Experiências magnéticas
(Regressão da memória
e previsão)
Caso nº 1 – Laurent (I)
Quando iniciei este trabalho, ignorava o facto de que outros
magnetizadores haviam feito constatações análogas, as quais exponho no capítulo
4 da terceira parte. Procurei sempre, nas minhas sessões experimentais, ter
presente, para tomar notas à medida que esses fenómenos se produziam, uma
terceira pessoa que não corria o risco de ser influenciada, como eu teria
podido ser, pela expectativa do que eu supunha dever produzir-se.
Os resumos reproduziam variações e erros já esperados, os
quais têm a sua importância porque mostram bem a influência, no momento da
experiência, do estado de espírito do sujet sobre os fenómenos
ainda inexplicados de regressão da memória e de previsões. (*)
(*) O autor chama de previsões o que, actualmente, se tem
preferido denominar de progressão da memória, em contraposição à
regressão de memória. Entre as obras que tratam mais profundamente do assunto,
indicamos "A memória e o tempo", Publicações Lachâtre, de Hermínio C.
Miranda. (N.E.)
Os numerosos e precisos detalhes relativos aos graus
de sono e aos fenómenos físicos que os caracterizam não me parecem
inúteis, porque vêm em apoio de classificações que os médicos hipnotizadores
não admitem, sem dúvida porque não tiveram oportunidade de os observar.
Caso nº 1 – Laurent, 1893
As minhas primeiras experiências relativas à regressão da
memória datam de 1893. Foi totalmente ao acaso que fui levado a constatar esse
fenómeno num jovem de vinte anos que fazia a sua licenciatura em letras, sujet dos
mais preciosos, porque não somente era sensível ao agente magnético,
como também e sobretudo porque, dotado de uma viva curiosidade científica e de
um grande espírito de análise, empenhava-se bastante em aperceber-se por si
próprio dos fenómenos físicos e psíquicos produzidos por este agente.
Empreendi, então, com ele experiências seguidas, mas
graduadas, com precaução, de maneira a não fatigar o seu sistema nervoso nem
prejudicar os seus outros estudos, tendo o cuidado, em cada sessão,
primeiramente de chamar a sua atenção para o que ele sentia antes
e durante o sono magnético e depois dar-lhe a sugestão de, ao despertar,
recordar-se das suas impressões.
Eis o diário (I) no qual eu não quis mudar uma palavra
sequer, limitando-me a dar em notas, algumas explicações ou modificações. Este
começou alguns dias depois da primeira tentativa que fiz com Laurent, no salão
de sua mãe, e terminou quando, pelo aprofundamento progressivo da hipnose, me
deparei com espécies de fenómenos particulares relativos à formação dos
fantasmas dos vivos.
As impressões de um magnetizado relatadas por ele próprio
21 de Julho de 1893.
O Sr. de R. renovou em mim, esta manhã, porém mais
minuciosamente, as experiências que havia feito outro dia no salão.
– Que aroma você deseja sentir? O aroma da violeta? Tente
lembrar-se dele.
Fiz esforço, mas sem resultado preciso. Então o Sr. de R.
apresentou bruscamente dois dedos de uma mesma mão, separados, sob cada uma de
minhas narinas, e o aroma da violeta fez-se sentir a tal ponto que eu
acreditaria, se não tivesse os olhos abertos, que um buquê me era passado sob o
nariz.
– Como você se chama?
– Laurent.
O Sr. de R., pressionando fortemente com o seu polegar o
meio de minha fronte, onde se inicia o nariz, faz-me de novo a mesma pergunta.
Hesito, penso. Tenho a representação visual do meu nome escrito,
mas é-me absolutamente impossível pronunciá-lo; balbucio.
– Vou adormecê-lo – diz-me o Sr. de R.
Um vago temor me invade. A ideia de um sono onde a minha
vontade será aniquilada me faz quase recusar a prestar-me a esta experiência se
o medo de ser considerado medroso não se opusesse. Sentimento bastante
complexo: o pavor do desconhecido, um respeito humano no fundo bastante banal e
– o que de repente predomina – uma confiança encorajadora no experimentador. No
entanto, é com emoção bastante viva que me entrego às mãos do Sr. de R. e,
também com a esperança de que eu não seja susceptível de ser adormecido.
