Resignação na Adversidade |
A ignorância das leis universais faz-nos ter aversão aos nossos males. Se
compreendêssemos quanto esses males são necessários ao nosso adiantamento, se
soubéssemos saboreá-los no seu amargor, não mais nos pareceriam um fardo. Porém,
todos odiamos a dor e só apreciamos a sua utilidade quando deixamos o mundo
onde se exerce o seu império. Ela faz jorrar de nós tesouros de piedade, de
carinho e afeição. Esses que não a têm conhecido estão sem méritos; a sua
alma foi preparada muito superficialmente. Nesses, coisa alguma está
enraizada: nem o sentimento nem a razão. Visto não terem passado pelo
sofrimento, permanecem indiferentes, insensíveis aos males alheios.
Na nossa cegueira, estamos quase sempre prontos a amaldiçoar as nossas vidas
obscuras, monótonas e dolorosas; mas, quando elevamos a nossa vista acima dos
horizontes limitados da Terra, quando discernimos o verdadeiro motivo das
existências, compreendemos que todas elas são preciosas, indispensáveis para
domar os espíritos orgulhosos, para nos submeter a essa disciplina moral, sem o
que não há progresso algum.
Livres nas nossas acções, isentos de males, de cuidados, deixar-nos-íamos
impulsionar pelo sopro das paixões, deixar-nos-íamos arrebatar pelo
temperamento. Longe de trabalharmos pela nossa melhoria, nada mais faríamos do
que amontoar faltas novas sobre as faltas passadas; no entanto, comprimidos
pelo sofrimento, em existências humildes, habituamo-nos à paciência, ao
raciocínio, adquirimos essa calma de pensamento indispensável àquele que quiser
ouvir a voz da razão.
É no crisol da dor que se depuram as
grandes almas. Às vezes, debaixo da nossa vista, anjos de bondade vêm
tragar o cálice de amargura, como exemplificação aos que são assustados pelos
tormentos da paixão. A prova é uma reparação necessária, aceite com
conhecimento de causa por muitos dentre nós. Oxalá assim pensemos nos momentos
de desânimo, e que o espectáculo dos males suportados com essas grandes
resignações nos dê a força de nos conservarmos fiéis aos nossos próprios
compromissos, às resoluções viris que tomamos antes de encarnar.
A nova fé resolveu o grande problema da depuração pela dor. As vozes dos
Espíritos animam-nos nas ocasiões críticas. Esses mesmos que suportaram todas
as agonias da existência terrestre dizem-nos hoje:
“Padeci e só os sofrimentos é que me tornaram feliz. Resgataram muitos anos de
luxo e de ociosidade. A dor levou-me a meditar, a orar e, no meio dos
inebriamentos do prazer, jamais a reflexão salutar deixou de penetrar a minha
alma, jamais a prece deixou de ser balbuciada pelos meus lábios. Abençoadas
sejam as minhas provações, pois finalmente elas me abriram o caminho que conduz
à sabedoria e à verdade.” (i)
Eis a obra do sofrimento! Não será essa a maior de todas as obras que se
efectuam na Humanidade? Ela se executa em silêncio, secretamente, porém os seus
resultados são incalculáveis. Desprendendo a alma de tudo o que é vil, material
e transitório, eleva-a, impulsionando-a para o futuro, para os mundos que são a
sua herança. Fala-nos de Deus e das leis eternas. Certamente, é belo ter um fim
glorioso, morrer jovem, lutando pelo seu país. A História registará o nome dos
heróis, e as gerações renderão à sua memória um justo tributo de admiração.
Mas, uma longa vida de dores, de males suportados pacientemente, é muito mais
fecunda para o adiantamento do Espírito. Sem dúvida que a História não falará
então a vosso respeito. Todas essas vidas obscuras e mudas, existências de
luta silenciosa e de recolhimento, tombam no esquecimento, mas esses que as
enfrentaram encontram na luz espiritual a recompensa. Só a dor pode abrandar o
nosso coração, avivar os fogos da nossa alma. É o cinzel que lhe dá proporções
harmónicas, que lhe apura os contornos e a faz resplandecer na sua perfeita
beleza. Uma obra de sacrifício, lenta, contínua, produz maiores efeitos que um
acto sublime, porém insulado.
Consolai-vos, pois, vós todos que sofreis, esquecidos na
sombra de males cruéis, e vós que sois desprezados por causa da vossa
ignorância e das vossas faculdades acanhadas. Sabei que entre vós se encontram Espíritos eminentes, que abandonaram por algum tempo as suas faculdades
brilhantes, aptidões e talentos, e quiseram reencarnar como ignorantes para se
humilharem. Muitas inteligências estão veladas pela expiação, mas no
momento da morte esses véus cairão, deixando eclipsados os orgulhosos que antes
as desdenhavam. Não devemos desprezar pessoa alguma. Debaixo de humildes e
disformes aparências, mesmo entre os idiotas e os loucos, grandes Espíritos
ocultos na matéria expiam um passado tenebroso.
Oh! vidas simples e dolorosas, embebidas de lágrimas,
santificadas pelo dever; vidas de lutas e de renúncia, existências de
sacrifício para a família, para os fracos, para os pequenos, mais meritórias
que as dedicações célebres, vós sois outros tantos degraus que conduzem a alma
à felicidade. É a vós, é às humilhações, é aos obstáculos de que estais
semeadas que a alma deve a sua pureza, a sua força, a sua grandeza. Vós
somente, nas angústias de cada dia, nas imolações da matéria, conferis
à alma a paciência, a resolução, a constância, todas as sublimidades
da virtude, para então se obter essa coroa, essa auréola esplêndida, prometida
no espaço para a fronte dos que sofrem, lutam e vencem!
/...
(i) Comunicação mediúnica recebida
pelo autor.
LÉON DENIS, Depois da Morte, Parte Quinta – Caminho Recto L –
Resignação na Adversidade, fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Head of Divine Vengeance,
pintura de Pierre-Paul
Prud'hon)
Sem comentários:
Enviar um comentário