definitiva. Existe, explicou ele, a Revelação Espiritual, que consiste no ensino de leis do mundo espiritual através da comunicação mediúnica, e existe a Revelação Científica, que consiste na explicação de leis do mundo material através da comunicação científica, feita pelos pesquisadores. A Ciência Espírita utilizou-se dessas duas formas de revelação e estabeleceu a conjugação de ambas para o controlo do conhecimento da realidade, que é o objectivo directo da Ciência.

Foi assim que Kardec, adoptando uma orientação metodológica segura e nunca dela se afastando, conseguiu, finalmente, desdobrar a moderna concepção do mundo, revelando a face oculta da própria Terra em que vivemos e aniquilando o último reduto do maravilhoso ou sobrenatural. Graças a ele, ao seu trabalho gigantesco e ao sacrifício total de sua existência, os cientistas actuais poderão prosseguir no desenvolvimento das Ciências, sem tropeçar nas barreiras supersticiosas, mitológicas, mágicas e teológicas do passado. Kardec completou a Ciência com a sua contribuição espantosa. Fez, praticamente sozinho, no campo do espírito, e em apenas quinze anos de trabalho, o que milhares de equipas de cientistas, no campo da matéria, realizaram através de pelo menos três séculos.

E a precisão do seu método se confirma nas conclusões inabaladas e inabaláveis a que chegou sozinho, muitas vezes criticado pelos seus próprios companheiros, que o acusavam de personalismo centralizador. Faltava aos próprios companheiros o espírito científico que o sustentou na batalha sem tréguas. Os que hoje desejam confundir as coisas, ignorando o problema metodológico em Kardec, aceitando mistificações grosseiras de espíritos pseudo-sábios, servem apenas para provar, ainda nos nossos dias, como e quanto Kardec avançou no futuro, superando em muito o seu e o nosso tempo.

Só a ignorância orgulhosa ou a inteligência vaidosa e interesseira podem hoje querer superar Kardec, quando a própria Ciência e a própria Filosofia actuais estão ainda rastreando as conquistas de Kardec, nos rumos de futuras descobertas. O Espiritismo evolui, como tudo evolui no Universo. Esse é um axioma espírita. Mas a obra de superação de Kardec pertence às gerações do amanhã, pois a geração actual não revelou ainda condições sequer para compreender Kardec. Por outro lado, é bom lembrar que a superação de Kardec não será mais do que o prosseguimento do seu trabalho, o desdobramento da sua obra, na medida em que o homem se torne mais apto a compreender o que Kardec ensinou. O atraso actual do movimento espírita sugere-nos, mesmo, que talvez o próprio Kardec tenha de voltar à Terra, como os Espíritos lhe disseram na ocasião em que esteve entre nós, para completar a sua obra, que homem nenhum foi capaz até ao momento de ampliar em qualquer sentido.

Os leitores que desejarem verificar as comprovações parapsicológicas actuais das pesquisas de Kardec poderão fazê-lo em duas fontes: a nossa tradução anotada de O Livro dos Médiuns e o nosso livro Parapsicologia Hoje e Amanhã, na sua quarta edição. Neste último encontrar-se-á um capítulo especial sobre a descoberta do corpo bioplasmático pelos físicos e biólogos soviéticos.

Fotografias da aura das coisas e dos seres têm sido apresentadas como fotografias da alma e justamente rejeitadas pelas pessoas de bom senso. Essas fotos pertencem à fase da efluviografia nas experiências com as câmaras Kirlianas. As fotografias do corpo bioplasmático são as que realmente correspondem à alma.

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José Herculano Pires, A pedra e o joio, Crítica à teoria corpuscular do espírito, O espírito como objecto, 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As Colhedoras de Grãos, pintura a óleo por Jean-François Millet)

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


Introdução

Os argumentos em favor da sobrevivência humana, isto é, os de que a morte é um acontecimento que só diz respeito ao corpo, são tão velhos quanto o mundo. Parte deles pode ser considerada como teológica, baseada na bondade e na justiça de um Criador, ao passo que a outra parte, que se pode chamar de antropológica, se apoia na repulsão instintiva da ideia de aniquilamento no homem e ainda no postulado de que os instintos, produto da evolução, devem corresponder, até certo ponto, à realidade.

Nesta obra não me apoio em nenhum destes argumentos, respeitando-os todavia. De facto, não alimento desejo algum de controvérsia, porém toda a minha tese repousa na experiência e na aceitação de uma categoria de factos que podem ser verificados por qualquer pessoa, com a condição de que se dê ao trabalho de investigá-los.

Conheço o peso da palavra “facto” na Ciência e digo, sem hesitação, que a continuidade individual e pessoal é para mim um facto demonstrado. Cheguei a esta conclusão pelo estudo das faculdades humanas obscuras, isto é, ainda não reconhecidas pela ciência ortodoxa e que não receberam aprovação dos teólogos em geral. É, pois, permitido e talvez mesmo obrigatório conceder, de um tempo ao outro, uma desculpa a respeito de minha persistência neste estudo e de minha convicção profunda no que concerne aos seus resultados.

Acessoriamente, é claro que a palavra “imortalidade”, empregada no título desta obra, deve ser tomada na sua significação convencional, visto que nenhuma asserção relativa ao “infinito” é possível nos limites de nossa inteligência. Tudo o que podemos ter a esperança de demonstrar é a sobrevivência da personalidade. O verdadeiro rompimento aparente na continuidade da vida humana nos espera no limiar da morte. Se sobrevivemos a esse rompimento, é pouco provável que encontremos, em seguida, qualquer outra descontinuidade mais profunda ainda cuja influência nos destrua.

Tudo o que possuímos, como prova, diz respeito à persistência individual após a separação do nosso invólucro terrestre. Seria, pois, presunção pretender saber o que nos reservará um futuro algo obscuro e remoto. É, na verdade, um amanhã sobre o qual não temos necessidade de pensar agora.

Que nos baste saber, no momento, que esta vida não é o fim de nossa individualidade e que, se soubermos utilizá-la com rectidão, constituirá ela a primeira etapa, por muito tempo adiada, de uma tarefa sempre mais efectiva, tarefa em harmonia com a nossa natureza íntima, equivalente, por consequência, à liberdade completa.

