Capítulo Segundo
KARDEC E O CORPO FLUÍDICO
O pensamento de Allan Kardec sobre o
corpo fluídico pretendido para Jesus foi
por ele manifesto, de modo muito claro, principalmente nas seguintes obras:
"Revista Espírita", que ele fundou e editou até 1869; "A
Génese", livro publicado em 1868; e em "Obras Póstumas". Sobre
esse seu pensamento não pode haver nenhum tipo de sombra, pois não comporta
tergiversações, não dá margem a interpretações dúbias. Quando os autores do
livro "Allan Kardec" disseram que "maiores teriam sido as
dificuldades à sequência do desenvolvimento doutrinário e evangélico, se Kardec
tivesse dado cobertura aos ensinos contidos em "Os Quatro
Evangelhos", não estavam apenas enganados sobre o pensamento do
Codificador, mas forçando uma visão que os factos desautorizam.
Antes de passar em revista o estudo de Kardec sobre o
assunto, façamos uma retrospecção acerca do relacionamento que ele manteve, ou
melhor, que com ele mantiveram Roustaing e
a médium Emilie
Collignon.
De início, diga-se que esse relacionamento não foi estreito
nem constante. A "Revista Espírita" informa que a primeira
correspondência trocada entre ambos ocorreu em março de 1861, quando Roustaing
endereçou uma carta a Kardec informando-o de sua adesão ao Espiritismo. Não se sabe se
Kardec respondeu ou não à carta do novo adepto, entretanto, em junho do mesmo
ano o Codificador publicou a segunda carta recebida de Roustaing, bastante
longa, seguida de comentários sobre a maneira judiciosa que este expunha sobre
a Doutrina, mormente em se tratando de uma pessoa iniciante. Roustaing era um
destacado advogado em Bordéus, onde também presidira a Ordem dos Advogados,
facto que contribuiu para que Kardec publicasse a carta (já que não houvera
publicado a primeira), pois tratava-se de mais uma pessoa de cultura e destaque
na sociedade a interessar-se pelo Espiritismo. Depois dessa, mais quatro vezes,
apenas, Roustaing aparece na "Revista Espírita": a primeira, quando
Kardec noticia o recebimento de "Os Quatro Evangelhos", em junho de
1866, e tece os seus primeiros comentários a respeito dessa que era (e ainda é)
a principal obra de defesa da doutrina do corpo fluídico de Jesus; a segunda
vez já no ano seguinte, 1867, quando uma ligeira correspondência sua é
publicada, a seu pedido, para rectificar um erro de revisão cometido na sua
obra "Os Quatro Evangelhos".
Além desses aparecimentos Roustaing é citado num discurso do
Dr. Bouché de Vitray, realizado quando Kardec visitou, em 1861, a cidade
de Bordéus, no qual destaca a participação do advogado na conversão dele,
Bouché, aoEspiritismo, e
num artigo extraído de "Soleil", publicação não espírita, em que o
autor tece criticas ao Espiritismo e cita um tanto irónico a obra "Os
Quatro Evangelhos". Esse artigo está inserido na edição de Setembro de
1866 da Revista.
Assim como Roustaing, as apariçoes da médium Emilie
Collignon na "Revista Espírita" e o seu relacionamenta com Kardec são pequenos.
Em 1862, escrevem de Bordéus ao Codificador (não há menção do missivista)
narrando a tentativa realizada por um padre para impedir que certa senhora,
católica, viesse a acreditar no Espiritismo. Essa senhora era exactamente a
genitora da médium. Emilie Collignon, que por sua vez escreve ao padre
rebatendo-o de forma bastante segura. A carta da médium foi publicada na
"Revista Espírita", na sua edição de Maio de 1862. Apartir daí,
Emilie Collignon aparece algumas vezes na Revista, com a publicação de
mensagens mediúnicas por ela recebidas. Em 1864, mês de junho, Kardec fala do
aparecimento do opúsculo intitulado "Conselhos às mães de família",
por ela psicografado, e diz que "tem a satisfação de aprovar esse trabalho
sem reservas", pelo "estilo simples, claro, conciso, sem ênfase nem
palavras para encher vazios de sentido". No ano seguinte, Kardec noticia
com satisfação o aparecimento de um novo opúsculo - "Palestras familiares
sobre o Espiritismo" - também da médium. Posteriormente, em 1866, ela
retorna, agora como responsável pelos "Quatro Evangelhos", para
depois não mais aparecer enquanto sob a direcção do Codificador esteve a
"Revista Espírita".
Em 1866, Kardec falou de forma
directa sobre o corpo fluídico de Jesus. O motivo foi o lançamento
da obra intitulada "Os Quatro Evangelhos" ou "Revelação da
Revelação", psicografada por Emilie Collignon sob a supervisão do advogado
J.-B. Roustaing. Nessa ocasião, não foi ele objectivamente contra a teoria do
corpo fluídico, que considerou como base da obra em destaque e sem a qual
"todo o edifício desabaria", mas disse que os prodígios relativos a
Cristo poderiam ser "perfeitamente explicados sem sair das condições da
humanidade corporal". Asseverou, por outro lado, que "quando tratasse
da questão, fá-lo-ia decididamente. O comentário, na íntegra, é o seguinte:
"Esta obra compreende a explicação e a interpretação
dos Evangelhos, artigo por artigo, com a ajuda de comunicações ditadas pelos
Espíritos. É um trabalho considerável e que tem, para os Espíritas, o mérito de
não estar, em nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada pelo Livro
dos Espíritos e o dos Médiuns. As partes correspondentes
às que tratamos no Evangelho segundo o Espiritismo o
são em sentido análogo. Aliás, como nos limitamos às máximas morais que, com
raras excepções, são claras, estas não poderiam ser interpretadas de diversas
maneiras; assim, jamais foram assunto para controvérsias religiosas. Por esta
razão é que por aí começamos, a fim de ser aceite sem contestação, esperando,
quanto ao resto, que a opinião geral estivesse mais familiarizada com a ideia
espírita.
"O autor desta nova obra julgou dever seguir um outro
caminho. Em vez de proceder por gradação, quis atingir o fim de um salto.
Assim, tratou certas questões que não tínhamos julgado oportuno abordar ainda,
e das quais, por consequência, lhe deixamos a responsabilidade, como aos
Espíritos que as comentaram. Consequente com o nosso princípio, que consiste em
regular a nossa marcha pelo desenvolvimento da opinião, até nova ordem não
daremos às suas teorias nem aprovação nem desaprovação, deixando ao tempo o
trabalho de as sancionar ou as contraditar. Convém, pois, considerar essas
explicações como opiniões pessoais dos Espíritos que as formularam, opiniões
que podem ser justas ou falsas e que, até mais ampla confirmação, não poderiam
ser consideradas como partes integrantes da doutrina espírita.
/…
Wilson
Garcia, O Corpo Fluídico, Capítulo Segundo – KARDEC E O CORPO
FLUÍDICO, 1 de 5, 3º fragmento da obra.