O SIGNIFICADO ESPÍRITA do Materialismo
Dialéctico ~
(III de III)
O que os materialistas dialécticos não deveriam ignorar é
que o conceito de movimento traz como consequência um conceito idealista da
natureza, quando se reconhece o movimento como a origem das formas.
O movimento levará sempre a um espiritualismo dinâmico, o que nos faz
reconhecer que o materialismo histórico, para permanecer como um verdadeiro
materialismo, não devia adoptar a dialéctica de Hegel, já
que ela, queira-se ou não, desembocará numa concepção idealista do homem e da
vida. A filosofia espírita apresenta ao materialismo
dialéctico uma interpretação nova do espírito, baseada na teoria
do perispírito, mediante a qual demonstra a
substancialidade do Ser e da Ideia, antes considerados como puras abstracções.
Por isso, disse Gustave
Geley: “A noção do perispírito suprime a grave
objecção, feita continuamente ao espiritualismo, quanto à dificuldade
de conceber a própria alma sem nenhuma forma definida.”
Com a teoria do perispírito, o movimento, como
as formas materiais, resultam numa consequência da vida Universal. Com ela
aparece uma teleologia do Ser, sendo a dialéctica a causa da expansão
psíquica dos seres, e o perispírito o receptor da força e da
inteligência. O materialismo dialéctico não conseguiu nunca explicar
como se produz na mente do indivíduo a pantomnésia,
isto é, a conservação da individualidade e das recordações. Porque, se o processo
dialéctico é também mental, em virtude de que princípios a memória regista as
impressões do mundo exterior e permanece inalterável à consciência do
indivíduo? Além disso, que essência misteriosa protege o
pensamento, se o movimento o renova totalmente e tudo é e não é ao
mesmo tempo? Por que, se ninguém se banhará duas vezes no
mesmo rio, a inteligência continua sendo a mesma, sem esquecer as suas
aquisições e conhecimentos? Numa palavra, quem preserva a coesão
individual e a memória, se tudo está exposto ao processo
dialéctico?
Eis aqui, pois, os pontos capitais a que o materialismo histórico
deverá responder.
O espiritismo pode solucionar o problema, dizendo que o Ser
espiritual se mantém inalterável no meio ao processo dialéctico, devido
ao perispírito, no qual se resumem toda a sua inteligência e a sua
individualidade. O Ser, com efeito, sustenta-se no perispírito,
órgão que não pode ser alterado pelas leis do movimento dialéctico. Como
veremos, esta interpretação do homem sobrepuja completamente a interpretação
materialista da história. Assim, já não é somente o factor económico que determina
as condições políticas, artísticas, religiosas e, outras da sociedade, pois
nelas intervêm também os elementos espirituais. Porque, se a vida
espiritual do homem dependesse exclusivamente dos modos de
produção, não existiriam espíritos com sentido de justiça: a
inteligência estaria ao nível das formas imperfeitas da sociedade.
Não obstante, as formas capitalista e socialista são
a consequência de estados de consciência, respondendo a dois graus de evolução
intelectual e mental do indivíduo. Estes dois graus de evolução deveriam
explicar-se pelo estado moral do perispírito, base de
todas as sensações do Ser e, pelo maior desenvolvimento palingenésico do
homem. Se é certo que os modos de produção aperfeiçoam e
ampliam a técnica, vemos, entretanto, que os referidos factores são
incapazes de criar no organismo humano novos membros, que o
indivíduo pudesse utilizar em seu proveito. Esta impotência
dos modos de produção permite à filosofia espírita
estabelecer a seguinte conclusão:
Se a mão foi o primeiro instrumento do qual se valeu o
homem, na sua luta pela existência, este mesmo facto nos indica que é
sempre a Ideia, ou o Espírito, que rege a realidade objectiva, por intermédio
de um órgão material.
E a isto, para sermos mais explícitos, devemos acrescentar
que não foram as forças produtivas da economia que desenvolveram as mãos no
indivíduo, mas o próprio poder de materialização do Ser, já que
os modos de produção em nada alteraram as formas anatómicas do
homem. Podemos dizer que as formas orgânicas do indivíduo não foram
tocadas pelo processo dialéctico da economia, o que nos mostra a existência, na
natureza humana, de um princípio psíquico que não poderá ser alterado
por nenhuma espécie de influência exteriores.
O desenvolvimento ou aparição de asas nas espécies voláteis
não tem origem de carácter económico, mas corresponde apenas a uma
finalidade do perispírito (i) desses
seres. O aparecimento das faculdades metapsíquicas na espécie humana
não se deve tampouco a qualquer tipo de determinismo económico. O seu
desenvolvimento corresponde a factores espirituais que o homem traz em
si mesmo, e que irão aumentando à medida que ele avance através do
processo palingenésico.
Entretanto, os factores económicos são elementos que
podem influir indirectamente sobre o desenvolvimento metapsíquico
do homem. Por isso, no seu aspecto social, a filosofia espírita revela
um sentido nitidamente socialista. Um povo economicamente pobre
não poderá desenvolver com facilidade o sentido psíquico da vida espiritual;
não terá oportunidade para isso, visto que a pobreza sempre engendra o
raquitismo. O desenvolvimento de qualquer faculdade metapsíquica nos homens e
nos povos requer a organização de uma sociedade próspera, no sentido
económico; as nações pacíficas e felizes são as que mais prontamente
se aproximam das realidades do mundo invisível.
O materialismo
dialéctico deverá reconhecer que a vida do homem tem uma
finalidade transcendental. Desse modo poderia conter, como parece desejar, os
erros do existencialismo. Porque, se o homem e o
cidadão, a sociedade e a história, não possuem uma suprema teleologia
espiritual, de nada valerá o esforço para instituir na
Terra uma sociedade sem classes. Se o homem, repetimos, é um Ser
para a morte e para o nada, como o admite o existencialismo ateu,
pouco importa que existam ou não classes exploradoras, pois tudo há de terminar
na gélida noite do sepulcro. Em compensação, se o Ser é uma
individualidade espiritual para a vida eterna, poderão justificar-se as
diversas lutas em prol de uma sociedade justa e perfeita. (1)
A filosofia espírita, que experimentalmente pode
provar a existência imortal do Espírito, é uma vigorosa ideologia que
poderá inspirar todo o homem que se sacrifique pelo bem e pela igualdade. Se
o materialismo dialéctico quer enveredar por este novo caminho da filosofia e
da ciência, deverá espiritualizar as suas conclusões e
reconhecer que, nos diversos processos da evolução, todo o princípio material
tem o seu espírito e, todo o princípio espiritual tem a sua matéria. Desta
aproximação entre o material e o espiritual surgirá a mais
extraordinária das revoluções, que dignificará o homem, como em nenhum
outro período da história.
/…
(1) Os materialistas lutam estoicamente por
um futuro que nega o seu objectivismo e os coloca no plano do idealismo. Mariotti
acentua essa contradição, dialecticamente resolvida pelo espiritismo. (Nota
de José Herculano Pires).
Humberto
Mariotti, O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do
Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO
ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo V – O
Significado Espírita do Materialismo Dialéctico (III de III), 10º
fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la
ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador
Dali)
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