                                                                        “In la sua volontà è nostra pace.”

                                                                                      Oliver Lodge


Capítulo I

Visão cósmica da vida e do Espírito

“A distinção entre a religião e a moral está na crença em um outro mundo e no esforço para comunicar-nos com ele.” (Padre George Tyrrell, no Quarterly Review de julho de 1909).

Durante a maior parte da sua história, a humanidade só conheceu a Terra que, para ela, era o único mundo existente, e as estrelas do céu só serviam para iluminar as coisas (“Uma luz maior para iluminar o dia e uma menor para presidir à noite. Deus criou, assim, as estrelas”). Alguns raios de uma ciência mais vasta brilharam na Antiguidade. As poesias clássica e medieval discorriam sobre regiões super-sensoriais que se encontram acima e abaixo da superfície terrestre, olhadas sempre como subordinadas e em estreita relação com a Terra. Somente alguns séculos depois de Copérnico (A. D. 1500), a ideia da Terra, como um corpo celeste entre uma multidão de outros, penetrou na inteligência popular. Nos tempos hodiernos, as ideias se estenderam do plano terrestre à vida cósmica. Esta grande revolução no pensamento é hoje um facto mais ou menos aceite e cada um admite a existência de uma porção de outros mundos, ao menos quanto à constituição material e nos seus movimentos no espaço. Esperemos que, afinal, graças a essa ampliação nas nossas concepções materiais, nos seja possível reencontrar a luz espiritual e o entusiasmo da Idade Média, de que somos devedores a Chartres e a outras catedrais.

Ainda que essa luz esteja desaparecida nos séculos presentes, pode fazer-se com que torne a brilhar. Com um conhecimento mais aprofundado da ordem material, um sentimento renovado de ordem espiritual se desenha. Não foi sem um fim que a catedral de Liverpool, tão vasta e imponente, foi construída por uma empresa civil neste século de perigos, lutas e tumultos.

Apesar dos nossos conhecimentos materiais, no entanto, é verdade que, quando nos ocupamos do domínio mental e espiritual, verificamos que ainda subsiste alguma coisa da antiga limitação terrena. A Ciência não conhece nem vida nem espírito fora dos limites deste planeta e todos os nossos sistemas de pensamento repousam nesta base estreita. Em Psicologia, o homem é considerado como o único ser inteligente pairando acima de todos os outros. Admitem-se, por força, inteligências inferiores e relações íntimas entre ele e o resto da vida animal, mas a existência de seres superiores ao homem é geralmente ignorada ou negada. Todas as tentativas feitas para entreter relações com essas entidades hipotéticas, para conhecer algo sobre a sua natureza ou mesmo para verificar a sua existência são reprovadas como uma superstição indigna da ciência.

Ao mesmo tempo, existem provas de fenómenos raros e bizarros que nos sugerem que essa limitação à vida terrestre, anterior a Copérnico, e essa falta de interesse ou de crença no Além, são uma visão muito limitada da nossa concepção do universo, longe, aliás, de ser inteiramente satisfatória. Para manter a hipótese de um isolamento completo e absoluto da Terra é preciso rejeitar, resolutamente, certos factos e considerá-los, sem discriminação, como fraudulentos. É preciso recordar que os instintos não têm sido governados senão muito fracamente por considerações científicas. A vida humana é mais poderosamente regida pela emoção e pelo instinto do que pela razão e a lógica e, por toda a parte, o instinto do homem o leva a considerar a existência de forças Superiores, forças que, de uma forma ou de outra, governam o seu destino, que ele pode melhorar ou piorar, por meio de cerimónias. Que essas forças sejam múltiplas ou que sejam a prerrogativa de um Ser Único é coisa de pouca importância. No que concerne aos atributos desse Ser Único, verifica-se uma grande diversidade de doutrinas e um progresso gradual para uma maneira de ver que vai melhorando sempre.

O ideal mais elevado atingido pela humanidade reflecte, em cada época, nas suas noções sobre a Divindade, uma concepção adequada, necessariamente limitada pelo seu desenvolvimento moral e intelectual.

Se o animal tem um culto qualquer, não pode adorar senão ao homem, o seu superior tangível e visível. O homem já atingiu um culto supersensível. Ele é capaz de representar a sua interpretação simbólica do Universo em imagens ou sob outras formas artísticas. O Cristianismo iluminou a nossa percepção do divino, exaltando a ideia da Encarnação.

Sejam quais forem, porém, a diversidade e a elevação das nossas concepções, é fora de dúvida, como disse o padre Tyrrell, que a essência da religião repousa na crença num outro mundo, numa outra ordem de existência e nas nossas tentativas para entrar em relação com ele. As nossas igrejas e as nossas capelas, com as suas cerimónias de oração e adoração, são eloquentes testemunhos dessa tendência universal. A base de todas as religiões é a crença na existência de um mundo espiritual, isto é, na existência de inteligências ou seres mais elevados do que o homem. Quando se admite a existência de tais inteligências, sente-se que elas podem influenciar e auxiliar a nossa vida; quando se entrevê a possibilidade de entrar em relação com elas e obter o seu auxílio, torna-se então essa crença mais do que intelectual e desabrocha em forma de religiões mais ou menos perfeitas.

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Oliver LodgePor que creio na imortalidade da AlmaIntrodução, Capítulo I Visão cósmica da vida e do Espírito (1 de 2), fragmento 1º desta obra.
(imagem de contextualização: Sir Oliver Joseph Lodge, 1851-1940)

segunda-feira, 2 de julho de 2018

o sentido da vida ~

Imortalidade Pessoal ~

No seu avanço para a frente, o Espiritismo condena a volta ao realismo medieval, as explicações empíricas dos modernos filósofos, da era científica, mostrando-lhes a incoerência da sua posição intelectual, e indica ao pensamento filosófico actual a única recta segura para a solução da incógnita humana. Essa recta é a da investigação dos fenómenos anímicos e espíritas, com o livre espírito científico, despojado de todos os obstáculos de preconceitos, que hoje embaraçam e perturbam os que tentam aventurar-se nesse terreno. Frederic MyersWilliam CrookesCharles Richet e todos aqueles que prosseguiram a obra desses pioneiros, até Oliver Lodge, e presentemente o trabalho obscuro mas sereno e fecundo, das sociedades de pesquisas psíquicas da Europa e da América, das instituições metapsíquicas e das mais recentes sociedades de parapsicologia, estabeleceram suficientemente as linhas dessa tarefa gigantesca de aclaramento do passado, do presente e do futuro do homem terreno.

