terça-feira, 29 de junho de 2021

as vidas sucessivas | os elementos ~


~~ Experiências magnéticas Regressão da memória e previsão, Caso nº 2 Joséphine

Joséphine é uma jovem de dezoito anos, doméstica na casa de um alfaiate de Voiron, Sr. C., interessado, assim como sua esposa, pelo espiritismo, do qual são os únicos adeptos nesta cidade. Possui inteligência bastante comum e é tratada familiarmente pelos seus patrões, que a acusam apenas de ser um pouco astuciosa. (i)

Adormeci-a por meio de passes longitudinais para conhecer os fenómenos que ela apresentaria e fiquei admirado ao constatar que, sem nenhuma sugestão, eu a fazia remontar ao curso de sua vida, assim como a Laurent, que deixei de observar desde 1893. 

Ei-la com a idade de sete anos. Pergunto-lhe o que faz. 

– Frequento a escola. 

– Você sabe escrever? 

– Sim, estou a começar a aprender. 

Ponho-lhe uma pena na mão, ela escreve muito bem papá e mamã. Continuo os passes magnéticos e levo-a à idade dos cinco anos

Ela escreve por sílabas, pa. Ponho-lhe na mão um lenço dizendo-lhe que é uma boneca; ela parece bastante contente e põe-se a acariciá-la. Apresenta todas as características de uma menina dessa idade. Novos passes. Está agora provavelmente no berço e já não pode falar. Coloco-lhe a extremidade do dedo dentro da boca; ela o chupa. 

Após algumas sessões destinadas a torná-las mais flexíveis e a diminuir o tempo necessário para levá-la ao estado da primeira infância, tive a ideia de continuar os passes longitudinais. Interrogada, Joséphine respondeu por sinais às minhas perguntas, e foi assim que me mostrou pouco a pouco, em diferentes sessões, que não havia ainda nascido, que o corpo no qual devia encarnar estava no ventre de sua mãe à volta de quem ela se enroscava, mas cujas sensações tinham pouca influência sobre si. 

Um novo aprofundamento do sono determinou a manifestação de uma personagem cuja natureza tive a princípio dificuldades em determinar. 

Ela não queria dizer nem quem era, nem onde estava. Respondia-me, em tom brusco e com voz de homem, que estava lá, uma vez que me falava; porém, ela não via nada, encontrava-se na completa escuridão. (ii) 

Tendo-se o sono tornado ainda mais profundo, foi um velho deitado na sua cama e doente há muito tempo quem respondeu às minhas perguntas, após inúmeros rodeios, como um camponês astuto que teme comprometer-se e quer saber por que é interrogado.  
Figura 1 – Caligrafia de Joséphine adormecida e levada à personalidade de Jean-Claude Bourdon, com a idade de quinze anos. 
Figura 2 – Caligrafia de Joséphine, no estado de vigília, a quem dito o nome de Jean-Claude Bourdon. 

Enfim vim a saber que ele se chamava Jean-Claude Bourdon e que o lugarejo onde se encontrava era Champvent, na comuna de Polliat, porém ele não sabia em que departamento. (iii) 

Pouco a pouco consegui captar a sua confiança e eis aqui o que soube de sua vida, cujos diversos períodos fi-los reviver várias vezes. (iv) 

Ele nasceu em Champvent em 1812. (v) 

Frequentou a escola somente até aos dezoito anos, porque não aprendia grande coisa, podendo estar presente apenas durante o inverno e repetidamente faltando às aulas. Fez o serviço militar no 7º Regimento de Artilharia, em Besançon. (vi) 

Devia permanecer no Regimento durante sete anos, porém a morte de seu pai, permitiu a sua liberação, mais cedo, decorridos apenas quatro anos. Não recorda o nome de nenhum de seus oficiais; por outro lado, sabe que se distraía bastante, com os camaradas e as moças, narrando-me as suas escapadelas, enquanto anelava o bigode. 

De retorno à terra natal, reencontra a sua boa amiga Jeannette a quem devia desposar antes de partir e da qual só me falou depois de corar. Agora sabe que não é preciso desposar as mulheres para servir-se delas; já não quer casar e mantém Jeannette como amante. Observei-lhe que podia engravidar a pobre moça: “Bem, depois! ela não será a primeira nem a última.” Envelheceu isolado fazendo ele próprio a sua comida, limitada a sopa e charcutarias. Tinha na sua terra um irmão casado com filhos, queixa-se dos seus procedimentos para com ele e não os vê. Morre com a idade de setenta anos, após uma longa doença. Durante o período correspondente à doença, pergunto-lhe se não pensa em chamar o padre: “Ah! você está a zombar de mim. Você acredita em todas as besteiras que ele me diz? Ora, vá! quando se morre, é para sempre.” 