O Sr. de R. senta-se diante de mim, segura os meus polegares
e fixa os seus olhos nos meus. O seu olhar incomoda-me; primeiro, eu me
enrijeço; depois, experimentando uma sensação dolorosa, como uma crispação
dos músculos da pálpebra, tento desviar os olhos; mas não consigo! Então
deixo-me levar; sinto que o Sr. de R. fecha os meus olhos com os dedos; e não
percebo mais nada.
De repente, ouço o Sr. de R. me ordenar que abra os olhos.
Faço-o facilmente e parece-me que me encontro em estado normal. Fico bastante admirado
quando o Sr. de R. me diz: “Você está adormecido.”
E, efectivamente, não consigo, se ele me proíbe, levantar
nem um braço, nem uma perna, nem fazer qualquer movimento. No
entanto, à minha volta distingo todas as coisas como neste momento. Lembro-me
até mesmo de ter ouvido baterem à porta e o Sr. de R. responder: “Daqui a
pouco!”
Nada me escapa e tudo é preciso.
– Vou despertá-lo para que não se fatigue demais esta
primeira vez – diz-me o Sr. de R.
– Você se apercebeu de tudo o que experimentou? Você
se lembrará quando estiver acordado... Ah! dê-me o seu lenço. (Eu lhe
dou.) Bem! Observe que você me deu o seu lenço. Você não se
lembrará mais deste acto quando estiver acordado, mas se lembrará de todos
os outros.
O Sr. de R. sopra sobre os meus olhos. Sinto que me enrijeço. Perco a
consciência do que se passa. Em seguida reabro os olhos, um pouco aturdido,
como ao despertar de manhã. Já posso levantar-me e andar à vontade.
– Você lembra-se do que fizemos e dissemos enquanto estava
adormecido? – pergunta-me o Sr. de R.
Alguns segundos de esforço, seguidos de uma resposta
afirmativa.
– Eu lhe disse para me dar seu lenço?
– Sim.
– Você mo deu?
– Não.
– Então, dê-mo.
Revisto os meus bolsos; não o encontro. Como vou objectar
que provavelmente não o encontro porque não o coloquei no bolso, o Sr. de R. me
diz:
– Você me deu o seu lenço; mas eu lhe tinha ordenado que
esquecesse o facto. Ei-lo, e vá passear ao ar puro.
Sinto realmente necessidade de respirar; os meus
nervos têm sobressaltos violentos. Revejo, caminhando, como que alucinado,
todos os detalhes dos móveis do gabinete do Sr. de R. Eu já
havia lá entrado outrora, mas é certo que jamais tinha guardado lembranças tão
nítidas do gabinete. Será que a ordem, recebida durante a hipnose, de
lembrar-se do que se faz, do que se diz, do que se vê, tem influência sobre a
intensidade da lembrança? Por outras palavras, a imagem dos objectos
que impressionaram a minha retina durante o sono magnético não reaparece mais
vivamente sob a influência de uma sugestão do que depois da contemplação desses
objectos durante a vigília? Na verdade, a ordem dada pelo Sr. de R.
não indicava que eu devia rever tudo alucinadamente, mas que, simplesmente, eu
devia lembrar-me de uma maneira geral do que havia visto. Ora, sob esse
aspecto, nenhuma dúvida: o escritório, a portinhola, os quadros se objectivavam
e me apareciam como reais.
Mas por que a alucinação não se estendia a todas as outras
lembranças? Eu revia o cómodo; por que não ouvia a
voz do Sr. de R.? Por que as sensações auditivas que tive, adormecido, não se
objectivavam como as sensações visuais?
A sugestão apurou o poder da lembrança, exagerou as minhas
faculdades habituais, mas provavelmente sem nada alterar a sua relação
entre si.
Sou bom vidente, medíocre audiente. A sugestão desenvolveu
igualmente as minhas faculdades auditivas e visuais, se assim posso exprimir-me,
de forma que, sob a sua influência, permaneci bom vidente, medíocre
audiente. O mesmo desenvolvimento era suficiente para levar-me à
alucinação da faculdade visual, já grande, o que não acontecia com a
faculdade auditiva, mais fraca. Entre as duas a relação continua constante. É
uma hipótese que será preciso verificar nas experiências seguintes.
Depois de duas horas a lembrança enfraqueceu.
23 de Julho de 1893
Estou acordado.
O Sr. de R. aplica-me passes ao longo do meu braço e da
minha mão esquerda; sinto pouco a pouco o meu braço enrijecer-se.
