A mediunidade de Jeanne d’Arc; o que eram as
suas vozes; fenómenos análogos, antigos e modernos
De pé, banhada em pranto, escuta atentamente
Alguma voz do céu, dolente.
Os fenómenos de visão, de audição, de premonição, que
marcam a vida de Jeanne d'Arc deram lugar às mais diversas
interpretações. Entre os historiadores, uns não viram neles mais do
que casos de alucinação; outros chegaram a falar de histeria ou neurose. Alguns
lhe atribuíram carácter sobrenatural e miraculoso.
O fim capital desta obra é analisar tais fenómenos,
demonstrar que são reais, que obedecem a leis por muito tempo ignoradas, mas
cuja existência se revela, a cada dia, de modo mais imponente e mais preciso.
À medida que se dilata o conhecimento do Universo e do ser,
a noção do sobrenatural recua e se apaga. Sabe-se hoje que a Natureza é
una; porém, que na sua imensidade encerra domínios, formas de vida, que durante
largo tempo nos escaparam aos sentidos. Sendo estes, como são,
extremamente limitados, não nos deixam perceber senão as faces mais grosseiras
e elementares do Universo e da vida. A sua pobreza e insuficiência se
manifestaram sobretudo a partir da invenção dos poderosos instrumentos de óptica, o telescópio e o microscópio, que alargaram em
todas as direcções o campo de nossas percepções visuais. Que sabíamos dos
infinitamente pequenos, antes da construção dos aparelhos de ampliação? Que
sabíamos das inúmeras existências que pululam e se agitam em derredor de nós e
em nós mesmos?
Entretanto, isso constitui apenas os baixos da Natureza e,
por assim dizer, o substractum da vida. Para o alto
sucedem-se e se escalonam planos sobre os quais se graduam existências cada vez
mais subtis, etéreas, inteligentes, com um carácter ainda humano; depois,
em certas alturas, angélicas, pertencentes sempre, tanto pelo exterior, como
pela essência, aos estados imponderáveis da matéria, estados que,
sob muitos aspectos, a Ciência hoje reconhece, como, por exemplo, na
radioactividade dos corpos, nos raios de Röntgen, em todo o conjunto das experiências realizadas
sobre a matéria radiante.
Além dos visíveis e tangíveis, que nos são familiares, sabemos
agora que a matéria também comporta múltiplos e vários estados invisíveis e impalpáveis, que ela pouco a
pouco se apura, se transforma em força e luz, para tornar-se o éter cósmico dos
físicos. Em todos esses estados, debaixo de todos esses
aspectos, continua sendo a substância em que se tecem inúmeros organismos,
formas de viver de uma inimaginável tenuidade. Num largo oceano de
matéria subtil, intensa a vida palpita por sobre e em torno de nós. Para
lá do círculo apertado das nossas sensações, cavam-se abismos, desdobra-se um
vasto mundo desconhecido, povoado de forças e de seres que não percebemos,
porém que, todavia, participam de nossa existência, de nossas alegrias e
sofrimentos, e que, dentro de determinados limites, nos podem influenciar e
socorrer. Nesse mundo incomensurável é que uma nova ciência se esforça por
penetrar.
Numa conferência que fez, há anos, no Instituto Geral
Politécnico, o Doutor Duclaux, director do Instituto Pasteur, se exprimia nos
seguintes termos: “Esse mundo, povoado de influências que
experimentamos sem as conhecer, penetrado de um quid divinum que
adivinhamos sem lhe percebermos as minúcias, é mais interessante do que este em
que até agora se confinou o nosso pensamento. Tratemos de abri-lo às nossas
pesquisas: há nele, por fazerem-se, infindáveis descobertas, que aproveitarão à
Humanidade.”
Oh! maravilha! nós mesmos pertencemos, por uma parte do
nosso ser, a mais importante, a esse mundo invisível que dia a dia se desvenda
aos observadores atentos. Existe em todo o ser humano uma forma fluídica,
um corpo imperceptível, indestrutível, imagem fiel do corpo físico, do qual
este último é apenas o revestimento transitório, o estojo grosseiro, dispondo de sentidos próprios, mais poderosos do que os do invólucro material,
que não passam de enfraquecido prolongamento dos primeiros. (i)
(i) A existência do duplo eu, ou
fantasma dos vivos, está firmada por uma infinidade de factos e de testemunhos.
Essa dupla personalidade pode separar-se do envoltório carnal durante o sono,
quer naturalmente, quer provocado, e manifestar-se à distância. Os casos de
telepatia, os fenómenos de desdobramento, de exteriorização, de aparição de
vivos em pontos afastados do lugar em que repousam, relatados tantas vezes
por F. Myers, C. Flammarion, professor C. Richet, Drs. Dariex e Maxwell, etc., são a
demonstração experimental mais evidente daquela existência. Os anais da
Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, constituída pelos mais eminentes
sábios da Inglaterra, se mostram repletos de factos desse género. Ver, para
maiores minudências: Léon Denis, Depois da Morte (edição de
1909, “O Perispírito, ou corpo fluídico”, cap. XXI, págs. 226 e
segs.); No Invisível (“O Espírito e a sua forma”, cap.
III, págs. 31 e segs.); G. Delanne, Les fantômes des vivants.
No corpo fluídico está a verdadeira sede das nossas faculdades, da nossa consciência, do que os crentes de todas as eras
chamaram alma. A alma não é uma entidade metafísica, mas,
sim, um centro imperecível de força e de vida, inseparável da sua forma
subtilíssima. Preexiste ao nosso nascimento, bem como à nossa morte,
não tem efeito sobre eles. Vem a encontrar-se, no além-túmulo, na
plenitude das suas aquisições intelectuais e morais. Tem por destino continuar, através do tempo e do espaço, a evolver para estados sempre melhores, sempre mais
iluminados pela luz da justiça, da verdade e da beleza eterna. O ser, indefinidamente
perfectível, colhe aumentados, quando no estado psíquico, os frutos do
trabalho, dos sacrifícios e, das provações de todas as suas existências.
