Parte I
(O Espírito e a sua parcela do poder criador. Arquitectura na
Terra e no espaço. A catedral terrestre e a catedral
fluídica)
Lembramos aqui que todo o espírito emanado de Deus não
possui somente uma centelha da inteligência divina; ele desfruta, ainda, de uma
parcela do poder criador, poder que ele é chamado a manifestar mais e mais no
decorrer da sua evolução, tanto nas encarnações planetárias quanto na vida do
espaço.
Voltemos à arquitectura, que o Esteta tomou como objecto das
suas primeiras lições. Aqui na Terra já é arte sublime à qual se prendem todas
as outras artes e que muitas vezes lhes serve de protecção.
Assim como na Terra, a música representa a arte viva, a
harmonia móvel e vibrante, a arquitectura representa a arte imóvel e passiva em
suas formas imponentes e rígidas. Porém, enquanto que no âmago dos espaços o
espírito modela, à sua vontade, a matéria fluídica e lhe dá as aparências, as
cores, os contornos que lhe agradam, no nosso planeta a matéria opõe mais
resistência à vontade do homem. O bloco resiste ao cinzel do escultor como à
ferramenta do pedreiro. Às vezes, são necessários longos e pacientes esforços,
um trabalho persistente para dar ao mármore, ao granito, a expressão da beleza.
As lições de O Esteta fazem ressaltar a
diferença que existe entre os procedimentos em uso na Terra e os do espaço para
realizar criações artísticas. Enquanto que na Terra a catedral, tomada como
modelo da arquitectura, é a obra paciente de uma colectividade laboriosa, desde
o humilde talhador de pedra até ao grande artista que traçou o plano do
conjunto, ela é, no espaço, a obra particular de um mestre que,
instantaneamente e a seu bel-prazer, pode edificá-la ou destruí-la, auxiliado
somente por um grupo de alunos que procuram assimilar e imitar a sua ideia
criadora. Aqui na Terra, o monumento é a obra da multidão humana, o trabalho
dos séculos. Gerações de artistas e de operários trabalharam para elevar
colunas, telhados, torres, fundiram vitrais, pintaram imagens, esculpiram
estátuas. Assim foram se constituindo, lentamente, a pirâmide, o palácio, a
catedral, Eis por que, em sua majestosa unidade, simbolizam o pensamento de um
povo, o génio de uma raça, a alma de uma religião.
Foi a fé, foi o entusiasmo, foi um espiritualismo ardente
que erigiu, em direcção ao céu, essas “bíblias” de pedra. E, nessas obras
colossais, o invisível tem o seu papel; ele pensa com o arquitecto, medita com
o artista, trabalha com o artesão e o pedreiro. A todos ele inspira o
pensamento de Deus e do Além, na medida em que eles podem compreendê-lo e
interpretá-lo.
Assim são edificados esses “livros” imponentes que são as
catedrais e que, durante séculos, foram suficientes para guiar, para instruir,
para consolar o espírito humano.
A catedral terrestre serve de moldura a todas as artes. A
música faz as suas imensas naves vibrarem, a pintura decora as suas paredes, a
escultura a povoa de estátuas. No entanto, em seu conjunto, ela conserva a
imobilidade fria e a opacidade do granito.
O papel fundamental da arte é exprimir a vida em toda a sua
potência, em sua graça e na sua beleza. Ora, a vida é movimento. E nisso
exactamente reside a principal dificuldade da arte humana, que apenas pela
música pode reproduzir o movimento. O escultor, pela postura que dá à sua
estátua, reproduz o movimento que o seu pensamento concebe e, na imobilidade,
cria a acção. A pintura dá a mesma impressão por meio do gesto fixado na tela e
pela harmonia das cores, o jogo das perspectivas, a simulação das profundidades
e dos horizontes fugidios. Há mais força na estatuária, e mais artifício num
quadro; porém, os dois podem exprimir a beleza ideal sob a forma de
obras-primas que nos são conhecidas. No entanto, apesar da intenção genial que
preside a sua execução, elas nos dão apenas a sensação incompleta.
Não ocorre o mesmo com as obras de arte do espaço: nele tudo
é vida, movimento, cor, luz. A catedral fluídica será como que animada e viva.
As suas colunas terão a flexibilidade, a elasticidade da matéria mais subtil;
as suas paredes serão transparentes como cristal, e mil cores fundidas,
desconhecidas na Terra, nelas se divertirão em jogos de sombra e luz. Todas as
harmonias ali se combinam em ondas de uma suavidade inexprimível; tudo vibra no
frémito de uma vida intensa e profunda.
Os artistas da Terra deverão inspirar-se nesses modelos
sobre-humanos que os ensinamentos espíritas lhes tornaram familiares. A
educação estética humana comporta concepções cada vez mais elevadas para que o
sentimento do belo penetre e se desenvolva em todas as almas. Já se produz uma
evolução nesse sentido; ela se acentuará sob a influência do Além. Os artistas
do futuro se interessarão em dar mais fluidez às cores, mais vida ao mármore,
mais espiritualidade a todas as suas obras. As artes complementares se
idealizarão inteiramente, deixando à arquitectura a majestade das formas
rígidas e a ilusão do imutável na inércia.
A arte se realça e progride em todos os graus da escalada da
vida, realizando formas cada vez mais nobres e perfeitas, e que se aproximam da
fonte divina da eterna beleza.
/…
LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte I – O Espírito e sua
parcela do poder criador, Arquitectura na Terra e no espaço, A
catedral terrestre e a catedral fluídica. 3º Fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Mona Lisa 1503-1507
– Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)
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