De nada valem e nada significam, para todo aquele que for capaz de um pouco de raciocínio livre, as comuns alegações dos nossos cientistas e filósofos, com referência às dificuldades de trabalho. Essas alegações podem ser divididas em três grupos distintos, fora dos quais dificilmente poderíamos colocar uma só das desculpas apresentadas:

a) a natureza vaga e imprecisa dos fenómenos, que não se prestam a verificações concretas de laboratório, nem se subordinam às condições específicas que permitam a sua produção sistemática;

b) a dificuldade de aplicação dos métodos científicos ao elemento mediúnico, geralmente empolgado por concepções religiosas, e aos círculos místicos em que eles actuam;

c) a inexistência dos fenómenos, que decorrem de simples actos de prestidigitação, de ilusionismo e de esperteza, de acordo com as indicações das numerosas fraudes já descobertas e denunciadas.

A primeira dessas alegações não tem sentido algum, do ponto de vista científico, embora a encontremos quase sempre associada à segunda, na maioria das justificativas dos homens de ciência, pelo seu desinteresse com referência ao assunto. No livro de Eva Curie sobre a vida de sua ilustre mãe, madame Curie, encontramos a alegação de que o famoso casal descobridor do polonium e do radium se teria desinteressado das pesquisas psíquicas, em virtude unicamente daquelas razões.

É interessante notar que cientistas habituados a todas as subtilezas das mais avançadas teorias científicas, empenhados em pesquisas e soluções que vão dos problemas esquivos da física nuclear até às fórmulas matemáticas, mas nem por isso menos complexas, da teoria da relatividade, aleguem subtilezas e dificuldades para fugir ao terreno das pesquisas metapsíquicas e espíritas. Mais interessante ainda é verificar-se a insistência daqueles que podemos classificar, em geral, como negativistas, sejam homens de ciência, filósofos, intelectuais ou homens comuns, no afã de procurar, sempre e a todo custo, qualquer outra explicação para os fenómenos, que não a espírita. Há uma verdadeira fobia, da parte dessas pessoas, pelo Espiritismo.

Carlos Imbassahy, no final do seu valioso livro Ciência Metapsíquica, em que analisa a conferência de Richet, de despedida da Academia, pronunciada na Faculdade de Medicina de Paris, a 24 de Junho de 1925, traça um rápido estudo dos motivos dessa fobia.

Diz na sua última consideração, o sr. Imbassahy:

“Não iremos buscar no subconsciente os fenómenos espiríticos, mas, pelo contrário, a aversão que eles causam. Nela é que se encontrará a razão pela qual a hipótese dos espíritos é tão violentamente afastada. Os que a afastam, nem sempre têm consciência do motivo pelo qual o fazem.”

Parece-nos a mais justa tese proposta por Imbassahy. Os meandros do subconsciente, que tudo explicam para certas pessoas, e que nunca lhe pareceram mais difícil de devassar do que o “mistério” dos fenómenos objectivos do Espiritismo, encerra os motivos múltiplos, as causas alérgicas desse desinteresse “científico” pela hipótese espírita. Um trabalho mais aprofundado, nesse terreno, mostrará mais hoje, mais amanhã, qual a verdadeira posição dos homens que acham impossível tratar-se cientificamente matéria já tratada dessa mesma maneira por homens como Crawford, Hyslop, Osty, Geley, Myers, Aksakof e tantos outros nomes, que seria fastidioso enumerá-los.

No seu livro Raymond, sir Oliver Lodge, um dos nomes de maior evidência na física moderna, declara taxativamente:

“Estou convencido da sobrevivência da personalidade depois da morte, como o estou da minha existência na Terra. Poderão alegar que essa convicção não se baseia na experiência dos meus sentidos. Responderei que sim. Um cientista especializado em física não está sempre limitado pelas impressões sensoriais directas; lida com uma multidão de coisas e conceitos para os quais os seus sentidos são como inexistentes. A teoria dinâmica do calor, por exemplo, e a dos gases; as teorias da electricidade, do magnetismo, das afinidades químicas, da coesão e até o conceito do éter, levam-nos a regiões onde a vista, o ouvido, o olfacto e o tacto são impotentes para qualquer testemunho directo. Em tais regiões tudo tem de ser interpretado em termos do insensível, do não-substancial, do imaginário. Não obstante, essas regiões de conhecimento tornam-se-nos tão claras e vivas como as coisas materiais. Fenómenos comuníssimos requerem interpretações baseadas nas ideias mais subtis – a própria solidez aparente da matéria pede explanação – e as entidades não materiais com que os físicos jogam, gradualmente revelam tanta realidade como tudo quanto eles conhecem sensorialmente. Como lord Kalvin costumava dizer, “nós, de facto, sabemos mais a respeito da electricidade do que da matéria.”

A essas afirmativas de Lodge, podemos juntar o testemunho científico e poderoso de Richet, com o seu Tratado de Metapsíquica, o de William Crookes, nos Factos Espíritas, e o de Immoda, nas suas Fotografias de Fantasmas, para mostrar que a existência dos espíritos e a sua comunicabilidade revestem-se, muitas vezes, de carácter mais decisivamente material do que a de muitos dos próprios elementos comummente tratados pela ciência. E isto, para ficarmos apenas nesses, entre as centenas de testemunhos da mesma natureza e do mesmo valor.

