Deus e o Universo (IV)
Não procures Deus nos templos de pedra e de mármore, ó homem
que o queres conhecer, e sim no templo eterno da Natureza, no espectáculo dos
mundos a percorrer o Infinito, nos esplendores da vida que se expande na sua
superfície, na vista dos horizontes variados: planícies, vales, montanhas e
mares que a tua morada terrestre te oferece. Por toda a parte, à luz brilhante do
dia ou sob o manto constelado das noites, à margem dos oceanos tumultuosos e, assim na solidão das florestas, se te souberes recolher, ouvirás as vozes da
Natureza e os subtis ensinamentos que murmuram ao ouvido daqueles que
frequentam as suas solidões e estudam os seus mistérios.
A Terra voga sem ruído na extensão. Essa massa de dez mil
léguas de circuito desliza sobre as ondas do éter qual um pássaro no Espaço,
qual um mosquito na luz. Nada denuncia a sua marcha imponente. Nenhum ranger de
rodas, nenhum murmúrio de vagas sob os seus flancos. Silenciosa, ela passa,
rola entre as suas irmãs do céu. Toda a potente máquina do Universo se agita;
os milhões de sóis e de mundos que a compõem, mundos perto dos qual o nosso
vale por uma criança, todos se deslocam, se entrecruzam, prosseguem as suas evoluções
com velocidades aterradoras, sem que som algum ou qualquer choque venha trair a
acção desse gigantesco aparelho. O Universo continua calmo. É o equilíbrio
absoluto; é a majestade de um poder misterioso, de uma Inteligência
que não se impõe, que se esconde no seio das coisas e, cuja presença se
revela ao pensamento e ao coração e, que atrai o pesquisador qual a vertigem do
abismo.
Se a Terra evolucionasse com estrondo, se o mecanismo do
mundo se regulasse com fracasso, os homens, aterrorizados, curvar-se-iam e
creriam. Mas, não! A obra formidável se executa sem esforço. Globos e sóis
flutuam no Infinito, tão livres quanto plumas sob a brisa. Avante, sempre
avante! O rondar das esferas se efectua guiado por uma potência invisível.
A vontade que dirige o Universo disfarça-se a todos os
olhares. As coisas estão dispostas de maneira que ninguém é obrigado a
lhes dar crédito. Se a ordem e a harmonia do Cosmos não bastam para
convencer o homem, este é livre no conjecturar. Nada constrange o céptico para
ir a Deus.
O mesmo acontece às coisas morais. As nossas existências se
desenrolam e os acontecimentos se sucedem sem ligação aparente; mas, a imanente
justiça domina ao alto e regula os nossos destinos segundo um princípio imutável,
pelo qual tudo se encadeia numa série de causas e de efeitos. O seu conjunto
constitui uma harmonia que o espírito emancipado de preconceitos, iluminado por
um raio da Sabedoria, descobre e admira. Que nós sabemos do Universo? Nossa
vista só percebe um conjunto restrito do império das coisas. Somente os corpos
materiais, à nossa semelhança, a afectam. A matéria subtil e difusa nos escapa. (i) Vemos
o que há de mais grosseiro, em tudo que nos cerca. Todos os mundos fluídicos,
todos os círculos onde a vida superior se agita, a vida radiosa, se eclipsam
aos olhos humanos. Distinguimos apenas os mundos opacos e pesados que se movem
nos céus. O Espaço que os separa nos parece vazio. Por toda a parte, profundos
abismos parecem abrir-se. Erro! O Universo está cheio. Entre essas
moradas materiais, no intervalo desses mundos planetários, prisões ou
presídios flutuam no Espaço, outros domínios da Vida se estendem, vida
espiritual, vida gloriosa, que os nossos sentidos espessos não podem perceber
porque, sob as suas radiações, quebraria qual se quebra o vidro ao choque de uma
pedra.
A sábia Natureza limitou as nossas percepções e as nossas
sensações. É degrau a degrau que ela nos conduz no caminho do saber. É
lentamente, trecho por trecho, vidas depois de vidas, que ela nos leva ao
conhecimento do Universo, seja visível, seja oculto. O ser sobe, um a um, os
degraus da escadaria gigantesca que conduz a Deus. E cada um desses degraus
representa para o ser uma longa série de séculos.
Se os mundos celestes nos aparecessem de repente, sem véus,
em toda a sua glória, ficaríamos aturdidos, cegos. Mas, os nossos sentidos
exteriores foram medidos e limitados. Eles avultam e se apuram à medida que o
ser se eleva na escala da existência e dos aperfeiçoamentos. O mesmo se dá com
o conhecimento, a possessão das leis morais. O Universo se desvenda aos nossos
olhos à proporção que a nossa capacidade de compreender as suas leis se
desenvolve e engrandece. Lenta é a incubação das Almas sob a luz divina.
/…
(i) Actualmente não conhecemos, nem podemos conhecer, na sua essência, nem o Espírito nem a Matéria.
Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus e o Universo, I O
grande Enigma 4 de 5, 7º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: La Madonna de Port Lligat, detalhe | 1950, Salvador Dali)
Sem comentários:
Enviar um comentário