Introdução
(II)
Os sábios, que são tão humanos quanto cientistas, reagiram
individual e diversamente contra tal tendência para o supranormal, que se
poderia chamar justamente de milagroso. Alguns vão até ao desprezo e à
condenação dessas experiências, que estão fora da verdadeira ciência; outros as
aceitam humildemente, como herança da humanidade, sem as procurar pesquisar ou
compreender. A maioria, porém, considerando de forma respeitosa e mesmo
compassiva a conduta das pessoas religiosas, é de opinião que essas coisas
nada têm a ver com as suas ocupações profissionais e intelectuais e, sem
positivamente as negar, por elas não se interessam. O grupo extremo dos
cientistas, que pretendem ser filósofos, olhando a vida sob o ponto de vista
materialista ou sensualista, não tem eloquência, nem entusiasmo, tendendo para
o dogmatismo, a fim de consolidar a sua filosofia robusta, porém algo árida.
Tais homens se vangloriam da sua emancipação da tradição
religiosa e convidam os outros a compartilharem dessa audaciosa rejeição das
fontes do consolo humano, mostrando uma calma estóica no meio do que, para os
demais, pareceria a ruína e a desolação. Citarei, para exemplo, um extracto do
ensaio de
Bertrand
Russell, membro da
Royal Society, intitulado
A Free
Man’s Worship (O culto de um homem livre), e numerosas profissões de
fé, menos eloquentes, de outros escritores, poderiam ser citadas, mas
diriam a mesma coisa que este extracto:
“Que o homem é produto de causas sem nenhuma previsão do fim
que buscam; que a sua origem, o seu desenvolvimento, as suas esperanças e os
seus medos, as suas afeições e crenças são apenas o resultado do aglomerado
fortuito de átomos; que nenhum entusiasmo, nenhum heroísmo, nenhuma intensidade
de pensamento ou sentimento podem conservar a vida individual além-túmulo; que
os trabalhos de todas as idades, a devoção, a inspiração, o brilho resplendente
do génio humano estão votados à extinção com o desaparecimento grandioso do
sistema solar e que o templo inteiro das obras humanas deve ficar infalivelmente
soterrado sob os destroços de um universo em ruínas – todas essas coisas, se
não são indiscutíveis, são quase tão certas que uma filosofia que as repila não
se poderá sustentar. Só com o alicerce dessas verdades e sobre a sólida base de
um desespero intransigente será doravante possível construir, com toda a
segurança, a habitação da alma humana.”
Esse conselho de desespero final está impregnado de uma
convicção quase triunfal. Talvez seja um cântico guerreiro destinado a
sustentar a moral dos combatentes. Não está ele afastado dessa triste
contemplação da sorte dos seres humanos pela qual os poetas da Antiguidade se
mostravam às vezes cheios de aflição?
Alfred Tennyson assim
apostrofa a
Virgílio:
Tu, que vês toda a Natureza Universal movida pelo
Espírito Universal,
Tu, majestoso na tua tristeza pelo destino duvidoso da
Espécie Humana.
No agnosticismo
(i) hodierno, essa triste asserção
foi substituída por um sentimento que se assemelha mais à exaltação do facto de
que o destino não é aparentemente duvidoso. Se isto fosse verdade, não
poderíamos deixar de admirar esse estoicismo, espantando-nos por ver tanta
energia dispensada ao serviço de uma raça votada ao desaparecimento. A única razão
que me leva à discussão de tal filosofia e de tal ética é que, por mais
admirável que seja em si mesma, creio firmemente que, no fundo, é
cientificamente
falsa.
O agnosticismo do século XIX esquecia-se às vezes de ser
simplesmente ateu e, assim como o professor
W. K. Clifford,
se comprazia na negação exuberante de toda a existência espiritual ou
supra-sensorial. Essa fé negativa é hoje compartilhada por grande número de
pessoas, inclusive a clientela desse infalível e pouco modesto periódico
The
Freethinker (O Livre Pensador). Tais pessoas muito se regozijam do que
consideram como a sua liberdade de pensamento, que não é mais do que um ponto
de vista limitado:
“O Universo é composto de éter e de átomos e nele não há
lugar para espíritos.”