Esses testemunhos revelam ainda a insustentabilidade das alegações de que os fenómenos espíritas não se prestam a verificações concretas de laboratório. Se os fantasmas foram apalpados por Crookes e Richet, fotografados por Immoda e por aqueles dois cientistas, e por muitos outros e continuam a ser fotografados, e se o próprio ectoplasma, extraído do médium, foi submetido à análise química, é evidente que tais alegações não passam de escusas sem fundamento.

Quanto às condições, também não procedem as desculpas. Um pouco mais de interesse e de persistência no terreno das pesquisas dariam aos interessados, por certo, as linhas seguras da produção do fenómeno. Basta dizer que, apesar desse desinteresse, já sabemos hoje que certas coisas são necessárias para a produção de certos fenómenos. Alegar que, apesar disso, muitas vezes os fenómenos não se realizam, é procurar outra desculpa. Se os fenómenos não se realizam, alguns dos elementos necessários devem estar em falta. O experimentador consciencioso e paciente, e por isso mesmo cientista, ao invés de se afastar do terreno por supor a existência de tal dificuldade, procuraria descobrir as razões da falha. Pois é evidente que até mesmo nas reacções químicas mais comuns não podemos desprezar os elementos indicados, e que a simples deterioração de um desses elementos poderia impedir a produção do fenómeno.

No tocante à alegação de que o misticismo do médium ou dos componentes do grupo a que ele pertence impede a aplicação dos métodos científicos, é também absolutamente desprovida de razão. Os factos já relatados, os trabalhos realizados por grandes cientistas, demonstram o contrário. E seria mais ou menos como afirmar que o espírito místico do povo impediria a aplicação de métodos científicos no estudo de casos religiosos, das manifestações de histeria, das chamadas auras milagrosas e dos fenómenos de estigmatização. A verdade é bem outra.

Muitos médiuns não possuem esse espírito místico e religioso. O doutor Luiz Parigot de Sousa, médico paranaense, um dos maiores médiuns de efeitos físicos e de voz-directa já conhecidos no Brasil, tinha dúvidas a respeito da existência de Deus e manifestava má vontade pelas manifestações religiosas, segundo o testemunho dos jornalistas Odilon Negrão, Wandyck Freitas e outros, que com ele privaram. Não obstante, foi esse médium quem, através de suas poderosas faculdades, convenceu o doutor Osório César, anatomo-patologista do hospital de Juquery, em São Paulo, de que o seu trabalho, Misticismo e loucura, contra o Espiritismo, estava errado nas premissas e nas conclusões. Outro médium, ainda jovem, residente em São Paulo, José Correa das Neves, conhecido por Zezinho, possuidor de faculdades semelhantes, não tem podido ser suficientemente estudado em virtude da sua falta de firmeza e de orientação no terreno religioso. Fosse ele um dos místicos a que se referem os inimigos do Espiritismo, e talvez se submetesse mais facilmente, sem tanta relutância, a experiências sistemáticas. Há outros que, muito religiosos, nem por isso se esquivam a trabalhos científicos. É evidente também que nenhum verdadeiro cientista alegará como motivo de impossibilidade para a realização de estudos o facto de alguns médiuns se mostrarem arredios e esquivos. O papel da ciência é justamente o de superar todas as dificuldades opostas pela natureza às suas investigações.

A terceira série de alegações procede de poucos cientistas e de muitos clérigos. Dizer que os fenómenos não existem, que não passam de fraudes e mistificações, é simplesmente querer tapar o sol com peneira. Os fenómenos não somente existem – e são facilmente constatáveis por milhares de pessoas, em todo o mundo –, como constam de trabalhos científicos de fôlego, irrefutáveis com uma simples negativa.

Mas há ainda uma quarta ordem de alegações contra o Espiritismo. Essa, parte exclusivamente do clero, seja de protestantes ou de católicos, e atribui a existência dos fenómenos à intervenção do demónio. É tão pueril essa atitude, que não vemos necessidade alguma de refutá-la. Entretanto, como Kardec, podemos lembrar que também aos ensinamentos e aos milagres de Jesus, os clérigos da época respondiam com a mesma acusação. Veja-se, por exemplo, a admirável descrição evangélica da cura de um jovem cego junto ao tanque de Siloé (João, IX: 1-34) e o que disseram os sacerdotes judeus a respeito.

Devemos, entretanto, assinalar nesse terreno o facto auspicioso de que alguns sacerdotes já começam a compreender a inconveniência de tal acusação. Ainda agora nos chega de Inglaterra a notícia de que a Igreja Anglicana, a velha igreja oficial do império, acaba de publicar um relatório, elaborado por vários sacerdotes, que confirma a existência das comunicações espíritas, sem atribuí-las ao demónio. O conhecido pastor protestante, rev. Otoniel Motta, publicou recentemente um opúsculo intitulado Temas espirituais, em que descreve as suas incursões pelo mundo dos fenómenos espíritas, confirmando a existência da comunicação de espíritos, e não de simples artimanhas do Diabo. E o ex-padre católico, Huberto Rohden, figura que foi do mais alto destaque do clero brasileiro, hoje afastado da igreja e “refugiado” em Washington, onde lecciona numa grande Universidade, acaba de publicar algumas notas biográficas, nessa capital, na revista protestante Unitas, números de Julho e Agosto de 1950, relatando as suas pesquisas psíquicas, sob a orientação do padre jesuíta Aloísio Gatterrer, na Áustria, para chegar à mesma conclusão de que não se trata simplesmente de artimanhas do Diabo.

Assim, como vemos, a sobrevivência individual, a imortalidade pessoal, em contradição à tese reaccionária do panteísmo-realista, a que nos referimos no capítulo anterior, firma-se através de todas as evidências. É ela confirmada pelo cientista insuspeito e liberto de injunções dogmáticas ou de fobias subconscientes, reconhecida pelos clérigos de pensamento mais arejado, constatada por todos os que lidam com sessões práticas de Espiritismo, reafirmada gloriosamente nas obras de estudos metapsíquicos e espíritas. Só mesmo os cegos que não querem ver – e são, como se sabe, os piores cegos – teimam na expectativa, já agora sem razão, de um desmentido da ciência oficial a essa grande esperança da humanidade.

