O homem, segundo o materialismo, seja ele mecanicista
dialéctico, é um animal pensante. Para Marx, e
portanto para o dialéctico, é ainda o resultado da acção simultânea do
trabalho, sobre ele e a natureza. Agindo sobre o meio em que vive,
trabalhando-o, ele se modifica a si mesmo. Essa concepção materialista do homem
não se enquadraria na doutrina de nenhuma das religiões corporificadas em
igrejas. O Espiritismo, entretanto, não a contradiz. Apenas a amplia, ensinando
que o princípio inteligente, no homem como no animal, independe do corpo.
E por isso é condenado e combatido, ao mesmo tempo e por todos os lados, pelos
religiosos e pelos materialistas.
No capítulo III de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec,
encontramos esta definição: “O trabalho é lei da natureza, por isso que constitui
uma necessidade e, a civilização obriga o homem a trabalhar mais porque lhe
aumenta as necessidades e os gozos.” Logo mais adiante: “Sem o trabalho, o
homem permaneceria sempre na infância, quanto à inteligência.”
A lei de causa e efeito é o princípio fundamental
da doutrina, a evolução constitui a sua própria essência. Por outro lado, o
Espiritismo não se estruturou através de formulações hipotéticas. Todo o seu edifício doutrinário assenta na observação e na experimentação. Charles
Richet, que condenava a “credulidade excessiva” de Kardec, já o notara, no Traité. Dialéctico
por natureza, em essência e pelos métodos que emprega, o Espiritismo, se
bem estudado, revela-se o legítimo e natural herdeiro do título a que se
candidata o materialismo dialéctico: a síntese do conhecimento.
Realmente, o Espiritismo, diante dos mundos em litígio do materialismo e do espiritualismo, não peca por exclusão, não comete o pecado proudhoniano ou marxista da escolha. Na sua estrutura encontraremos aquelas duas concepções, não apenas
conjugadas ou ajustadas, mas superadas na transfiguração de um novo corpo
– a síntese –, em que a ciência, a filosofia e a religião, as três
províncias antagónicas do conhecimento, aparecem encadeadas no verdadeiro
“processus” da mais pura dialéctica, uma resultando da outra.
No Anti-Dühring, Engels lembra
as origens do marxismo e expõe a doutrina como a sequência lógica destas fases:
a filosofia, a economia-política e o socialismo. No Espiritismo, a
sequência tresdobra-se na ciência, na filosofia e na
religião. Partindo da observação e da análise dos fenómenos materiais, de
natureza supranormal, criamos a filosofia do ser e, atingimos,
logo a seguir, a religião. Esta, porém, não se traduz na organização de uma
nova igreja, de um novo culto, de um novo “suborno da divindade”. Nem
se traduz no antropomorfismo socialista, erguido no altar da produção. Mas
é, ao mesmo tempo, a comunhão de bens, de corações e de espíritos, pela
qual todos ansiamos, espiritualistas e materialistas, para a construção do
mundo melhor amanhã.
Porque o homem, para o Espiritismo, não é apenas “o último
anel da vida animal na terra” (in A Génese, Kardec), nem o produto
quase exclusivo da acção simultânea do trabalho; mas também
aquele ser que se mostra nos fenómenos de materialização, de
aparição, de visão, de voz directa, de incorporação, de psicografia ou
de tiptologia,
para demonstrar “aos que ficaram” que ele não se extinguiu com a morte e,
que o seu conteúdo moral continua a viver e a desenvolver-se indefinidamente,
da multiplicidade das formas, sem prejuízo da identidade substancial.
/…
José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico, Interpretação
do homem, 10º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Vi o caçador levantar o
arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)
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