princípios da Terapêutica Espírita
A terapêutica espírita funda-se na concepção do Universo
como estrutura unitária e infinita.
Tudo se encadeia no Universo, como ensina Kardec. Dessa
maneira, há uma constante relação de todas as coisas e todos os seres no
Universo Infinito.
Essa estrutura inimaginável encerra tudo em si mesma e
por isso todos os recursos de que necessita estão nela mesma.
Cada partícula do Universo reflecte o todo e é formada à
semelhança do Todo. Esse princípio de similaridade universal supera as
nossas concepções e as nossas percepções fragmentárias.
Foi da intuição natural da similaridade que surgiu a magia,
como primeira tentativa de conquista e domínio, pelo homem, das energias da
natureza. A magia das selvas, na sua simplicidade elementar, encerrava em
potência toda a actualização futura. O homem primitivo percebeu a semelhança
das coisas e dos seres nas suas experiências do mundo. O seu mundo era um
fragmento do Universo e, para ele, não tinha limites. Na sua intuição
globalizante (pois toda a intuição é uma percepção global) começou a
conquista do real pela conquista progressiva das coisas e seres semelhantes.
Para atingir o pássaro no ar precisava de um instrumento voador e fez a flecha.
Para curar uma ferida produzida pelo espinho de uma planta, recorreu ao suco de
suas folhas. Para saciar os seus impulsos sexuais devia conquistar a mulher.
Dessa satisfação nascia um novo ser, semelhante a ambos.
A dialéctica da vida se insinuava naturalmente em sua consciência fragmentária,
ligando os factos entre si e desenvolvendo-lhe o tirocínio. Este o
levaria às conquistas subsequentes, infundindo-lhe o sentimento do
mundo, na fusão da mente com a afectividade. Nessa fusão temos
o homem ligado à terra pela similitude de seus interesses vitais, e ao mesmo
tempo atraído ao céu pelo despertar de seus impulsos de transcendência. Por
isso, desde as inscrições rupestres nas cavernas até às mais altas civilizações
do Oriente e do Ocidente, o homem teve sempre a ideia de Deus no seu íntimo e
nas suas manifestações em busca da sociabilidade. A magia simpatética das
selvas impregnara as religiões nascidas dessa dupla fonte, marcadas até hoje
pelo impulso da lei de adoração a Deus. Com os pés enraizados na terra do
mundo, ele voltará sempre para a luz, o fogo e a chuva que o alimentam e
estimulam em suas actividades criadoras. O sentimento do mundo é
a confirmação sincrética de
suas percepções sensoriais e de sua intuição extra-sensorial do todo como
unidade.
O estranho episódio da cura pelo pó de múmia, na
História da Medicina, quando as múmias se esgotaram nas escavações do Egipto e
os terapeutas mágicos passaram a produzir múmias artificiais para os doentes,
revela a que intensidade chegou a ligação do homem com a terra. A
múmia representava ao mesmo tempo o homem e a terra, encerrando, portanto, os
poderes curadores da natureza humana e os do solo, em cujas entranhas esses
poderes se fundiam sob a acção misteriosa do tempo. Dessa mitologia
aparentemente absurda nascera em tempos remotos, curtido pelo sentimento
do mundo, o sentimento da fraternidade humana, da possibilidade das acções
fluídicas entre os corpos dos homens vivos. Jesus empregaria então os
seus poderes espirituais na transmissão das energias vitais do terapeuta ao
doente, através do rito da imposição das mãos, que marcaria todo o período de
desenvolvimento do Cristianismo até ao Século XIX, em que Kardec reavivaria
essa prática antiquíssima em plena era científica. Tinham razão os que temiam o
restabelecimento das superstições do passado remoto, sem o conhecer, e portanto
sem levar em conta, os princípios renovadores da concepção espírita do mundo. Eram
realmente as velhas superstições que renasciam, mas pelas mãos de um
cientista que as depurava de sua ganga de milénios para
extrair-lhes apenas a essência.
Kardec anunciou
que, no seu tempo, com o advento da revelação espírita, divina, pelas
manifestações espirituais, e humanas, pela elaboração científica dos homens, os
erros do passado se transformariam em verdades. Esse é um exemplo das
transformações previstas. Os erros de interpretação de um passado obscuro
tornaram-se acertos ante as investigações do homem moderno. Assim podemos
afirmar que o primeiro princípio da terapêutica espírita é de origem telúrica,
fundado na realidade objectiva de um dos mais curiosos e intrigantes episódios
da história da Medicina. A volta à Natureza, que Rousseau pregou
na Educação, ironizado por Voltaire,
Kardec efectivou, como pesquisador científico e médico, professor e director de
estudos na Universidade de França. A seu lado, o Dr. Demeur, em sua
clínica de Paris, dava a Kardec a sua assistência de observador e pesquisador
dos efeitos curativos da nova terapêutica. Os médicos modernos tomaram o lugar
de Voltaire no caso de Kardec, entendendo que Kardec desejava que o homem
voltasse a andar de quatro, como dissera Voltaire sobre a revolução educacional
de Rousseau. Não perceberam que essa volta à natureza não se referia às selvas, mas
à natureza humana desfigurada pelos artificialismos da civilização. Se o
objectivo pedagógico de Rousseau era psicológico e ético, principalmente ético, o
de Kardec era
também da mesma dupla natureza, abrangendo ao mesmo tempo a Psicologia e a
Ética, duas coordenadas históricas e científicas a balizarem as transformações
evolutivas dos tempos modernos.
/…
José Herculano Pires, Ciência Espírita e
suas implicações terapêuticas, Princípios da Terapêutica Espírita 1 de 2, 6º
fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar
de névoa, por Caspar David
Friedrich)
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