Entretanto, como dissemos acima, se querem os cientistas considerar inócua, suspeita, cientificamente inaceitável, toda a obra de investigação realizada até agora, só lhes resta um caminho honesto: o da realização de investigações sistemáticas, insistentes e profundas, nesse terreno. Que se armem as academias do espírito necessário a essa grande tarefa, mostrando, de uma vez por todas, que, se dizem não acreditar, também podem provar que não temem os fantasmas.

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José Herculano Pires, O Sentido da Vida, Imortalidade Pessoal, 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Platão e Aristóteles, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio, 1509)

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Giovanna ~


VI

O inverno chegou, espessas nuvens se demoram no céu; o vento ruge por sobre as colinas despojadas, fazendo rodopiar os monturos de folhas mortas. Maurice, sozinho, vestido de luto, está sentado perto da lareira que crepita no seu pequeno aposento dominando o lago. Tem um livro aberto diante dos olhos; mas não o lê; sombrios pensamentos o assediam. Sonha com aquela que repousa debaixo da terra gelada, ouvindo os gemidos do vento que chora como uma legião de almas em sofrimento. Por vezes, levanta-se e vai espreitar, por detrás dos vidros da janela, o cinzento tapete das águas, o horizonte cujas cores de chumbo se harmonizam com o estado do seu espírito; depois pegando um bauzinho de madeira esculpida, abre-o e retira dele flores dessecadas, um laço de fitas, jóias de mulher. Aperta-os debaixo dos lábios, essas relíquias de amor; o passado evocado se revela na sua memória. E as horas sucedem-se às horas. Maurice permanece ali, meio inclinado sobre esse fogo que queima na atmosfera húmida. Ele sonha com a felicidade perdida, as esperanças desvanecidas. A falta de coragem reavivou-lhe o desgosto da vida, esse desgosto de amar outra vez, invadiu-o novamente; ideias de suicídio germinam no fundo do seu pensamento.

Faz-se noite e o fogo se vai apagando, mas Maurice compraz-se nessa obscuridade mais e mais espessa. Uma ressonância fez-se ouvir atrás dele. Volta-se de repente e nada vê. Talvez o barulho do vento ou dos passos da empregada, no quarto vizinho. Junto à chaminé está um piano, silenciado há muito tempo. De súbito, sons se elevam desse móvel hermeticamente fechado. Confundido pela surpresa, Maurice presta atenção. Essa ária bem conhecida é A Canção de Mignon, a canção preferida de Giovanna e, que ela gostava de tocar à noite, depois da refeição. O coração de Maurice fica apertado; as lágrimas escorrem-lhe nos olhos. Levanta-se, dá a volta ao piano: ninguém! O banquinho está vazio. Volta para o seu lugar. Será tudo isto ilusão sonora tão-só? Uma sombra branca ocupa a poltrona que acabara de deixar. Tremendo, aproxima-se. Os seus olhos, o seu olhar límpido, os seus cabelos louros como espigas maduras, essa boca sorridente, esse porte esbelto, alongado, é a imagem de Giovanna. Oh magia, a tumba devolve então os seus hóspedes! Uma voz vem acariciar os seus ouvidos: – “Amigo, não receies nada, sou bem eu, não procures tocar-me, não sou senão um Espírito. Não te aproximes mais, escuta-me.” Maurice ajoelha-se e chora – “Meu anjo, minha noiva, és então tu?”

– Sim, sou eu a tua noiva, tua noiva bem antes desta vida. Escuta, um laço eterno nos une. Nós conhecemo-nos desde há séculos, temos vivido lado a lado, por muitas vezes percorrido juntos muitas existências. A primeira vez que te encontrei sobre a Terra, estava muito fraca, bastante tímida e, a vida então era dura. Tu me seguraste pela mão e, me tens servido de apoio; desde esse momento, não nos separamos mais. Sempre nos seguimos nas nossas vidas materiais, andando no mesmo caminho, amando-nos, sustentando-nos um ao outro. Ocupados com os combates, os empreendimentos guerreiros, tu não podias realizar os progressos necessários para que o teu espírito livre, purificado, pudesse deixar esse mundo grosseiro. Deus queria prová-lo; separou-nos. Eu poderia subir mais altas esferas, mais felizes, enquanto que tu deverias prosseguir, sozinho, a tua provação aqui em baixo. Então preferi esperar-te no espaço. Tu cumpriste duas existências desde então e, durante o seu curso, testemunha invisível dos teus pensamentos, não tenho cessado de velar por ti. Cada vez que a morte arrancava uma alma da matéria, tu me encontravas e o desejo de te elevares te fazia tomar com mais ardor o fardo da encarnação. Desta vez, tendo orado muito, tendo suplicado tanto ao Senhor, ele me tendo permitido voltar à Terra, aí tomando um corpo, uma voz, para falar-te do bem e da verdade. Os nossos amigos do espaço aproximaram-nos, reuniram-nos, mas por um tempo limitado. Eu não podia permanecer por mais tempo sobre a Terra, a minha missão já estava completa. Não devia ser tua aqui em baixo.

“É chegada a hora em que os Espíritos podem, segundo permissão divina, comunicar-se com os humanos. Por isso venho, para guiar-te, encorajar-te, consolar-te. Se quiseres que esta existência terrestre seja a última para ti; se quiseres que, à tua partida, nos reunamos para não mais nos separarmos, consagra a tua vida aos teus irmãos, ensine-lhes a verdade. Diz-lhes que o objectivo das existências não é o de adquirirem bens efémeros, mas o de aclararem a sua inteligência, de purificarem o seu coração, de se elevarem para Deus. Revela as grandes leis do Universo, a ascensão dos Espíritos para a perfeição. Ensine-lhes as vidas sucessivas e solidárias, a pluralidade dos mundos inumeráveis, as humanidades irmãs. Mostra-lhes a harmonia moral que rege o infinito. Deixa atrás de ti as sombras da matéria, as paixões maldosas; dá a todos o exemplo do sacrifício, do trabalho, da virtude. Tem confiança na justiça divina. Olha para diante, para a luz longínqua que aclara o objectivo, o objectivo supremo que nos deve reunir no amor e na felicidade.”