Vejo o Sr. de R. me beliscar a pele da mão tão fortemente que a marca das suas
unhas aí fica; no entanto, não sinto nenhuma dor. Então o
Sr. de R. afasta a sua mão da minha, progressivamente, pressionando várias
vezes a unha do seu polegar contra a do seu indicador como que para
beliscar. A uma certa distância, sinto de repente do outro lado da
mão um beliscão bastante forte. A mão do Sr. de R. continua a
afastar-se. É-lhe necessário percorrer uma nova distância, maior do que
a primeira, para que eu sinta um segundo beliscão, aliás
consideravelmente mais fraco do que o primeiro. O Sr. de R. afasta-se
ainda mais. A uma distância maior do que a primeira, maior do que esta o
foi de minha mão, o beliscão no vazio repercute novamente sobre a minha
mão, mas com a sensação atenuada. Em seguida, muito mais longe,
eu não sinto mais do que um vago toque; e, a partir daí,
absolutamente nada.
Várias vezes repetida, esta experiência permite-me concluir
que camadas sensíveis se formam à volta das partes magnetizadas do meu
corpo e que a distância da primeira camada para a pele é de cerca da
metade da distância que separa as outras camadas.
Que experimento a sensação acima mencionada quando a mão do
Sr. de R. age sobre as camadas a, b, c,
etc., isto é inegável; mas que papel assume aqui a sugestão? Um papel muito
grande, creio.
Com efeito, se fecho os olhos, enquanto o Sr. de R.
percorre, beliscando o vazio, a distância entre a minha pele e a camada
sensível c, que é a mais distante, confesso francamente que antes
imagino a sensação do que realmente a experimento; ela é suposta, e
não experimentada. Apenas, desde que reabro os olhos, ela se torna
perfeitamente consciente, mais fraca em c do que em b,
e em b do que em a, como já mencionei
anteriormente.
Um espectador poderia supor que engano. “O sujet –
diria ele – deve sentir da mesma forma, quer veja ou não a mão do
magnetizador beliscar o vazio, quando esta passa em a, b e c.
Ora, isto não acontece. É preciso que ele se aperceba do ponto do
espaço onde se encontra a mão do magnetizador para reagir a uma dada
excitação a um pretendido fluido que eu gostaria de ver para crer. Na realidade
ele não sente nada, de olhos fechados ou abertos; ele simula a sensação.”
O espectador, a meu ver, tem razão quando afirma que eu deveria sentir
da mesma forma, de olhos fechados como abertos; é à sugestão
seguramente que é preciso perguntar a causa dessa irregularidade.
Mas no que se refere a sentir realmente, o
espectador comete um erro quando o nega. Sou plenamente sincero, e
mesmo que seja necessário procurar a causa desses fenómenos na pura sugestão,
ou ainda efectivamente no fluido exteriorizado, ou provavelmente nos dois ao
mesmo tempo, a sensação é realmente experimentada; eu reajo sem simulação.
(II)
O Sr. de R. me adormece. Abandono-me ao sono com confiança,
sem o medo do primeiro dia. As mesmas experiências renovadas dão o mesmo
resultado. As minhas observações de hoje confirmam o que eu supunha, outro
dia, relativamente à relação constante entre as minhas faculdades
auditivas e as visuais sob a influência da sugestão, como também no estado
normal.
Tem lugar uma nova experiência.
Pense em alguém – diz o Sr. de R. – Você vai ver a pessoa em
quem pensa sentada numa poltrona à sua direita.
Penso na minha irmã, sem nada dizer. Volto-me e emito um
“oh!” de surpresa, vendo, com efeito, a minha irmã no local indicado. Continuo
com os olhos fixos algum tempo sobre ela, que não se mexe. Mas desvio-os, em
seguida, por um segundo, e torno a dirigi-los, agora em vão, para a poltrona onde
ela me apareceu; a visão desvaneceu-se e seria preciso uma nova ordem
do Sr. de R. para que ela me reaparecesse.
Durante a passagem do sono para o estado de vigília, não
experimento nenhuma sensação particular; ou então ela é tão vaga que não posso
defini-la.
25 de Julho de 1893
O Sr. de R. adormece-me e diz-me:
– Há um buquê de rosas num vaso com água sobre a mesa atrás
de você. Vá tocá-lo.
