É evidente que o conhecimento da sobrevivência alarga a concepção humana da
vida e do mundo, muito para além dos limites terrenos ou orgânicos da concepção
materialista. Oliver Lodge classificou o Espiritismo de “nova
revolução copérnica”.
Assim como Copérnico rompeu de vez o ergástulo mental do
geocentrismo, a revolução espírita desloca dos organismos materiais o
conceito de vida, rompe o organocentrismo da biologia moderna e reduz a
uma simples confusão do efeito pela causa o chamado “materialismo-psicológico”.
Em consequência, leis e perspectivas novas aparecem, exigindo verdadeira
revisão dos conhecimentos do homem e do seu modo de encarar a vida e o mundo.
Mais uma vez nos deparamos com a luta clássica entre o velho e o novo tão bem
definida no Evangelho do Cristo e nas obras de Allan Kardec.
Vagas aspirações ~~
Alegam os mais ferrenhos materialistas que o conhecimento da sobrevivência – se
de facto ela existisse – não serviria senão para perturbar a visão presente do
homem, desviando-o da execução pura e simples das tarefas imediatas. Kardec, que
condenou a vida contemplativa e, pregou a necessidade da acção contínua,
dando o exemplo concreto da sua própria vida de militante espírita,
replica: “...a incerteza, no tocante às coisas da vida futura, faz que o
homem se lance, com uma espécie de frenesim, sobre as da vida material.”
A réplica de Kardec não exige demonstrações. A vida moderna, baseada no
materialismo prático do mundo capitalista, vale por uma experiência natural, em
escala de assombro. Nunca se viu tamanho frenesim na procura dos bens
materiais. A advertência de Francis Bacon:
“Busca primeiro as boas coisas do espírito, que o resto será suprido ou não
sentirás a sua falta”, com base naquela do Cristo: “Busca primeiramente o Reino
de Deus e a sua justiça e, tudo o mais te será dado por acréscimo”, não
soa ao coração, mas apenas aos tímpanos desatentos do homem moderno. Diante
disso, poderíamos esperar do materialismo teórico ou filosófico uma nova
aplicação do princípio de Hahnemann,
– similia similibus curantur – para curar o mundo desse
delírio febril?
Kardec diz ainda: “Esse é o inevitável efeito das épocas de transição. O
edifício do passado rui, sem que o do futuro esteja construído. O homem é como
um adolescente, que já não tem a crença ingénua dos primeiros anos e não
adquiriu ainda os conhecimentos da idade madura. Não possui mais do que
vagas aspirações, que não sabe definir.”
A sociedade socialista, baseada na filosofia materialista mais
avançada, terminaria atormentada por essas “vagas aspirações” de que nos fala
Kardec. E mais uma vez surgiria, no seu próprio seio, a luta entre o velho e o
novo. A hipótese não é gratuita, pois para tal não acontecer, seria
necessário que não existisse uma vida futura, que a sobrevivência não fosse uma
das realidades do Universo.
/…
José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico, "O
velho e o novo / Vagas aspirações", 11º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Vi o caçador levantar o
arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)
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