“Sem demora entrega-te à obra; nós te sustentaremos, te inspiraremos. Estarei próximo de ti na luta, envolver-te-ei num fluido benfazejo. Assim, nesta noite, me tornei visível aos teus olhos, revelei-te o que ainda ignoravas. E um dia, quando tudo o que tens em ti, de terrestre e de menor, se tiver desvanecido, unidos, confundidos, nos elevaremos juntos para o Eterno, juntando as nossas vozes ao hino universal que sobe de esfera em esfera até Ele.”

Reencontrei Maurice Ferrand, há alguns anos, numa grande vila, por detrás dos Alpes. Havia começado a sua obra. Pela escrita, pela palavra, trabalhava disseminando esta doutrina conhecida sob o nome de Espiritismo. Os sarcasmos e as zombarias choviam sobre ele de todos os lados. Cépticos, devotos, indiferentes, todos se uniam para o importunar. Mas, calmo, resignado, não parava de seguir firme a sua missão. “Que me importa, dizia-me, o desdém desses homens. Dia virá em que, com o auxílio da provação, compreenderão que esta vida não é tudo e pensarão em Deus, no seu porvir sem fim. Então talvez se recordem daquilo que lhes disse. A semente lançada neles poderá germinar. E, aliás, acrescentou observando o céu – e uma lágrima brilhou nos seus olhos – o que faço, não é mais que obedecer àqueles que me amam, é para me aproximar deles!” 

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Léon Denis, Giovanna_1880, VI 9º fragmento e o último desta obra.
(imagem de contextualização: Retrato, pequena pintura que especialistas de arte italiana atribuem a Rafael Sanzio)

segunda-feira, 14 de maio de 2018

o grande enigma ~


unidade substancial | do universo

O Universo é uno, posto que triplo na aparência. Espírito, Força e Matéria não parecem ser mais que os modos, os três estados de uma substância imutável no seu princípio, variável ao infinito e nas suas manifestações.

O Universo vive e respira, animado por duas correntes poderosas: a absorção e a difusão.

Por essa expansão, por esse sopro imenso, Deus, o Ser dos seres, a Alma do Universo, cria. Pelo seu amor, atrai a si. As vibrações do seu pensamento e da sua vontade, fontes primeiras de todas as forças cósmicas, que movem o Universo e geram a Vida.

A Matéria, dissemos, é um modo, uma forma transitória da substância universal. Ela escapa à análise e desaparece sob a objectiva dos microscópios, para se transmudar em radiações subtis. Não tem existência própria; as filosofias que a tomam por base repousam sobre uma aparência, uma espécie de ilusão. (i)

A unidade do Universo, por muito tempo negada ou incompreendida, começa a ser entrevista pela Ciência. Há duas décadas, W. Crookes, no curso de estudos sobre a materialização dos Espíritos, descobria o quarto estado da Matéria, o estado radiante e, essa descoberta, pelas suas consequências, ia destruir todas as velhas teorias clássicas sobre o assunto.

Estas estabeleciam distinção entre a Matéria e a Força. Sabemos agora que ambas se confundem. Sob a acção do calor, a matéria mais grosseira se transforma em fluidos; os fluidos, por sua vez, se reduzem a um elemento mais subtil, que escapa aos nossos sentidos. Toda a matéria pode ser transformada em força e toda força se condensa em matéria, percorrendo assim um círculo incessante. (ii)

As experiências de Crookes prosseguiram e foram confirmadas por uma legião de investigadores. O mais célebre, Roentgen, denominou raios X às irradiações emanadas das ampolas de vidro; têm eles a propriedade de atravessar a maior parte dos corpos opacos e permitem perceber e fotografar o invisível aos nossos olhos.

Pouco depois, o Sr. Becquerel demonstrava as propriedades que têm certos metais de emitir irradiações obscuras, que penetram a matéria mais densa, quais os raios Roentgen e, impressionam as placas fotográficas através das lâminas metálicas.

O rádium, descoberto pelo Sr. Curie, produz calor e luz, de maneira contínua, sem se esgotar de modo sensível. Os corpos submetidos à sua acção se tornam por sua vez irradiantes. Posto que a quantidade de energia irradiada por esse metal seja considerável, a perda de substância material que lhe corresponde é quase nula. W. Crookes calculou que um século seria necessário para a dissociação de um grama de rádium. (iii) Mais ainda: as engenhosas descobertas de G. Le Bom (iv) provaram que as irradiações são uma propriedade geral de todos os corpos. A matéria pode dissociar-se indefinidamente; ela é energia concretizada. Assim, a teoria do átomo indivisível, que há dois milénios servia de base à Física e à Química, desmorona-se e, com ela, as distinções clássicas entre o ponderável e o imponderável. (v) A soberania da Matéria, que se dizia absoluta, eterna, teve fim.

É preciso, pois, reconhecer que o Universo não é tal como parecia aos nossos fracos sentidos. O mundo físico constitui ínfima parte dele. Fora do círculo de nossas percepções existe uma infinidade de forças e de formas subtis que a Ciência ignorou até hoje. O domínio do invisível é muito mais vasto e mais rico que o do mundo visível. Na sua análise dos elementos que constituem o Universo, a Ciência tem errado durante séculos e, agora lhe é necessário destruir o que tão penosamente edificou. O dogma científico da unidade irredutível do átomo, desmoronando-se, arrasta todas as teorias materialistas. A existência dos fluidos, afirmada pelos Espíritos há meio século – o que lhes valeu tantos sarcasmos da parte dos sábios oficiais –, está estabelecida, doravante, pela experimentação, de maneira rigorosa.