Morre. Sente-se sair do seu corpo, mas a ele continua preso durante um tempo bastante longo. Pôde seguir o seu enterro flutuando acima do caixão. Compreendeu vagamente o que as pessoas diziam: “Que grande alívio!” Na igreja, o padre andou em torno do féretro e produziu assim uma espécie de muro um pouco luminoso que o protegia dos maus espíritos que queriam precipitar-se sobre ele. As preces do padre também o acalmaram, porém tudo isso pouco durou. A água benta afastava igualmente os maus espíritos, porque os dissolve em toda a parte onde os alcança. No cemitério, ficou perto do seu corpo e sentiu-lhe a decomposição, o que o fazia sofrer muito. (vii) 

O seu corpo fluídico, que se tornou difuso depois da morte, retomou forma mais compacta. Ele vive na obscuridade, que lhe é penosa, mas não sofre, porque não matou nem roubou. Apenas sente sede algumas vezes, porque era bastante beberrão. Reconhece que a morte não é o que pensava. Não compreende bem o que lhe aconteceu, mas se soubesse antes o que agora sabe não teria zombado tanto do padre. Proponho-lhe fazê-lo reviver: “Ah! se assim o fizer, vou até gostar de você!” 

As trevas nas quais estava mergulhado acabaram por ser abertas por algumas luzes frouxas. Ele teve a inspiração de reencarnar num corpo de mulher, porque as mulheres sofrem mais do que os homens e ele tinha de expiar as faltas que havia cometido abusando das moças. Então aproximou-se daquela que seria a sua mãe, ficou perto dela até que a criança viesse ao mundo e, a seguir, entrou pouco a pouco no corpo dessa criança. Até cerca dos sete anos, havia em torno desse corpo uma espécie de névoa flutuante com a qual ele via muitas coisas que nunca mais voltou a ver. (viii)  

Quando acabei de extrair de Bourdon as informações que julgava úteis. (ix) 

Tentei recuar ainda mais longe no passado. Uma magnetização prolongada durante cerca de 45 minutos, sem demorar-me em nenhuma etapa, levou-me a Jean-Claude muito pequeno. 

Em seguida, nova personalidade. É agora uma senhora idosa que foi muito má, uma má língua que se comprazia em prejudicar as pessoas. Ela também sofre muito, o seu rosto é contraído por convulsões e às vezes ela se torce sobre a cadeira com uma expressão assustadora de dor. Encontra-se nas trevas espessas, cercada de maus espíritos que tomam formas horrendas para atormentá-la e atormentar os vivos quando o podem; é este o maior prazer deles. Algumas vezes ela foi levada também a mudar de forma e a segui-los para fazer mal aos homens. Fala com voz fraca, mas responde sempre de modo preciso às perguntas que lhe faço, ao contrário de argumentar a todo instante, como o fazia Jean-Claude. Ela se chama Philomène Carteron. 

Aprofundando ainda mais o sono, provoco as manifestações de Philomène viva. Ela já não sofre, parece bastante calma, responde sempre muito nitidamente em tom seco. Sabe que não é amada na região e que ninguém perderá nada com a sua ausência e ela saberá muito bem vingar-se na ocasião propícia. Nasceu em 1702, chamava-se Philomène Charpigny quando solteira. O seu avô materno chamava-se Pierre Machon e morava em Ozan. Casou-se em 1732, em Chevroux, com um homem chamado Carteron, com o qual teve dois filhos que perdeu. (x) 

Antes da sua encarnação, Philomène havia sido uma menina, morta na tenra idade. Anteriormente havia sido um homem que tinha matado e roubado, um verdadeiro bandido. É por isso que muito sofreu na completa escuridão a fim de expiar os seus crimes, mesmo depois da sua vida de menina, quando não teve tempo para fazer o mal. 

Não pude levar mais longe a experiência das vidas sucessivas porque, no fim da muito longa magnetização (cerca de duas horas) que era necessária para levá-la ao estado de bandido, o sujet (Joséphine) parecia esgotado. Causava pena vê-la nas suas crises; porém, um dia em que a havia conduzido até esse estado, pressionei-lhe um ponto situado no meio da fronte e que possui a propriedade de despertar a memória sonambúlica, ordenando-lhe que se transportasse a um tempo mais anterior. Ela me diz então, com hesitação e virando a cabeça, parecendo confusa, que tinha sido um macaco, um grande macaco quase semelhante ao homem. Confesso que não esperava esta resposta e o meu pensamento se reportou imediatamente a uma anedota atribuída a Alexandre Dumas pai (tendo alguém perguntado se era verdade que o seu pai era negro, Dumas, que não gostava quando lhe lembravam a sua origem, respondeu: “Certamente, e meu avô era um macaco; a minha família começou por onde a sua termina”). Entretanto, mantendo a seriedade, limitei-me a manifestar a minha admiração por ouvir que uma alma de animal se tornou uma alma de homem. Ela me respondeu que nos animais havia, como nos homens, naturezas boas ou más e que, quando o animal se tornava homem, este permanecia com os instintos do que havia sido como animal. Uma outra vez, nas mesmas circunstâncias, ela me diz que entre o seu estado de bandido e o de macaco havia passado por várias encarnações sucessivas; recordava-se de ter vivido nas florestas matando lobos, e nesse momento o seu rosto tornou-se feroz. 