Sem hesitação caminho na direcção da mesa. Há aí,
efectivamente, um buquê que retiro do vaso com água. Tento sentir o aroma das
rosas, mas elas não exalam nenhum perfume.
– Friccione a sua fronte vigorosamente – diz-me o Sr. de R.
Faço-o e, imediatamente em seguida, o buquê desaparece.
Desta forma a alucinação limitou-se à exacta
sugestão dada: veja e toque, mas não me foi dito para sentir o
aroma.
Continuo adormecido.
O Sr. de R. começa por renovar as experiências de
anteontem sobre a exteriorização do fluido sensível. Toco um
objecto; não o sinto. A sensação do contacto existe somente se o
objecto é colocado à distância e de acordo com as leis de distanciamento
observadas anteontem sobre a minha mão, enquanto que apenas o meu braço
estava magnetizado. Mas não é somente a sensação do contacto que posso agora
experimentar, de acordo com as mesmas leis.
O Sr. de R. pega um frasco tapado e passa-o sob o meu nariz,
bem contra as narinas. Não sinto absolutamente nada. Ele então distancia o
frasco. Tão logo este se encontra a uma certa distância, na primeira
camada sensível, a, reconheço o aroma da erva-ursa. Quando o
frasco se distancia entre a primeira camada sensível a e uma
segunda camada sensível b, não sinto mais nada. Volto a sentir
em b; depois mais nada entre b e c;
depois de novo, porém mais fracamente, em c; mais distante não
posso distinguir mais nada; as distâncias entre a e b e
entre b e c são mais ou menos iguais entre si
e o dobro da distância entre a minha pele e a primeira camada sensível a.
Vejo o Sr. de R. pegar uma bonequinha de cera vermelha;
ele a mantém imóvel por um momento na camada a; sinto muito bem o
objecto. Retira-a em seguida para além da camada c e a
espeta com um alfinete. Não sinto nada.
– Ah! Ah! Não se pode enfeitiçá-lo (III) – diz o Sr. de R.
–, provavelmente porque o seu fluido não se dissolve na cera; mas talvez
consigamos com água.
Demoradamente o Sr. de R. mantém um copo de água na
camada a. Tenho ainda a sensação do contacto de um objecto; porém,
se eu não olhasse, ser-me-ia impossível especificar a natureza e a forma desse
objecto. Em seguida o Sr. de R. afasta o copo, mergulha o dedo na água e a
agita. Ainda nada.
Vejamos com o ferro.
Na camada a o Sr. de R. mantém um molho de
chaves sobre sua mão aberta. Nova sensação de contacto, e desta vez um
inexplicável sentimento de incómodo: absorção de fluido por um corpinho
estranho? Feitiço? O certo é que me lamento de contactos dolorosos quando o
Sr. de R., afastando-se, esfrega as chaves dentro de sua mão fechada;
precipito-me com uma raiva ciumenta e obstino-me em tê-las vários
minutos em minha posse como se eu tivesse medo de ver arrancado um
membro, retirada uma parcela de minha vida.
Para fazer cessar esse estado de exaltação, o Sr. de R. me
desperta.
– Você poderá tornar-se, depois de muitas sessões, um sujet precioso
– diz-me ele rindo –, mas devolva-me minhas chaves. Tenho que
levá-las comigo!
/…
(I) Esse diário foi publicado em Junho de 1895 nos "Analles
des Sciences Psychiques". (A.R.)
(II) Para mim a verdadeira explicação é que, da mesma forma
que sobre a pele normal, o grau de sensibilidade varia com o grau de atenção. Olhando
o local onde se é beliscado, o "sujet" acumula sobre esse ponto
uma quantidade maior de fluido, que, assim, aumenta consideravelmente a
sensação. Todo a gente sabe que, quando um médico quer dar uma injecção num
doente e diminuir-lhe a dor, ele aconselha-o a não olhar para o local da aplicação.
(A.R.)
(III) O verbo enfeitiçar neste texto (no original em
francês, "envoûter" assume o sentido de fazer um feitiço, um boneco
de cera à semelhança da pessoa a quem se queira mal, infligindo a este boneco
certos martírios que, segundo se acredita, vem a padecer a pessoa que ele
representa. (N.T.)
Albert
de Rochas,
As Vidas Sucessivas,
Segunda Parte – Experiências magnéticas, Capítulo II Regressão da memória e
previsão,
Caso nº 1 – Laurent, 1893 1 de 4, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em
acrílico de Costa Brites)