Os seres vivos, por sua parte, emitem irradiações de naturezas diferentes. Eflúvios humanos, variando de forma e de intensidade sob a acção da vontade, impregnam placas com misteriosa luz. Esses influxos, quer nervosos, quer psíquicos, conhecidos desde muito pelos magnetizadores e espíritas, mas negados pela Ciência, são autenticados hoje pelos fisiologistas, no grau de realidade irrecusável. Por esse caminho é encontrado o princípio da telepatia. As volições do pensamento, as projecções da vontade, transmitem-se através do Espaço, quais as vibrações do som e as ondulações da luz e, vão impressionar organismos em simpatia com o do emitente. As Almas em afinidade de pensamento e de sentimento podem trocar os seus eflúvios, a todas as distâncias, de igual maneira que os astros permutam, através dos abismos do Espaço, os seus raios trémulos. Descobrimos ainda aí o segredo das ardentes simpatias ou das invencíveis repulsões que certos homens sentem uns pelos outros, à primeira vista.

A maior parte dos problemas psicológicos – sugestão, comunicação à distância, acções e reacções ocultas, visão através de obstáculos – encontram aí a sua explicação. Estamos ainda na aurora do verdadeiro conhecimento, mas o campo das pesquisas se encontra largamente aberto e a Ciência vai marchar, de conquista em conquista, na senda rica de surpresas. O mundo invisível se revela a própria base do Universo, a fonte eterna das energias físicas e vitais que animam o Cosmos.

Rui assim o principal argumento daqueles que negam a possibilidade da existência dos Espíritos, dos que não podiam conceber a vida invisível, por falta de um substrato, de uma substância que escapa aos nossos sentidos. Ora, nós encontramos, conjuntamente, no mundo dos imponderáveis, os elementos constitutivos da vida desses seres e as forças que lhes são necessárias para manifestar a sua existência.

Os fenómenos espíritas, de toda a ordem, explicam-se pelo facto de que um dispêndio considerável de energia pode produzir-se sem dispêndio aparente de matéria. Os transportes, a desagregação e a reconstituição espontâneos de objectos, em câmaras fechadas; os casos de levitação; a passagem dos Espíritos através dos corpos sólidos; as aparições e as materializações, que provocaram tanta admiração e suscitaram tantos sarcasmos; tudo isso se torna fácil de compreender, desde que se conheça o jogo das forças e dos elementos em acção nesses fenómenos. De tal dissociação de matéria, de que fala G. Le Bon e que o homem é ainda impotente para produzir, os Espíritos possuem, de há muito, as regras e as leis. A aplicação dos raios X não explica também o fenómeno da dupla vista dos médiuns e o da fotografia espírita? Com efeito, se as placas podem ser influenciadas por certos raios obscuros, por diversas irradiações de matéria imponderável, que penetram os corpos opacos, maior e mais forte razão existe para que os fluidos quintessenciados do envoltório dos Espíritos possam, em determinadas condições, impressionar a retina dos videntes, aparelho mais delicado e mais complexo que a placa de vidro.

É assim que o Espiritismo se fortalece cada dia, pela aquisição de argumentos tirados das descobertas da Ciência, e que acabarão por abalar os mais endurecidos cépticos.

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(i) “A matéria, diz W. Crookes, é um modo do movimento.” (Proc. Roy. Soc., nº 205, pág. 472.).
(ii) “Toda matéria – diz Crookes – tornará a passar pelo estado etéreo de onde veio.” (Discurso no Congresso de Química, de Berlim, 1901).
(iii) Vide G. Le Bon, Revue Scientifique, 24 de Outubro de 1903, pág. 518.
(iv) Vide Revue Scientifique, 17, 24 e 31 de Outubro de 1903.
(v) Desde séculos, afirmava-se e defendia-se a teoria dos átomos, sem que a conhecessem perfeitamente. Berthelot a qualifica de “romance engenhoso e subtil”. (Berthelot – La Synthese Chimique, 1876, p. 164.) Por aí se vê – diz Le Bon – que certos dogmas científicos não têm mais consistência que as divindades dos antigos tempos.


Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus e o Universo, II Unidade substancial do Universo 1 de 2, 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: La Madonna de Port Lligat, detalhe | 1950, Salvador Dali)

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Saberes e o tempo ~

A isomeria ~

Há corpos simples, quais o fósforo, que revelam propriedades diferentes, sem que se lhes tenha acrescentado ou subtraído a menor parcela de matéria. Toda a gente sabe que o fósforo é branco, venenoso e muito inflamável. Entretanto, se, durante algum tempo, for exposto à luz no vácuo, ou se for aquecido em vaso fechado, ele muda de cor e torna-se de um vermelho belo. Nesse estado, é inofensivo, do ponto de vista da saúde e, deixa de incendiar-se pelo atrito. Contudo, a mais severa análise não logra descobrir qualquer diferença na composição química do fósforo vermelho ou branco. O carvão pode tomar a forma de diamante ou de grafite; o enxofre apresenta modificações características, conforme o estado em que se encontre; o oxigénio torna-se ozónio. A todos esses diferentes estados do mesmo corpo foi dada a denominação de alotrópicos.

Esses caracteres tão opostos, que a mesma substância pode denotar, são devidos a mudanças que se lhes operam no íntimo. As moléculas se agrupam diferentemente, ao mesmo tempo em que os seus movimentos se modificam. Daí, as variações que se produzem nas suas respectivas propriedades.

É tão verdade isso, que corpos muito diferentes pelas suas propriedades, tais como as essências de terebintina, de limão, de laranja, de alecrim, de basilisco, de pimenta, são, todavia formadas todas da combinação de dezasseis equivalentes de hidrogénio com vinte equivalentes de carbono.

Essa ordem especial das partículas associadas, chamadas moléculas, tornou-se visível por meio da cristalização.

Se nos lembrarmos de que todos os tecidos dos vegetais e dos animais são formados, principalmente, de combinações variadas de quatro gases apenas: o hidrogénio, o oxigénio, o carbono e o azoto, aos quais se adicionam fracas quantidades de corpos sólidos em número muito reduzido, compreenderemos a inesgotável fecundidade da Natureza e os infinitos recursos de que ela dispõe para, agrupando átomos, formar moléculas que, a seu turno, se podem agregar entre si com a mesma diversidade de maneiras.

Se se complicarem essas disposições por meio dos movimentos de translação e de rotação peculiares aos átomos e moléculas, torna-se possível conceber que todas as propriedades dos corpos estão intimamente ligadas a tão diversos arranjos, tão variados e tão diferentes uns dos outros.

