sexta-feira, 25 de março de 2016

Saberes e o tempo ~

O tempo, o espaço, a matéria primordial ~ O estado molecular ~

Uma das maiores dificuldades com que nos defrontamos quando queremos estudar a Natureza é a de no-la representarmos tal qual ela é. Quando se vêem massas de mármore de granulação fina e cerrada, enormes barras de ferro suportando pesos gigantescos, torna-se difícil admitir que esses corpos são formados de partículas excessivamente pequenas, que não se tocam, chamadas átomos nos corpos simples e moléculas nos corpos compostos. A extrema tenuidade desses átomos escapa à imaginação. O pó mais impalpável é grosseiro, a par da divisibilidade a que pode chegar.

Disso dá Tyndall um exemplo frisante. Dissolvendo-se um grama de resina pura em 87 gramas de álcool absoluto, deitando-se a solução num frasco de água cristalina e agitando-se fortemente o frasco, ver-se-á o líquido tomar uma coloração azul, devido às moléculas da resina em dissolução. Pois bem, Huxley, examinando essa mistura com o seu mais poderoso microscópio, não conseguiu ver partículas distintas: é que elas tinham, de tamanho, menos de um quarto do milésimo de milímetro!

Também o mundo vivente é formado de moléculas orgânicas, em que os átomos entram como partes constituintes. Segundo Angelo Secchi, em certas diátomas circulares, de diâmetro igual ao comprimento de uma onda luminosa (dois milésimos de milímetro), se podem contar, sobre esse diâmetro, mais de cem células, cada uma das quais composta de moléculas de diferentes substâncias!

Outros vegetais e infusórios microscópicos são menores, em tamanho, do que uma onda luminosa e, no entanto, possuem todos os órgãos necessários à nutrição e às funções vitais. Em suma, é quase indefinida a divisibilidade da matéria, pois, se considerarmos que um miligrama de anilina pode colorir uma quantidade de álcool cem milhões de vezes maior, forçoso será desistir de fazer qualquer ideia das partes extremas da matéria.

E esses infinitamente pequenos se encontram separados uns dos outros por distâncias maiores do que os seus diâmetros; estão incessantemente animados de movimentos diversos e a mais compacta massa, o metal mais duro corresponde apenas a agregados de partículas semelhantes, porém afastadas umas das outras, em vibrações ou girações perpétuas e sem contacto material entre si. A compressibilidade, isto é, a faculdade que possuem todos os corpos de serem comprimidos, ou, por outra, de ocuparem um volume menor, põem essa verdade fora de toda a dúvida.

A difusão, isto é, o poder que têm duas substâncias de se penetrarem mutuamente, também mostra que a matéria não é contínua.

Examinando-se uma pedra jacente na estrada, julga-se que está em repouso, pois não é vista a deslocar-se. Quem, no entanto, lhe pudesse penetrar na intimidade da substância, logo se convenceria de que todas as suas moléculas se encontram em incessante movimento. No estado ordinário, esse formigamento é de todo imperceptível. Entretanto, poderemos aperceber-nos dele, se bem que de modo grosseiro, se notarmos que os corpos aumentam ou diminuem de volume, isto é, que dilatam ou se contraem – sem que as suas massas sofram qualquer alteração – conforme a temperatura neles se eleva ou decresce. Essas mudanças deixam ver que é variável o espaço que separa as moléculas e guarda relação com a quantidade de calor que os corpos contêm no momento em que são observados.

Desse conhecimento resulta que no interior dos corpos, brutos e na aparência imóveis, se executa um trabalho misterioso, uma infinidade de vibrações infinitamente pequenas, um equilíbrio que de contínuo se destrói e restabelece, e cujas leis, variáveis para cada substância, dão a cada uma a sua individualidade. Do mesmo modo que os homens se distinguem uns dos outros segundo a maneira com que suportam o jugo das paixões ou lutam contra elas, também as substâncias minerais se distinguem umas das outras pela maneira com que suportam os choques e contra eles reagem.

Ter-se-ão estudado esses movimentos internos? Ainda não se puderam observar directamente os deslocamentos moleculares, (I) senão na sua totalidade, pois que os mais poderosos microscópios não nos permitem ver uma molécula; mas, os fenómenos que se produzem nas reacções químicas e a aplicação que se lhes fez da teoria da transformação do calor em trabalho, e reciprocamente, possibilitaram comprovar-se que estas últimas divisões da matéria se encontram submetidas às mesmas leis que presidem às evoluções dos sóis no espaço. Também ao mundo atómico são aplicadas as regras fixas da mecânica celeste, o que mostra, inegavelmente, a admirável unidade que rege o universo. (II)

Graças aos progressos das ciências físicas, admite-se hoje que todos os corpos têm as suas moléculas animadas de duplo movimento: de translação ou oscilação em torno de uma posição mediana e de libração (balanço) ou de rotação em torno de um ou muitos eixos. Esses movimentos se efectuam sob a influência da lei de atracção. Nos corpos sólidos, as moléculas se encontram dispostas segundo um sistema de equilíbrio ou de orientação estável; nos líquidos, encontram-se em equilíbrio instável; nos gases, estão em movimento de rotação e em perpétuo conflito umas com as outras. (III)

Todos os corpos da Natureza, assim inorgânica, como vivente, se encontram submetidos a essas leis. Seja a asa de uma borboleta, a pétala de uma rosa, a face de uma donzela, o ar impalpável, o mar imenso ou o solo que pisamos, tudo vibra, gira, se balança ou se move. Mesmo um cadáver, embora a vida o haja abandonado, constitui um amontoado de matéria, cada uma de cujas moléculas possui energias que não lhe podem ser subtraídas. O Repouso é uma palavra que carece de sentido.

/…
(I) L’Âme est Immortelle (A Alma é Imortal). Paris: Ed. J. Meyer (B.P.S.), 1897.
(II) Berthelot, Ensaio de mecânica química, t. II, pág. 757.
(III) Moutier, Termodinâmica.


Gabriel Delanne, A Alma é Imortal, Terceira parte – O Espiritismo e a ciência Capítulo II O tempo, o espaço, a matéria primordial, O estado molecular – Justificação desta teoria, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Pitágoras, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio (1509)

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