terça-feira, 24 de dezembro de 2024

o génio céltico ~


a experimentação espírita ~ 

(I de II)

(in Terceira parte, O mundo invisível, Capítulo XI)

Vimos que os druidas só concediam a iniciação a discípulos escolhidos, submetidos a um treino intelectual e moral demorado. Segundo afirmações de autores antigos, esses estudos podiam durar muitos anos e comportar o conhecimento de vinte mil versos. Realmente, o verso, pelo seu ritmo, fixa-se mais facilmente na memória, ele não se altera, nem se deforma como a prosa e, conserva, por mais longo tempo, o seu sentido exacto, a sua primeira originalidade.

Portanto, só após uma longa e paciente reparação é que os discípulos podiam ser admitidos para participar dos ritos sagrados, que eram, na verdade, a comunicação com os espíritos superiores e a prática dos seus ensinos. Esses eram transmitidos ao povo sob uma forma mais concreta e, às vezes, metafórica, sempre aceite com respeito, pois o druida era objecto de uma grande veneração.

Hoje é bem diferente: os recém-chegados, sem preparação, sem estudos, sem cuidados, crêem poder entrar em relação com os seres invisíveis que os cercam. Não se teme a aventurara sem guia, nem bússola, no oceano de forças e de vida em que estamos imersos. Ignora-se, em demasia, que uma multidão de espíritos inferiores rodeie o ambiente terrestre, ao qual ela está ligada pelos seus fluidos materiais. São eles os que respondem, de maior bom grado, aos chamados dos homens com finalidades de divertimento e, muito pouco se pode esperar desse ambiente onde reinam as mais diversas influências, às vezes más, como aquelas muito conhecidas dos mistificadores e dos obsessores. Daí o descrédito que recai, em certos casos, sobre as práticas desprovidas de regra, de método e de seriedade.

Não se deve ficar indiferente, sem dúvida, aos apelos misteriosos, aos ruídos, aos golpes que se ouvem à noite nas nossas casas e, que parecem ser promessas de assistência, de protecção, às vezes bem necessárias. Sim, devemos prestar-nos a convites desse género, pois eles podem provir de amigos invisíveis que nos pedem socorro, ou ser o prenúncio de conselhos, de revelações, de ensinos preciosos nos tempos de provações que vivemos. Porém, logo que encontremos um meio de comunicação que se adapte às nossas possibilidades psíquicas, não devemos hesitar em exigir, dos que se nos manifestam, as provas formais de identidade e empregar em todas as nossas relações com o além esse rigoroso espírito de controlo e de exame escrupuloso que não deixa lugar algum às trapaças dos espíritos levianos. (i)

Os espíritas conservam uma ideia regeneradora, bela e fecunda, que não devem deixar ocultar nem depreciar, sob a acusação de credulidade que lhes é dispensada. As verdades superiores não se adquirem sem dificuldade. Só pelos nossos esforços repetidos para nos livrar das incertezas, das trevas, é que os véus da matéria se levantam e as saídas se abrem para a vida espiritual, a vida infinita!

Espiritismo, após 75 anos de experimentação e de trabalhos, tornou-se uma fonte de luz e de ensinamentos. A sua doutrina resulta de mensagens espirituais obtidas por todos os processos mediúnicos, em todos os países e, se completam, se controlam umas às outras. Até ao momento, as religiões e as filosofias somente apresentavam, sobre as condições de vida no Além, simples hipóteses. Actualmente, os que lá vivem descrevem essa vida por si mesmos e nos falam das leis da reencarnação. Com efeito, com algumas excepções assinaladas entre os anglo-saxões, cujo número diminui dia a dia, há uma quantidade enorme de documentos, de testemunhos concordantes, recolhidos desde a América do Sul até às Índias e ao Japão, a favor da reencarnação.

