quarta-feira, 6 de abril de 2016

o grande enigma ~

Deus e o Universo (IV)

Não procures Deus nos templos de pedra e de mármore, ó homem que o queres conhecer, e sim no templo eterno da Natureza, no espectáculo dos mundos a percorrer o Infinito, nos esplendores da vida que se expande na sua superfície, na vista dos horizontes variados: planícies, vales, montanhas e mares que a tua morada terrestre te oferece. Por toda a parte, à luz brilhante do dia ou sob o manto constelado das noites, à margem dos oceanos tumultuosos e, assim na solidão das florestas, se te souberes recolher, ouvirás as vozes da Natureza e os subtis ensinamentos que murmuram ao ouvido daqueles que frequentam as suas solidões e estudam os seus mistérios.

A Terra voga sem ruído na extensão. Essa massa de dez mil léguas de circuito desliza sobre as ondas do éter qual um pássaro no Espaço, qual um mosquito na luz. Nada denuncia a sua marcha imponente. Nenhum ranger de rodas, nenhum murmúrio de vagas sob os seus flancos. Silenciosa, ela passa, rola entre as suas irmãs do céu. Toda a potente máquina do Universo se agita; os milhões de sóis e de mundos que a compõem, mundos perto dos qual o nosso vale por uma criança, todos se deslocam, se entrecruzam, prosseguem as suas evoluções com velocidades aterradoras, sem que som algum ou qualquer choque venha trair a acção desse gigantesco aparelho. O Universo continua calmo. É o equilíbrio absoluto; é a majestade de um poder misterioso, de uma Inteligência que não se impõe, que se esconde no seio das coisas e, cuja presença se revela ao pensamento e ao coração e, que atrai o pesquisador qual a vertigem do abismo.

Se a Terra evolucionasse com estrondo, se o mecanismo do mundo se regulasse com fracasso, os homens, aterrorizados, curvar-se-iam e creriam. Mas, não! A obra formidável se executa sem esforço. Globos e sóis flutuam no Infinito, tão livres quanto plumas sob a brisa. Avante, sempre avante! O rondar das esferas se efectua guiado por uma potência invisível.

A vontade que dirige o Universo disfarça-se a todos os olhares. As coisas estão dispostas de maneira que ninguém é obrigado a lhes dar crédito. Se a ordem e a harmonia do Cosmos não bastam para convencer o homem, este é livre no conjecturar. Nada constrange o céptico para ir a Deus.

O mesmo acontece às coisas morais. As nossas existências se desenrolam e os acontecimentos se sucedem sem ligação aparente; mas, a imanente justiça domina ao alto e regula os nossos destinos segundo um princípio imutável, pelo qual tudo se encadeia numa série de causas e de efeitos. O seu conjunto constitui uma harmonia que o espírito emancipado de preconceitos, iluminado por um raio da Sabedoria, descobre e admira. Que nós sabemos do Universo? Nossa vista só percebe um conjunto restrito do império das coisas. Somente os corpos materiais, à nossa semelhança, a afectam. A matéria subtil e difusa nos escapa. (i) Vemos o que há de mais grosseiro, em tudo que nos cerca. Todos os mundos fluídicos, todos os círculos onde a vida superior se agita, a vida radiosa, se eclipsam aos olhos humanos. Distinguimos apenas os mundos opacos e pesados que se movem nos céus. O Espaço que os separa nos parece vazio. Por toda a parte, profundos abismos parecem abrir-se. Erro! O Universo está cheio. Entre essas moradas materiais, no intervalo desses mundos planetários, prisões ou presídios flutuam no Espaço, outros domínios da Vida se estendem, vida espiritual, vida gloriosa, que os nossos sentidos espessos não podem perceber porque, sob as suas radiações, quebraria qual se quebra o vidro ao choque de uma pedra.

A sábia Natureza limitou as nossas percepções e as nossas sensações. É degrau a degrau que ela nos conduz no caminho do saber. É lentamente, trecho por trecho, vidas depois de vidas, que ela nos leva ao conhecimento do Universo, seja visível, seja oculto. O ser sobe, um a um, os degraus da escadaria gigantesca que conduz a Deus. E cada um desses degraus representa para o ser uma longa série de séculos.

Se os mundos celestes nos aparecessem de repente, sem véus, em toda a sua glória, ficaríamos aturdidos, cegos. Mas, os nossos sentidos exteriores foram medidos e limitados. Eles avultam e se apuram à medida que o ser se eleva na escala da existência e dos aperfeiçoamentos. O mesmo se dá com o conhecimento, a possessão das leis morais. O Universo se desvenda aos nossos olhos à proporção que a nossa capacidade de compreender as suas leis se desenvolve e engrandece. Lenta é a incubação das Almas sob a luz divina.

/…
(i) Actualmente não conhecemos, nem podemos conhecer, na sua essência, nem o Espírito nem a Matéria.



Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus e o Universo, I O grande Enigma 4 de 5, 7º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: La Madonna de Port Lligat, detalhe | 1950, Salvador Dali)

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