Numa série de memórias muito relevantes, o astrónomo Norman Lockyer fez notar que a análise espectral do ferro contido na atmosfera solar permite se conclua com certeza que esse corpo não é simples; que é um grupo complexo, tendo por base um metal ainda desconhecido. Somente, porém, nas altas temperaturas da fornalha ardente do nosso astro central essa dissociação se torna aparente. Nenhuma temperatura terrestre seria capaz de produzi-la.

Esse químico eminente dos espaços estelares estudou os espectros das estrelas, desde as mais quentes até às que se encontram prestes a extinguir-se e, mostrou que o número dos corpos simples aumenta, à medida que a temperatura diminui. Quer isso dizer que eles nascem sucessivamente, pois que cada massa se encontra isolada no espaço e nenhuma partícula de matéria recebe do exterior, por mais insignificante que seja.

Em suma, a ideia de uma matéria única, donde necessariamente derive tudo o que existe, está hoje admitida pelos sábios e os Espíritos que no-la preconizaram, estão de acordo com a ciência contemporânea. Veremos se a continuação dos seus ensinamentos é tão verdadeira quanto as suas primeiras asserções.

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Gabriel Delanne, A Alma é Imortal, Terceira parte – O Espiritismo e a ciência Capítulo II O tempo, o espaço, a matéria primordial – A isomeria, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Pitágoras, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio (1509)

terça-feira, 17 de abril de 2018

Da sombra do dogma à luz da razão ~

Natureza da Revelação Espírita (VI)

Se Cristo não conseguiu desenvolver os seus ensinamentos de forma completa, foi porque faltavam aos homens conhecimentos que estes não podiam adquirir antes de tempo e sem os quais não o podiam compreender; havia coisas que teriam parecido um contra-senso na fase de conhecimentos de então. Completar os seus ensinamentos deve-se portanto entender no sentido de explicar e de desenvolver, muito mais que no de lhes acrescentar verdades novas, pois neles tudo se encontra em germe; simplesmente, faltava a chave para captar o sentido das palavras.

Mas quem se atreve a interpretar as escrituras sagradas? Quem tem esse direito? Quem possui a sabedoria, a não ser os teólogos?

Quem se atreve? Primeiro a ciência, que não pede licença a ninguém para dar a conhecer as leis da natureza e salta a pés juntos para cima dos erros e dos preconceitos. Quem tem esse direito? Neste século de emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame pertence a toda a gente e as Escrituras já não são a arca sagrada na qual ninguém ousava tocar nem com um dedo, por correr o risco de ficar fulminado. Quanto à sabedoria especial necessária, sem contestar a dos teólogos e, por muito esclarecidos que fossem os da Idade Média, em particular os padres da igreja, não o eram no entanto o suficiente para não condenarem como heresia o movimento da Terra e a crença nos antípodas; e, sem ir tão longe, os dos nossos dias não lançaram um anátema sobre os períodos de formação da Terra?

Os homens só conseguiram explicar as Escrituras com a ajuda do que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da natureza mais tarde reveladas pela ciência; eis porque razão os próprios teólogos puderam, de muito boa-fé, equivocar-se quanto ao sentido de certas palavras e de certos factos dos Evangelhos. Querendo a qualquer custo encontrar neles a confirmação de uma ideia preconcebida, giravam sempre no mesmo círculo, sem abandonarem o seu ponto de vista, de tal maneira que só viam ali o que queriam ver. Por muito sábios que fossem, não podiam perceber as causas dependentes de leis que não conheciam.

Mas quem será juiz das interpretações diversas e por vezes contraditórias feitas fora da teologia? O futuro, a lógica e o bom senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos à medida que novos factos e novas leis se vão revelando, saberão separar as teorias utópicas da realidade; ora, a ciência dá a conhecer certas leis; o Espiritismo dá a conhecer outrasumas e outras são indispensáveis à inteligência dos textos sagrados de todas as religiões, desde ConfúcioBuda até ao cristianismo. Quanto à teologia, não poderia judiciosamente alegar que as contradições da ciência constituem excepções, quando nem sempre está de acordo consigo mesma.

O ESPIRITISMO, tomando como ponto de partida as próprias palavras de Cristo, assim como Cristo foi buscar bases a Moisés, é consequência directa da doutrina.

À ideia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da existência do mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço e, com isso, dá precisão à crença; dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade no pensamento.

Define os elos que unem a alma e o corpo e levanta o véu que escondia aos homens os mistérios do nascimento e da morte.

Pelo Espiritismo o homem sabe de onde vem, para onde vai, por que está na Terra e por que nela sofre temporariamente, vendo em tudo a justiça de Deus.

Sabe que a alma evolui constantemente através de uma série de existências sucessivas, até ter atingido o grau de perfeição que a pode aproximar de Deus.

Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de partida, são criadas iguais, com uma mesma aptidão para evoluir por virtude do seu livre-arbítrio; que todas são da mesma essência e que entre elas só há a diferença da evolução conseguida; que todas têm o mesmo destino e atingirão o mesmo fim, mais ou menos prontamente consoante o seu trabalho e a sua boa-vontade.

Sabe que não existem criaturas deserdadas, nem umas que sejam mais favorecidas do que outras; que Deus não criou privilegiados, estando dispensados do trabalho imposto a outros para poderem evoluir; que não existem seres perpetuamente votados ao mal e ao sofrimento; que os designados com o nome de demónios são Espíritos ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o mal na qualidade de Espíritos como o faziam na situação de homens, mas que evoluirão e melhorarão; que os anjos ou Espíritos puros não são entes à parte na criação, mas Espíritos que atingiram o seu objectivo depois de terem seguido as etapas do progresso; que assim não existem criações múltiplas, nem diferentes categorias entre seres inteligentes, mas que toda a Criação resulta da grande unidade que rege o Universo e que todos os seres gravitam na direcção de um objectivo comum que é a perfeição, sem que uns sejam favorecidos à custa dos outros, sendo todos filhos das suas obras.

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ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 28 a 30 (VI), 8º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)