Não é mais, como no passado, um pensador isolado ou mesmo um grupo de pensadores, que vem mostrar à humanidade o caminho que ele pensa ser verdadeiro; é o mundo invisível, todo ele, que se agita e se esforça para tirar o pensamento humano das suas rotinas, dos seus erros, e de lhe revelar, como nos tempos dos druidas, a lei divina da evolução. São os nossos próprios parentes e amigos mortos que nos expõem a sua situação boa ou má e, a consequência dos seus actos, durante sessões ricas de provas de identidade.

Censura-se sempre os espíritas por darem mais importância à teoria do que à prática experimental. No Congresso Oficial de Psicologia de 1900, um sábio nos objectava: “O Espiritismo não é uma ciência, é uma doutrina”. Certamente, consideramos sempre o facto como sendo a base, o fundamento do Espiritismo.

Sabemos que a ciência vê na experimentação o meio mais seguro de chegar ao conhecimento das causas e das leis; mas estas permanecem obscuras, inacessíveis em muitos casos, sem uma teoria que as esclareça e as torne precisas. Quantos pesquisadores ficaram desorientados no emaranhado dos factos, perdidos no labirinto dos fenómenos e, terminaram por se desanimar e renunciar a todas as pesquisas, devido à falta de um fundamento geral que religasse e explicasse esses factos. O eminente Charles Richet, após ter feito experiências durante toda a sua vida, registou os resultados das suas pesquisas num grande volume (Tratado de Metapsíquica), sem conseguir obter uma conclusão.

Poder-se-ia chegar, pelo estudo dos infinitamente pequenos, a uma concepção geral do Universo? Poder-se-ia, pelas manipulações de laboratório, alcançar a compreensão da unidade da substância? Se Newton não tivesse a ideia prévia da gravitação, teria dado alguma importância à queda da maçã? Se Galileu não tivesse a intuição do movimento da Terra, teria prestado atenção às oscilações do candelabro de bronze da catedral de Pisa? A teoria nos parece inseparável da experiência, ela deve mesmo precedê-la, a fim de guiar o observador, a quem a experiência servirá de controlo.

Censuram-nos por chegarmos a conclusões muito apressadamente! Ora, eis aqui fenómenos que se produzem desde os primeiros séculos da história. Eles são comprovados experimental e cientificamente desde há cerca de cem anos e, ainda assim alguns acham que as nossas conclusões são prematuras! Mas em mil anos, ainda haverá os retardatários que acharão que é muito cedo para os concluir. A humanidade experimenta uma necessidade imperiosa de saber e, a desordem moral que castiga a nossa época é devida, em grande parte, à incerteza que reina ainda sobre esta questão essencial da sobrevivência.

Quando, na minha distante juventude, vi um dia, numa montra de uma livraria as duas primeiras obras de Allan Kardec, logo as adquiri e absorvi o seu conteúdo. Nelas encontrei uma solução clara, completa, lógica do problema universal e, a minha convicção ficou assegurada.

Entretanto, apesar de minha juventude, já havia passado pelas alternativas da crença católica e do cepticismo materialista, mas em parte alguma encontrei a chave do mistério da vida. A teoria espírita dissipou a minha indiferença e as minhas dúvidas. Como tantos outros, pesquisei as provas, os factos exactos que viessem a apoiar a minha fé; mas esses factos demoraram a aparecer. No início, insignificantes, contraditórios, mesclados de fraudes e de mistificações, eles estavam longe de me satisfazer e, eu teria renunciado, mais uma vez, a toda a investigação, se não fosse sustentado por uma teoria sólida e por princípios elevados.

Parece, de facto, que o invisível nos queria experimentar, medir o grau de perseverança, exigir uma certa madureza de espírito, antes de nos dar os seus segredos. Todo o bem moral, toda a conquista da alma e do coração parece que deve ser precedida por uma iniciação dolorosa. Enfim, os fenómenos chegaram, comprováveis e notórios. Foram as aparições materializadas, na presença de muitas testemunhas, cujas sensações concordavam; os casos de escrita directa, em plena luz, chegando do Alto, fora do alcance dos assistentes e, que continham predições que foram, desde então, realizadas.

