terça-feira, 3 de março de 2020

as vidas sucessivas | os elementos ~

~ Experiências magnéticas 
Regressão da memória e previsão 
~ Caso nº 1 / Laurent (IV)

"27 de Outubro de 1893|

Sessão bastante longa; mas, tendo o Sr. de Rochas se esquecido de sugerir-me a lembrança do que se passaria, não me recordo de nada. Parece que se pode, pressionando-se fortemente a fronte, evocar as sensações experimentadas, todavia, ao menos no que me concerne, a imaginação parece-me então alterar a memória. Não apresentando a lembrança certeza absoluta, como a que se tem sob a influência da sugestão, é mais sensato não lhe dar crédito. (i)

8 de Novembro de 1893

É necessário que eu fale sobre um fenómeno que frequentemente tenho observado nestes dias.

Tão logo na presença do Sr. de R., sinto-me sob a sua influência, mesmo que na nossa conversa não se trate de hipnotismo e, sem que ele me aplique passes ou me fixe para levar-me ao sonambulismo.

No jardim do Luxemburgo, anteontem, enquanto eu passeava com ele, o Sr. de R. deu-me esta ordem: “Você já não pode andar.” Imediatamente permaneci no mesmo lugar, as pernas rígidas, um pouco apavorado, mas sem razão, pois, tão logo me apercebo de que estou sob a influência de uma sugestão, por si só os meus músculos se relaxam e continuo o passeio sem a mínima dificuldade.

Advertido assim de que o Sr. de R. procura nesse momento tentar o seu poder sobre um sujet desperto, permaneço atento, acreditando que a minha vontade será capaz de lutar contra as ordens recebidas. E, efectivamente, reagindo de alguma forma com antecedência logo que o Sr. de R. abre a boca, chego a impedir que a sugestão se realize, sem todavia poder reter um gesto levemente esboçado, que é o começo da realização.

– Deixemos isso – diz-me o Sr. de R. – e falemos de outra coisa.

Já não penso numa possível sugestão quando o Sr. de R. bruscamente exclama:

– Abra a sua mão direita.

Apanhado de surpresa, obedeço imediatamente e a minha bengala cai no chão.

Esta manhã, a simples presença do magnetizador foi suficiente para fazer-me cair na primeira letargia. Sem dúvida eu tinha vindo ao seu gabinete para ser adormecido, eu já estava até sentado diante dele, eu não tinha a ideia de resistir à sua influência magnética (e estas são condições essenciais do fenómeno que se produziu) e, ainda mais, foi a primeira vez que observei isso e adormeci sem o concurso directo do magnetizador.

O Sr. de R. leva-me ao terceiro estado, o estado de rapport. A mesma obliteração da memória de tudo o que se refere ao período de minha vida transcorrido desde a idade dos nove anos. Na verdade, admiro-me por voltar de repente a essa idade sem passar por etapas progressivas. (ii) O facto não é menos verdadeiro; raciocino claramente, entretanto exprimo-me com um vocabulário restrito. Estou nas quatro operações em matemática e cometo erros de ortografia, ao escrever. A minha letra é infantil; lamento não poder compará-la com a que eu rabiscava os meus cadernos escolares perdidos. Não me recordo de ter tido, hoje, esse súbito lampejo de consciência que me fez perceber, em um segundo, durante a sessão precedente, que eu estava adormecido.

É necessário observar que a sugestão possui menos força nesse terceiro estado do que nos estados precedentes. De acordo com o Sr. de R., sou um dos mais sensíveis a isso; não obstante, cedo menos facilmente do que no segundo estado (sonambulismo).

Se, por exemplo, nesse segundo estado o Sr. de R. me ordena, quando está atrás de mim, que o veja em carne e osso na poltrona que está diante de mim, a alucinação é completa: vejo e toco efectivamente uma pessoa viva e, a sensação não se torna mais nítida quando o Sr. de R. se senta ele próprio na poltrona.

Ao contrário, no terceiro estado, sob a ordem do Sr. de R., vejo-o bem e sinto-o lá onde ele não está; mas se ele se dirige realmente ao local onde creio vê-lo, apercebo-me do meu erro, enquanto, no segundo estado, entre a sua imagem e ele, eu não encontrava diferença.

12 de Novembro de 1893

Experiências feitas novamente no terceiro estado.

exteriorização da sensibilidade segue as mesmas leis observadas no segundo estado. Há zonas sensíveis distribuídas em torno do meu corpo e separadas por intervalos constantes onde a excitação é vã. Essas zonas sensíveis são, aliás, invisíveis para mim; não vejo vestígios de eflúvios. Além do mais, observo sempre que a reacção à excitação é mais viva e a sensação mais nítida quando sou advertido e vejo o ponto da zona sobre a qual é dirigida a excitação.

Apagam-se as luzes e deixa-se o cómodo numa obscuridade completa. O Sr. de R. apresenta-me então um diamante, inesperadamente. Passado um momento distingo duas frouxas luminosidades em alguma parte no espaço. É precisamente aí que encontro o diamante. Aliás, essas luminosidades são tão vagas para os meus olhos que não posso definir exactamente a sua cor.

O Sr. de R. estende-me em seguida os seus dedos, que não me parecem mais luminosos do que como os vejo habitualmente. De qualquer forma, não vejo nenhum eflúvio saindo deles.

Enfim, o Sr. de R., colocando a sua mão sobre o peito, pergunta-me se não vejo dentro dele. – Absolutamente não. E não vejo também nada em mim mesmo. (iii)

Acho prudente encerrar aqui estas anotações. À medida que o sujet chega a um estado mais profundo, a sugestão adquire cada vez menos poder sobre ele. Por conseguinte, apesar de o Sr. de R. me sugerir a recordação do que se passa comigo durante o meu sono, desperto, eu não me recordo de nenhuma de minhas acções, de nenhuma das minhas palavras. Eu disse que, pressionando-se fortemente a fronte e, por um esforço persistente, se podiam evocar palavras e acções que se crê terem sido ditas e realizadas; porém também acrescentei que isso parecia como que uma ilusão.

A partir do momento em que entrei nos estados mais profundos do que o terceiro, tive de resignar-me a já não me observar e, por conseguinte saber o que se passou comigo, fixar-me nas observações do Sr. de Rochas, o que faço sem esforço.

                                                                                                                        Laurent
/...
(i) Constatei nesta sessão, com o auxílio de perguntas versando sucessivamente sobre acontecimentos desde os mais recentes até ao nome do seu professor da 3ª série, que as suas recordações se concentravam sobre aqueles cada vez mais distantes à medida que a hipnose se aprofundava. (A. de Rochas)
(ii) As etapas progressivas existem realmente, mas eu não interrogava o sujet durante a sua duração, porque na sessão de 27 de Outubro eu já havia estudado o que podia interessar-me. (A. de Rochas)
(iii) Essas tentativas tinham por finalidade constatar se Laurent gozava da propriedade descrita nos estados profundos da hipnose. (A. de Rochas)


Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte Experiências magnéticas, Capítulo II – Regressão da memória e previsão, Caso nº 1 – Laurent, 1893 (por ele próprio) 4 de 4, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em acrílico de Costa Brites)

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