/... 
(i) Ela é bastante sensível ao magnetismo. Um dia caiu de uma altura de 2,50 m., dando uma forte pancada com uma coxa sobre o ângulo de uma máquina de costura e feriu-se bastante, o que a fazia mancar. Adormeci-a e exteriorizei-lhe o seu duplo, como ela via bem por ele o local da ferida, colocou ali a minha mão, que mantive durante dois minutos; ao despertar estava completamente curada. (Albert de Rochas)
(ii) Encontrava-me assim lançado numa espécie de pesquisa da qual eu estava longe de suspeitar, e para que eu pudesse aí encontrar-me, foram-me necessárias várias sessões durante as quais, trazendo de volta ao presente, envelhecendo ou rejuvenescendo alternadamente o sujet nas suas existências anteriores, através de passes apropriados, coordenei e completei informações que eram frequentemente obscuras para mim, porque eu absolutamente não previa, no inicio, aonde ela queria conduzir-me e porque eu compreendia dificilmente os nomes próprios que se referiam a regiões ou a personagens desconhecidas. Apenas após pesquisas nos mapas e nos dicionários, consegui determinar exactamente os nomes e pude tomar nos próprios locais informações das quais falarei mais adiante. É bom lembrar aqui que, na maioria dos sujet, o sono magnético faz surgir uma série alternada de fases de letargia durante as quais não conseguem dar a conhecer as suas impressões em consequência de uma paralisia momentânea dos seus nervos motores e de fases de sonambulismo durante as quais podem falar, mas apresentam a insensibilidade cutânea. Gozam então de novas faculdades tanto mais desenvolvidas quanto mais profundo seja o sono. Durante as fases de letargia, o sujet continua em relação com uma parte do mundo exterior; se, após o despertar, se pressiona sobre a sua fronte o ponto da memória sonambúlica, desperta-se a memória do que se passou enquanto ele estava adormecido, tanto durante estas fases como durante as outras. (Abert de Rochas) 
(iii) Ele observou que havia dois lugarejos vizinhos que se chamavam Champvent, mas que o seu era o mais próximo de Mézériat e que ele ia com frequência a Saint-Julien, em Reyssouse, a negócios. Esses detalhes permitiram-me encontrar Champvent no departamento de Ain e no mapa do Estado-maior (Folha de Macon, a sudeste). Quanto a Joséphine, nasceu e passou a sua juventude em Manziat, cantão de Bugey-le-Châtel. No estado de vigília ela não se recorda de já ter ouvido falar de Champvent perto de Polliat. (A. de Rochas) 
(iv) Para vencer as suas resistências eu o envelhecia por punição e rejuvenescia-o, ao contrário, como recompensa; e ele me tomava nos últimos tempos por um grande feiticeiro a quem era preciso obedecer. (A. de Rochas) 
(v) As datas variam de dez anos quando comparadas entre si em diferentes momentos de sua personificação e em diferentes sessões. (A. de Rochas
(vi) O 7º Regimento de Artilharia manteve realmente guarnição em Besançon de 1832 a 1837 e é difícil compreender como Joséphine teria sido informada disto. (A. de Rochas) 
(vii) Perguntei-lhe se via os vermes: “Claro, não me atiraram sal”. (A. de Rochas) 
(viii) O povo diz que as crianças riem, com alegria, sem motivo. (A. de Rochas) 
(ix) O padre de Polliat, a quem escrevi para saber se existia na sua paróquia algum vestígio de Jean-Claude Bourdon, respondeu-me que nenhum Bourdon foi nunca conhecido em Polliat, mas que esse nome é bastante difundido num lugar vizinho, em Griège por Pont-de-Veyle (Ain). (A. de Rochas 
(x) Ela não tem nenhum sentimento religioso nem nunca frequentou a igreja e acredita que tudo termina com esta vida. Não sabe escrever. As famílias Charpigny e Carteron realmente existiram em Ozam e em Chevroux, porém não encontrei nenhum vestígio positivo de Philomène. (A. de Rochas) 


Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte – Experiências magnéticas, Capítulo II – Regressão da memória e previsão / Caso nº 2 – Joséphine, 1904 (1 de 3), 9º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em acrílico de Costa Brites

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