Depois, foram as entidades de valor que se manifestaram por todos os meios à sua disposição, inicialmente pelas mesas, depois pela escrita automática, enfim, e sobretudo pelas incorporações, processo com o auxílio do qual eu converso com os meus guias espirituais, assim como com os homens. A sua colaboração foi preciosa para a redacção das minhas obras, pelas informações recolhidas sobre as condições de vida no Além e sobre todos os problemas que abordei.

Esses espíritos se comunicaram por diversos médiuns, que não se conheciam. Qualquer que fosse o intermediário escolhido, eles apresentavam sempre caracteres pessoais muito contrastantes, alguns de uma originalidade notável, se bem que de uma grande elevação, com detalhes psicológicos, provas de identidade que constituíam o critério de certeza dos mais absolutos. Como é que esses médiuns, que se ignoravam entre si, ou mesmo os seus subconscientes, poderiam ter-se entendido para imitar e reproduzir caracteres tão distintos e, portanto, sempre idênticos a si mesmos, com uma constância e uma fidelidade que persistem há cinquenta anos? Pois, há quase meio século que esses fenómenos se desenrolam à minha volta com uma regularidade matemática, salvo em casos de algumas lacunas, como, por exemplo, quando um dos médiuns desaparece e é preciso um certo tempo para se encontrar um outro sensitivo apropriado.

Eu possuo sete grandes volumes de comunicações recebidas no grupo que por muito tempo dirigi e que respondem a todas as questões que a inquietude humana apresenta à sabedoria dos invisíveis. Ora, todos aqueles que consultaram posteriormente esses arquivos ficaram impressionados pela beleza do estilo, assim como pela profundidade das ideias apresentadas. Talvez, um dia, essas mensagens sejam publicadas. Então, ver-se-á que nas minhas obras, eu não fui inspirado somente pelas minhas próprias vistas, mas sobretudo por aquelas do Além. Reconhecer-se-á, sob a variedade das formas, uma grande unidade de princípios e uma perfeita analogia com os ensinos obtidos dos espíritos guias, por todos os meios e, nos quais Allan Kardec se inspirou para traçar as grandes linhas da sua doutrina.

Depois da guerra (a 1ª Guerra Mundial) os nossos instrutores continuaram a manifestar-se por vários médiuns. Através desses diversos mediadores, a personalidade de cada um deles se confirmou pelo seu carácter próprio, de modo a afastar toda a possibilidade de simulação. Pode acompanhar-se, de ano a ano, na La revue Spirite, a quintessência dos ensinos que nos foram dados sobre assuntos sempre substanciais e elevados.

Então, ao aproximar-se o Congresso de 1925, foi o grande Iniciador, ele mesmo, que nos veio certificar do seu concurso e nos esclarecer com os seus conselhos. Actualmente ainda é ele, Allan Kardec, quem nos anima a publicar este estudo sobre o génio céltico e a reencarnação, como se poderá verificar pelas mensagens publicadas mais adiante.

Peço desculpas aos meus leitores por fazer intervir tanto a minha própria personalidade, mas como poderia dedicar-me a uma análise dessa natureza senão sobre mim mesmo e sobre os meus trabalhos? 

Chego, agora, a viver com os espíritos quase tanto quanto com os homens, a sentir a sua influência e distinguir a sua presença pelas sensações fluídicas que experimento. Sei que essas almas constituem a minha família espiritual. Liames bem antigos me unem a elas, liames que se fortificam todos os dias, pela protecção que elas me concedem e o reconhecimento que lhes consagro.

O peso dos anos se faz sentir e a minha cabeça branca se inclina em direcção ao túmulo, mas sei que a morte é apenas uma saída que se abre para a vida infinita. Atravessando esse limiar, estou certo de encontrar essas queridas almas protectoras, assim como os numerosos amigos com os quais lutei aqui por uma causa sagrada. Iremos juntos visitar esses mundos maravilhosos que contemplei e admirei frequentemente no silêncio das noites e que são, para mim, testemunhos do poder, da sabedoria e do génio do Criador.

Na sua obra Evolução Biológica e Espiritual do HomemOliver Lodge fala com entusiasmo “dessas grandes estrelas que são um milhão de vezes maiores do que o Sol e cenários de fenómenos prodigiosos”.

