~ Experiências magnéticas
~ Regressão da memória e
previsão
~ Caso nº 1 / Laurent (IV)
"27 de Outubro de 1893|
Sessão bastante longa; mas, tendo o Sr. de Rochas se
esquecido de sugerir-me a lembrança do que se passaria, não me recordo de nada.
Parece que se pode, pressionando-se fortemente a fronte, evocar as sensações
experimentadas, todavia, ao menos no que me concerne, a imaginação parece-me
então alterar a memória. Não apresentando a lembrança certeza absoluta, como a
que se tem sob a influência da sugestão, é mais sensato não lhe dar
crédito. (i)
8 de Novembro de 1893
É necessário que eu fale sobre um fenómeno que
frequentemente tenho observado nestes dias.
Tão logo na presença do Sr. de R., sinto-me sob a sua
influência, mesmo que na nossa conversa não se trate de hipnotismo e, sem que ele
me aplique passes ou me fixe para levar-me ao sonambulismo.
No jardim do Luxemburgo, anteontem, enquanto eu passeava com
ele, o Sr. de R. deu-me esta ordem: “Você já não pode andar.” Imediatamente
permaneci no mesmo lugar, as pernas rígidas, um pouco apavorado, mas sem razão,
pois, tão logo me apercebo de que estou sob a influência de uma
sugestão, por si só os meus músculos se relaxam e continuo o passeio sem a
mínima dificuldade.
Advertido assim de que o Sr. de R. procura nesse momento
tentar o seu poder sobre um sujet desperto,
permaneço atento, acreditando que a minha vontade será capaz de lutar contra as
ordens recebidas. E, efectivamente, reagindo de alguma forma com antecedência
logo que o Sr. de R. abre a boca, chego a impedir que a sugestão se realize,
sem todavia poder reter um gesto levemente esboçado, que é o começo da
realização.
– Deixemos isso – diz-me o Sr. de R. – e falemos de outra
coisa.
Já não penso numa possível sugestão quando o Sr. de R.
bruscamente exclama:
– Abra a sua mão direita.
Apanhado de surpresa, obedeço imediatamente e a minha
bengala cai no chão.
Esta manhã, a simples presença do magnetizador foi
suficiente para fazer-me cair na primeira letargia. Sem dúvida eu tinha
vindo ao seu gabinete para ser adormecido, eu já estava até sentado diante
dele, eu não tinha a ideia de resistir à sua influência magnética (e estas são
condições essenciais do fenómeno que se produziu) e, ainda mais, foi a primeira
vez que observei isso e adormeci sem o concurso directo do
magnetizador.
O Sr. de R. leva-me ao terceiro estado, o estado de rapport.
A mesma obliteração da memória de tudo o que se refere ao período de minha vida
transcorrido desde a idade dos nove anos. Na verdade, admiro-me por
voltar de repente a essa idade sem passar por etapas
progressivas. (ii) O facto não é menos verdadeiro;
raciocino claramente, entretanto exprimo-me com um vocabulário restrito.
Estou nas quatro operações em matemática e cometo erros de ortografia, ao
escrever. A minha letra é infantil; lamento não poder compará-la com a que eu
rabiscava os meus cadernos escolares perdidos. Não me recordo de ter tido,
hoje, esse súbito lampejo de consciência que me fez perceber, em um segundo,
durante a sessão precedente, que eu estava adormecido.
É necessário observar que a sugestão possui menos
força nesse terceiro estado do que nos estados precedentes. De acordo
com o Sr. de R., sou um dos mais sensíveis a isso; não obstante, cedo menos
facilmente do que no segundo estado (sonambulismo).
Se, por exemplo, nesse segundo estado o Sr.
de R. me ordena, quando está atrás de mim, que o veja em carne e osso na poltrona
que está diante de mim, a alucinação é completa: vejo e toco
efectivamente uma pessoa viva e, a sensação não se torna mais nítida quando
o Sr. de R. se senta ele próprio na poltrona.
Ao contrário, no terceiro estado, sob a ordem do
Sr. de R., vejo-o bem e sinto-o lá onde ele não está; mas se ele se dirige
realmente ao local onde creio vê-lo, apercebo-me do meu erro,
enquanto, no segundo estado, entre a sua imagem e ele, eu não encontrava
diferença.
12 de Novembro de 1893
Experiências feitas novamente no terceiro estado.
A exteriorização da sensibilidade segue as
mesmas leis observadas no segundo estado. Há zonas sensíveis distribuídas em
torno do meu corpo e separadas por intervalos constantes onde
a excitação é vã. Essas zonas sensíveis são, aliás, invisíveis para mim; não
vejo vestígios de eflúvios. Além do mais, observo sempre que a reacção à
excitação é mais viva e a sensação mais nítida quando sou advertido e
vejo o ponto da zona sobre a qual é dirigida a excitação.
Apagam-se as luzes e deixa-se o cómodo numa obscuridade
completa. O Sr. de R. apresenta-me então um diamante, inesperadamente.
Passado um momento distingo duas frouxas luminosidades em alguma parte no
espaço. É precisamente aí que encontro o diamante. Aliás, essas luminosidades
são tão vagas para os meus olhos que não posso definir exactamente a sua cor.
O Sr. de R. estende-me em seguida os seus dedos, que não me
parecem mais luminosos do que como os vejo habitualmente. De qualquer forma,
não vejo nenhum eflúvio saindo deles.
Enfim, o Sr. de R., colocando a sua mão sobre o peito,
pergunta-me se não vejo dentro dele. – Absolutamente não. E não vejo também
nada em mim mesmo. (iii)
Acho prudente encerrar aqui estas anotações. À
medida que o sujet chega a um estado mais profundo, a sugestão
adquire cada vez menos poder sobre ele. Por conseguinte, apesar de o Sr. de
R. me sugerir a recordação do que se passa comigo durante o meu sono, desperto, eu não me recordo de nenhuma de minhas acções, de nenhuma das minhas
palavras. Eu disse que, pressionando-se fortemente a fronte e, por um esforço
persistente, se podiam evocar palavras e acções que se crê terem sido ditas e
realizadas; porém também acrescentei que isso parecia como que uma ilusão.
A partir do momento em que entrei nos estados mais
profundos do que o terceiro, tive de resignar-me a já não me observar e,
por conseguinte saber o que se passou comigo, fixar-me nas observações do Sr. de Rochas, o
que faço sem esforço.
Laurent
/...
(i) Constatei nesta sessão, com o auxílio de perguntas
versando sucessivamente sobre acontecimentos desde os mais recentes até ao nome
do seu professor da 3ª série, que as suas recordações se concentravam sobre
aqueles cada vez mais distantes à medida que a hipnose se
aprofundava. (A. de
Rochas)
(ii) As etapas progressivas existem realmente, mas
eu não interrogava o sujet durante a sua duração, porque na sessão de 27 de
Outubro eu já havia estudado o que podia interessar-me. (A. de Rochas)
(iii) Essas tentativas tinham por finalidade
constatar se Laurent gozava da propriedade descrita nos estados profundos
da hipnose. (A. de Rochas)
Albert
de Rochas, As Vidas Sucessivas, Segunda Parte
Experiências magnéticas, Capítulo
II – Regressão
da memória e previsão, Caso nº 1 – Laurent, 1893 (por ele
próprio) 4 de 4, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em
acrílico de Costa Brites)
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