Negações especulativas dessa espécie
deveriam ser
confirmadas por conhecimentos mais extensos e aceites com o veredicto da
Ciência, mas no decurso destes últimos anos, vários daqueles que haviam
consagrado as suas vidas aos estudos científicos fixaram a sua atenção sobre
certos fenómenos bizarros e pouco comuns, fenómenos que muitas pessoas
consideram como a demonstração da existência de um mundo invisível e
supranormal, e provavelmente espiritual, um mundo de realidades
individuais e imateriais, na expressão de
Frederic
Myers.
Após detido estudo desses fenómenos, alguns chegaram à
conclusão, não sem vivo sentimento da sua responsabilidade, de que a explicação
mais fácil que se pode dar deles se encontra na hipótese de que a nossa
existência não é apenas limitada à Terra e às coisas terrestres, como supomos,
e que estamos em relação e em contacto com uma outra espécie de vida. Assim, a
nossa atitude para com tais fenómenos, mesmo de ordem mental, deverá
modificar-se e tornar-se cósmica e universal. Dito de outra
maneira, os fenómenos não podem ser explicados se os limitarmos a experiências
ordinárias e normais da vida terrestre.
Uma segunda revolução de
Copérnico está
assim em curso: a Terra, inclusive os outros planetas que se lhe assemelham,
não é a única morada da inteligência. Começo, com efeito, a pensar, não como
consequência de intuições religiosas, mas na razão de indicações, ainda um
pouco obscuras, numa ciência nascente, mais vasta,
em que a
inteligência não é limitada às superfícies das massas planetárias, mas que
penetra e domina o Espaço. Ela está activa em toda a parte, não está
ausente em parte nenhuma. Parece-me possível e mesmo provável que a essência da
vida e da inteligência deve habitar o éter; todavia, se tem necessidade de um
veículo físico,
ela só se encarna na matéria excepcional e temporariamente quando
as circunstâncias são favoráveis e se verificam delicadas e excepcionais
condições.
Assim, parece que a vida encarnada
(i), tal
como a conhecemos, tem necessidade da substância complexa a que chamamos
protoplasma, à guisa de
morada. Essa aglomeração molecular complexa não se pode formar senão a uma
temperatura bastante baixa. O mesmo se dá com certos átomos de que ela se
compõe. Ora, sabemos nós que a maior parte da matéria que compõe o Universo
está a uma temperatura muito elevada e mesmo incandescente. Entre as massas que
se encontram bastante arrefecidas, muitas são bem pequenas para reter uma
atmosfera. É inteiramente excepcional que um corpo celeste tenha uma massa
bastante importante para reter, pela gravidade, gases na sua superfície, sem
ser bastante volumosa para aí conservar ou desenvolver muito calor. Para conservar
a vida, um planeta não deve ter uma temperatura muito baixa, que solidificaria
a água, nem muito elevada, o que lhe valeria a evaporação. A fim de que a água
possa existir em estado líquido e que o protoplasma viva, é preciso
exactamente a escala das temperaturas que se encontra na
atmosfera
terrestre.
A vida na Terra encontra-se distinta e evidentemente
associada à matéria, em toda a parte que isso seja possível. Nos seres
superiores a vida expande-se em inteligência. Assim, de um modo curioso, e apesar
de tudo bastante natural, chegamos à conclusão de que a vida e o espírito
não podem coexistir senão associados à matéria, e quando o
veículo da vida fica gasto e é abandonado, somos levados a crer que a vida e a
inteligência, emancipados, desapareceram, para sempre, da existência.
O que surpreende não é que sobrevivam às suas encarnações
materiais, mas que não tenham nunca podido se encarnar pouco que seja. Sou
levado a admitir a verdade provável, tanto quanto posso saber, de que a
união da vida e do espírito com a matéria é uma coisa excepcional. Creio
que tal associação é mais perfeita na região cósmica e interplanetária, quase
ignorada ainda hoje pelas ciências ortodoxas, tanto biológicas como
fisiológicas. Admito que um veículo qualquer seja praticamente necessário
para o exercício da inteligência, mas não suponho que o corpo seja unicamente
composto da reunião de cargas eléctricas positivas e negativas a que chamamos
comummente “matéria”. Isso me parece uma suposição gratuita e mal fundada, assim
como muitas outras suposições que teorias científicas recentes (especialmente
as pretensas doutrinas da Relatividade) nos levaram a rejeitar.