Mais tarde, reviveremos juntos, nesses mundos, a fim de continuar os nossos trabalhos, a nossa ascensão comum em direcção às regiões serenas de paz e de luz.

E quando relembro todas as belezas dessa revelação, todas as promessas de um futuro sem-fim, sinto-me tomado por uma imensa piedade por todos aqueles que, nas suas provas, não são sustentados pela perspectiva das vidas futuras e, cujo estreito horizonte se limita ao nosso mundo de sangue, de lama e de lágrimas.

/...
(i) Ver o meu livro No Invisível, Espiritismo e Mediunidade.


Léon Denis, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Terceira Parte – O mundo invisível, Capítulo XI – A experimentação espírita (I de II), 1º fragmento da terceira parte última desta obra.
(imagem de contextualização: Serenite | 1912, detalhe, pintura de Edgard Maxence)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

as vidas sucessivas | os elementos ~


Experiências magnéticas – Regressão da memória e previsão – Caso nº 3 – Eugénie, 1904

Na época em que eu fazia experiências em Voiron com Joséphine, encontrei em Grenoble um outro sujet que estudei com a mesma ordem de reflexões com o Dr. Bordier, director da Escola de Medicina e de Farmácia, bastante materialista por educação, porém de espírito aberto a modificar a sua opinião mediante a evidência dos factos.

Esse sujet era uma mulher de trinta e cinco anos chamada Eugénie, viúva com dois filhos, que ganhava a vida fazendo tarefas domésticas. Enquanto o seu marido era vivo, ela trabalhava numa fábrica de luvas e os dois ganhavam bons salários, sem necessidade de economias. A sua natureza é apática, muito franca e pouco curiosa. A saúde, excelente.

Eis o resumo de algumas sessões que tivemos na Escola de Medicina:

Quando se desprende sob a influência dos passes, Eugénie vê formarem-se sucessivamente: um fantasma azul à direita e, em seguida, um outro vermelho à esquerda; esses dois fantasmas reúnem-se a seguir num só, que apresenta a mesma forma do seu corpo físico e que se liga a este através de um laço luminoso. No meio desse laço há uma espécie de bola mais luminosa do que o restante e com a ajuda da qual ela vê simultaneamente os seus dois corpos separados. Ela acredita que se trata do seu espírito. (i)

(i) Obtive a mesma constatação em Paris com Laurent e relatei a observação nos Annales des Sciences Psychiques em setembro de 1895. Isso não se reproduz sempre; a bola brilhante (o corpo mental?) permanece algumas vezes num dos outros dois corpos e então Laurent apenas vê aquele corpo no qual ele não se encontra. (Albert de Rochas)

Ela está adormecida há alguns minutos com o auxílio de passes longitudinais aplicados de cima para baixo. Já a fiz recuar alguns anos. Ela só responde quando é interrogada e não responde se a pergunta é feita durante uma fase de letargia. É preciso, então, aprofundar o sono ou proceder a um despertar parcial para conduzi-la a uma das fases vizinhas, ao sonambulismo.

Continuo os passes longitudinais. Vejo uma lágrima cair-lhe dos olhos. Diz-me que tem vinte e cinco anos e que acaba de perder um filho.

Continuação dos passes – Surge-me a ideia de ver em que dará o instinto do pudor. Levanto levemente o seu vestido; ela o abaixa com vivacidade: “Não, agora não; não é conveniente durante o dia”. Ela me toma por seu marido, tem dezassete anos e casou-se há alguns meses.

Continuação dos passes – Sobressalto brusco com um grito de pavor. Ela viu aparecerem a seu lado os fantasmas da avó e de uma tia, falecidas havia pouco tempo e com alguns dias de intervalo. (ii) Tem agora catorze anos. Novamente levanto a sua saia; ela defende-se e comprime os joelhos. Pergunto-lhe de que tem medo e ela me responde que sabe que não se deve brincar assim com os rapazes.

