sábado, 28 de fevereiro de 2015

Corpo fluídico | agénere ou aparição tangível ~


Capítulo Segundo

KARDEC E O CORPO FLUÍDICO

O pensamento de Allan Kardec sobre o corpo fluídico pretendido para Jesus foi por ele manifesto, de modo muito claro, principalmente nas seguintes obras: "Revista Espírita", que ele fundou e editou até 1869; "A Génese", livro publicado em 1868; e em "Obras Póstumas". Sobre esse seu pensamento não pode haver nenhum tipo de sombra, pois não comporta tergiversações, não dá margem a interpretações dúbias. Quando os autores do livro "Allan Kardec" disseram que "maiores teriam sido as dificuldades à sequência do desenvolvimento doutrinário e evangélico, se Kardec tivesse dado cobertura aos ensinos contidos em "Os Quatro Evangelhos", não estavam apenas enganados sobre o pensamento do Codificador, mas forçando uma visão que os factos desautorizam.

Antes de passar em revista o estudo de Kardec sobre o assunto, façamos uma retrospecção acerca do relacionamento que ele manteve, ou melhor, que com ele mantiveram Roustaing e a médium Emilie Collignon.

De início, diga-se que esse relacionamento não foi estreito nem constante. A "Revista Espírita" informa que a primeira correspondência trocada entre ambos ocorreu em março de 1861, quando Roustaing endereçou uma carta a Kardec informando-o de sua adesão ao Espiritismo. Não se sabe se Kardec respondeu ou não à carta do novo adepto, entretanto, em junho do mesmo ano o Codificador publicou a segunda carta recebida de Roustaing, bastante longa, seguida de comentários sobre a maneira judiciosa que este expunha sobre a Doutrina, mormente em se tratando de uma pessoa iniciante. Roustaing era um destacado advogado em Bordéus, onde também presidira a Ordem dos Advogados, facto que contribuiu para que Kardec publicasse a carta (já que não houvera publicado a primeira), pois tratava-se de mais uma pessoa de cultura e destaque na sociedade a interessar-se pelo Espiritismo. Depois dessa, mais quatro vezes, apenas, Roustaing aparece na "Revista Espírita": a primeira, quando Kardec noticia o recebimento de "Os Quatro Evangelhos", em junho de 1866, e tece os seus primeiros comentários a respeito dessa que era (e ainda é) a principal obra de defesa da doutrina do corpo fluídico de Jesus; a segunda vez já no ano seguinte, 1867, quando uma ligeira correspondência sua é publicada, a seu pedido, para rectificar um erro de revisão cometido na sua obra "Os Quatro Evangelhos".

Além desses aparecimentos Roustaing é citado num discurso do Dr. Bouché de Vitray, realizado quando Kardec visitou, em 1861, a cidade de Bordéus, no qual destaca a participação do advogado na conversão dele, Bouché, aoEspiritismo, e num artigo extraído de "Soleil", publicação não espírita, em que o autor tece criticas ao Espiritismo e cita um tanto irónico a obra "Os Quatro Evangelhos". Esse artigo está inserido na edição de Setembro de 1866 da Revista.

Assim como Roustaing, as apariçoes da médium Emilie Collignon na "Revista Espírita" e o seu relacionamenta com Kardec são pequenos. Em 1862, escrevem de Bordéus ao Codificador (não há menção do missivista) narrando a tentativa realizada por um padre para impedir que certa senhora, católica, viesse a acreditar no Espiritismo. Essa senhora era exactamente a genitora da médium. Emilie Collignon, que por sua vez escreve ao padre rebatendo-o de forma bastante segura. A carta da médium foi publicada na "Revista Espírita", na sua edição de Maio de 1862. Apartir daí, Emilie Collignon aparece algumas vezes na Revista, com a publicação de mensagens mediúnicas por ela recebidas. Em 1864, mês de junho, Kardec fala do aparecimento do opúsculo intitulado "Conselhos às mães de família", por ela psicografado, e diz que "tem a satisfação de aprovar esse trabalho sem reservas", pelo "estilo simples, claro, conciso, sem ênfase nem palavras para encher vazios de sentido". No ano seguinte, Kardec noticia com satisfação o aparecimento de um novo opúsculo - "Palestras familiares sobre o Espiritismo" - também da médium. Posteriormente, em 1866, ela retorna, agora como responsável pelos "Quatro Evangelhos", para depois não mais aparecer enquanto sob a direcção do Codificador esteve a "Revista Espírita".

Em 1866, Kardec falou de forma directa sobre o corpo fluídico de Jesus. O motivo foi o lançamento da obra intitulada "Os Quatro Evangelhos" ou "Revelação da Revelação", psicografada por Emilie Collignon sob a supervisão do advogado J.-B. Roustaing. Nessa ocasião, não foi ele objectivamente contra a teoria do corpo fluídico, que considerou como base da obra em destaque e sem a qual "todo o edifício desabaria", mas disse que os prodígios relativos a Cristo poderiam ser "perfeitamente explicados sem sair das condições da humanidade corporal". Asseverou, por outro lado, que "quando tratasse da questão, fá-lo-ia decididamente. O comentário, na íntegra, é o seguinte:

"Esta obra compreende a explicação e a interpretação dos Evangelhos, artigo por artigo, com a ajuda de comunicações ditadas pelos Espíritos. É um trabalho considerável e que tem, para os Espíritas, o mérito de não estar, em nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada pelo Livro dos Espíritos e o dos Médiuns. As partes correspondentes às que tratamos no Evangelho segundo o Espiritismo o são em sentido análogo. Aliás, como nos limitamos às máximas morais que, com raras excepções, são claras, estas não poderiam ser interpretadas de diversas maneiras; assim, jamais foram assunto para controvérsias religiosas. Por esta razão é que por aí começamos, a fim de ser aceite sem contestação, esperando, quanto ao resto, que a opinião geral estivesse mais familiarizada com a ideia espírita.

"O autor desta nova obra julgou dever seguir um outro caminho. Em vez de proceder por gradação, quis atingir o fim de um salto. Assim, tratou certas questões que não tínhamos julgado oportuno abordar ainda, e das quais, por consequência, lhe deixamos a responsabilidade, como aos Espíritos que as comentaram. Consequente com o nosso princípio, que consiste em regular a nossa marcha pelo desenvolvimento da opinião, até nova ordem não daremos às suas teorias nem aprovação nem desaprovação, deixando ao tempo o trabalho de as sancionar ou as contraditar. Convém, pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais dos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas e que, até mais ampla confirmação, não poderiam ser consideradas como partes integrantes da doutrina espírita.

/…


Wilson GarciaO Corpo Fluídico, Capítulo Segundo – KARDEC E O CORPO FLUÍDICO, 1 de 5, 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Pintura de Josefina Robirosa)

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