Posso imaginar uma outra estrutura composta de éter, tão
sólida e substancial quanto a matéria ordinária,
mas com a diferença de
que ela ultrapassa o limite dos nossos actuais sentidos corporais e
que não está sujeita à intervenção muscular directa. As partículas que compõem
um bloco material são mantidas juntas por forças de coesão, de afinidades
químicas e gravitação e essas forças imateriais ou tensões são cada vez mais
conhecidas como funções do éter do Espaço. O corpo material, que vemos e
tocamos, não é nunca o corpo inteiro;
ele deve possuir uma contraparte para
manter a sua entidade e eu penso que, no caso dos seres vivos, é a
contraparte etérica que é verdadeiramente animada.
Na minha opinião, a
vida e o espírito não estão nunca directamente associados à matéria e
não podem agir senão indirectamente através das suas conexões com um veículo
etérico que é o seu real instrumento, um corpo etérico, que, por sua
inter-reacção, é capaz de influenciar a matéria.
As partículas materiais, reunidas pelo corpo etérico, sofrem
uma modificação contínua, a sua natureza é fortuita e temporária; são às vezes
desagradáveis e mal dispostas, finalmente, o corpo material deteriora-se. A
matéria tem numerosas imperfeições, porém o éter jamais deu algum sinal de
imperfeição. É absolutamente transparente e não deixa nenhuma energia
escapar-se; toda a estrutura composta de éter é, segundo toda a probabilidade,
permanente.
Possuímos um corpo etérico independente de todo o acidente
que possa acontecer ao conjunto da matéria associada, e continuamos a possuir
sempre esse corpo etérico depois do desaparecimento do nosso corpo material. A
única objecção a esta realidade reside no facto de que nada existe, de natureza
etérica, susceptível de impressionar os nossos sentidos actuais. Tudo o que
pertence ao éter (mesmo na ciência física) deve ser conhecido por
deduções. A
observação directa parece sem esperança. Pode suceder que vivamos num corpo
etérico permanente e invulnerável, do qual não conhecemos absolutamente nada,
porque ele penetra todo o conjunto das partículas do corpo material, que estão
perpétuamente em vibração, activando constantemente os nossos nervos e atraindo
toda a nossa atenção.
Tal é, de forma sumária, a conclusão a que lentamente
cheguei. Fica por indicar, de maneira geral, a base da experimentação sobre a
qual ela repousa e tudo o que ela implica. Não posso empenhar-me aqui na
discussão dos argumentos actuais relativos ao éter e da sua necessidade
filosófica para a compreensão de todos os fenómenos tratados de uma forma
abstracta, mas procurarei resumir a posição geral que a observação dos factos
me levou a tomar. Tratarei, a seguir, dos factos, tais como me são conhecidos.
Um método, que consiste em citar as deduções, antes de mencionar os factos
sobre os quais elas repousam, parecerá talvez um método algo paradoxal, mas uma
hipótese de trabalho que serve sempre de auxílio. Assemelha-se a um fio ao
qual se pode enfiar uma pérola. Sem uma pista, batemos o campo, perdidos num
labirinto, sem meios para nos orientar. Se uma hipótese não estiver em
harmonia com a verdade, deverá ser ela modificada ou abandonada e assim avança
por si, porém, se esperarmos, ela nos poderá ser útil e a melhor maneira de se
lhe verificar os pontos fracos é submetê-la à prova.
/...
"Mais do que verdadeiramente grande cientista e engenheiro,
Sir Oliver Lodge era um sensitivo que sabia ser seu dever de
cientista; ser verdadeiro para o mundo espiritual em primeiro lugar, uma vez
que era a fonte de toda a inspiração, toda a vida e toda a realidade. (in AETHERFORCE,
Open Source Living Science). Nota em apêndice desta publicação.
Oliver Lodge,
Por
que creio na imortalidade da Alma, Introdução,
Capítulo
I Visão cósmica da vida e do Espírito (II de II), 2º fragmento desta obra.