(ii) Esta aparição, que ocorreu na idade à qual a levei, causou-lhe impressão bastante profunda. (A. de Rochas)

Ei-la agora com onze anos. Vai fazer a primeira comunhão. Os seus maiores pecados foram ter algumas vezes desobedecido à avó e sobretudo ter tirado um soldo (iii) do bolso de seu pai. Sentiu muita vergonha disso e pediu-lhe desculpas. Interrogada se preferia morrer a renunciar à sua religião, ela não responde, porém, a expressão do seu rosto mostra que não aspira ao martírio.

(iii) Soldo – moeda de cobre francesa equivalente à vigésima parte do franco. (N.T.)

Com nove anos – A sua mãe faleceu há oito dias; ela está bastante triste. O seu pai acaba de fazê-la deixar Vinay, onde é tintureiro, para mandá-la para Grenoble para casa do seu avô, a fim de que lá aprenda costura. Ela não tem mais necessidade de ir à escola: sabe ler, escrever e contar. Faço-a escrever.

Nova tentativa com o seu vestido. Ela me dá uma tapa dizendo: “Garoto vilão! Pare com isso!”

Com seis anos – Frequenta a escola em Vinay e já sabe escrever bem.

Com quatro anos – Toma conta de sua irmãzinha quando não está na escola. Começa a fazer exercícios gráfico-motores e a escrever algumas letras: aeiou. Não reage mais ao toque no seu vestido; o seu pudor não foi ainda desperto.

Agora ela é muito pequena. Não sabe a idade que tem, não fala ainda, diz apenas “papa”, “mamã”. Mais adiante falarei sobre as suas impressões durante os seus primeiros anos.

Passes transversais, despertando-a, fazem-na passar exactamente pelas mesmas fases e os mesmos estados de consciência.

Na sessão precedente, deixamos Eugénie na fase de bebé sendo amamentada por sua mãe. Aprofundando bastante o seu sono, determinei uma mudança de personalidade. Ela não estava mais viva, flutuava numa semiobscuridade, não tendo nem pensamento, nem necessidades, nem comunicação com ninguém.

Novos passes determinam um novo estado. Ela se vê dentro de um berço muito pobre. Chamam-na Ninie ou Apollonie. (iv)

(iv) Em poucas sessões, sobretudo no início das nossas experiências, apresentou-se, entre a personalidade actual e a de Apollonie, a de uma criança chamada como ela Eugénie Delpit, falecida muito jovem. A sua mãe teve doze filhos, dos quais a maioria morreu muito cedo; seria ela a reencarnação de um desses filhos que deixou poucos vestígios na sua memória ou seria um simples erro devido à sua imaginação actual? Ver-se-á um caso de intercalação análogo no caso nº 15. (Albert de Rochas)

Ainda mais distante no passado, ela está novamente a flutuar no espaço, num estado de calma comparável à experiência do limbo da igreja católica.

Não ousei levar mais longe o sono, pois a magnetização já durava mais de 45 minutos e ambos, Eugénie e eu, nos sentíamos esgotados; porém, pressionando o ponto frontal da memória sonambúlica, fiz aflorarem-lhe recordações ainda mais remotas. Ela tinha sido anteriormente uma menina, falecida muito jovem, em consequência de uma febre ocasionada pela dentição; vê os pais a chorar junto do seu corpo, do qual se desligou bastante rapidamente.

Procedi em seguida ao despertar, através de passes transversais.

Despertando, ela percorre em sentido contrário todas as fases assinaladas anteriormente e me dá novos detalhes provocados pelas minhas perguntas. Algum tempo antes de sua última encarnação, ela sentiu que era preciso reviver noutra família, aproximou-se daquela que deveria vir a ser sua mãe e que acabava de concebê-la; não entrou no feto, porém ficou à volta de sua mãe até ao momento em que a criança veio ao mundo. Então entrou pouco a pouco, “por ímpetos”, no pequenino corpo e só ficou completamente ligada a ele por volta dos sete anos. Até esse momento viveu parcialmente fora do seu corpo carnal, que ela via nos primeiros meses de sua vida como se estivesse colocada fora dele. (v) Não distinguia bem nessa época os objectos materiais que a cercavam, mas, por outro lado, percebia espíritos a flutuar à sua volta. Alguns, muito luminosos, protegiam-na contra outros, sombrios e maléficos, que procuravam influenciar o seu corpo fluídico; quando estes últimos o conseguiam, provocavam esses acessos de raiva que as mães chamam de pirraça.

(v) As minhas mais antigas recordações remontam a uma cena da qual participei aos dezoito meses; vejo ainda a cena que muito me impressionou e vejo-me a mim mesmo em parte. De uma investigação feita com pessoas das minhas relações, concluo que esse fenómeno é bastante frequente. Como apoio para esta afirmação, citarei um trecho de uma carta que o Dr. Maxwel, então advogado geral em Bordeaux, me escreveu com a data de 18 de janeiro de 1905:

“Conheço uma sensitiva que educa um filho. Ela é um sujet bastante notável e vê naturalmente. A criança não é sua, mas foi-lhe confiada desde o nascimento. Ela, sobretudo na obscuridade, vê ao lado da criança uma sombra luminosa, de traços mais formados do que os da criança e um pouco maior do que esta. Essa sombra, quando a criança nasceu, estava mais afastada dela do que o está agora. Parece penetrar pouco a pouco dentro do corpo. A criança tem catorze meses e a penetração é de cerca de dois terços. Esta sensitiva frequentemente via o corpo astral dos moribundos desprender-se. Parece-lhe acinzentado, estendido acima do corpo e parece flutuar.” (A. de Rochas)

Após uma impressão bastante violenta, (vi) produzida na Escola de Medicina quando de sua passagem casual enquanto estava exteriorizada a um metro de uma estante em que havia um pires com uma quantidade bem pequena de sulfureto de cálcio fosforescente, Eugénie já não quis ir a esse estabelecimento e não pude continuar as minhas experiências com ela a não ser acidentalmente, quando a encontrava em casa de uma familiar sua, Sra. Besson. Foi então que, instruído pelas minhas sessões com Joséphine, a conduzi um dia em direcção ao futuro, através de passes transversais suficientemente prolongados, depois de alguns passes longitudinais destinados a adormecê-la.

(vi) Ela teve uma perna completamente paralisada e já não podia andar. (Albert de Rochas)

Eu a fiz envelhecer pouco a pouco. Com a idade de trinta e sete anos (ela na realidade tinha trinta e cinco), manifestou todos os sintomas do parto e a vergonha desse acontecimento, pois não se havia casado novamente. Isto devia passar-se em 1906. Alguns meses mais tarde ela parece afogar-se. Fi-la envelhecer dois anos; novos sintomas de parto. Pergunto-lhe onde está nesse momento. “Sobre as águas”, diz-me. Essa estranha resposta fez-me supor que ela divagava e reconduzi-a ao estado normal.

Ora, tudo o que ela havia predito realizou-se. Tornou-se amante de um operário da fábrica de luvas, com quem teve uma criança em 1906. Pouco depois, desesperada, atira-se ao rio Isère, e salvam-na, agarrando-a por uma perna. Enfim, em janeiro de 1909, deu à luz uma segunda vez, sobre uma das pontes do rio Isère, onde foi tomada subitamente pelas dores do parto quando voltava dos trabalhos domésticos.

Este caso seria verdadeiramente admirável se eu pudesse afirmá-lo de forma absoluta. Infelizmente, na casa da Sra. Besson, eu me contentava em produzir rapidamente alguns fenómenos, sem tomar nenhuma nota, e nem sequer me impressionei com as suas predições, que eu considerava ou incoerências ou previsões justificadas pela sua nova vida. Foi apenas quando os acontecimentos se produziram que as recordações da Sra. Besson e as minhas nos voltaram; porém, o quanto é preciso desconfiar das lembranças que despertam depois dos acontecimentos!

/…


Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte Experiências magnéticas, Capítulo II – Regressão da memória e previsão / Caso nº 3 – Eugénie, 1904, 12º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em acrílico de Costa Brites