Os que viveram entre nós, e continuam a sua evolução no
Espaço, não se desinteressam dos nossos sofrimentos e das nossas lágrimas.
Dos páramos superiores da vida universal manam continuamente sobre a Terra correntes de força e
de inspiração. Vêm daí as centelhas inesperadas do génio, os fortes
sopros que passam sobre as multidões, nos momentos decisivos; daí também o
amparo e o conforto para os que vergam ao peso do fardo da existência. Misterioso
laço une o visível ao invisível. Relações de diversa ordem se podem
estabelecer com o Além, mediante o auxílio de certas pessoas especialmente
dotadas, nas quais os sentidos profundos, que jazem adormecidos em todo o ser
humano, são capazes de despertar e entrar em acção desde a vida terrena. A
esses auxiliares é que damos o nome de médiuns. (ii)
(ii) Ver: Léon Denis, Depois da Morte, edição de 1959,
capítulo II, e No Invisível, caps. IV e V.
No tempo de Jeanne d'Arc essas coisas não eram
compreensíveis. As noções sobre o Universo e sobre a verdadeira
natureza do ser permaneciam ainda confusas e, em muitos pontos, incompletas, ou
erróneas. Entretanto, caminhando, há séculos, de conquista em
conquista, mau grado às suas hesitações e incertezas, o espírito humano já hoje
começa a levantar o voo. O pensamento do homem se eleva, acabamos de
vê-lo, acima do mundo físico e, mergulha nas vastas regiões do mundo
psíquico, onde principia a entrever o segredo das coisas, a chave de todos
os mistérios, a solução dos grandes problemas da vida, da morte e do destino.
Não esquecemos ainda a controvérsia de que estes estudos
foram objecto, a princípio, nem as críticas acerbas que ferem os que,
corajosamente, persistem em semelhantes pesquisas, para manter relações com o
invisível. Mas, não zombaram também, até no seio das sociedades sábias,
de muitas descobertas que, mais tarde, se impuseram como outras tantas
refulgentes verdades? O mesmo se dará com a existência dos Espíritos. Um
após outro, os homens de ciência são obrigados a admiti-la e,
frequentemente, por efeito de experiências destinadas a demonstrar-lhes
a falta de fundamento, Sir W. Crookes, o célebre químico inglês, que pelos seus
compatriotas é igualado a Newton,
pertence a esse número. Citemos também Russell Wallace e Oliver Lodge; Lombroso, na Itália; os doutores Paul Gibier e Dariex, na França; na Rússia, o
Conselheiro de Estado Aksakof ; na Alemanha, o barão du Prel e o astrónomo Zöllner. (iii)
(iii) Conhecem-se as experiências do ilustre
físico Sir W. Crookes, que, durante três anos, obteve em sua casa
materializações do Espírito de Katie King, em condições de rigorosa fiscalização. Crookes,
falando dessas manifestações, declarava: “Não digo que isto é possível;
digo: isto é um facto.”
Pretendeu-se que ele se retratasse. Entretanto, W. Stead escrevia ao New York American; “Londres, 7 de
fevereiro de 1909. Estive com Sir W. Crookes, no Ghost Club (Clube dos Fantasmas), onde fora
jantar, e ele me autoriza a dizer o seguinte: “Depois das minhas
experiências acerca do Espiritismo, começadas há trinta anos, nenhuma razão
encontro para modificar a minha opinião de outrora”.
Oliver Lodge, reitor da Universidade de Birmingham, membro
da Academia Real, escreveu: “Fui levado pessoalmente à certeza da
existência futura por provas assentes em bases puramente científicas.”
Frederic Myers, o professor de Cambridge, que o Congresso
Oficial e Internacional de Psicologia, de Paris, em 1900, elegera seu
presidente honorário, no magnífico livro A Personalidade Humana, chega à
conclusão de que do além-túmulo nos vêm vozes e mensagens. Falando do médium
Mrs. Thompson, escreve: “Creio que a maior parte dessas mensagens vêm
de Espíritos que se servem temporariamente do organismo dos médiuns para no-las transmitir.”
O célebre professor Lombroso, de Turim, declara na Lettura: “Os casos
de habitações em que, durante anos, se reproduzem aparições ou ruídos,
observados na ausência de médiuns, coincidindo com a narração de mortes trágicas,
depõem a favor da acção dos defuntos.” – “Trata-se amiúde de casas desabitadas,
onde tais fenómenos se produzem às vezes durante muitas gerações e mesmo
durante séculos.” (Ver: Annales des Sciences Psychiques,
fevereiro de 1908.)
Compreende-se a importância de tais testemunhos, que
poderíamos multiplicar, se o quadro desta obra no-lo permitisse.
Todo o homem sério, que se conserva a igual distância de uma
credulidade cega e de uma não menos cega incredulidade, é forçado a reconhecer
que as manifestações de que aqui se trata ocorreram em todos os tempos. Encontrá-las-eis
em todas as páginas da História, nos livros sagrados de todos os povos, assim
entre os videntes da Índia, do Egipto, da Grécia e de Roma,
como entre os médiuns de nossos dias. Os profetas da Judeia, os
apóstolos cristãos, as druidisas da Gália, os inspirados das Cevenas, na época
dos Camisards, tiraram as suas revelações da mesma fonte que a
nossa boa virgem lorena.
A mediunidade sempre existiu, pois que o homem sempre
foi espírito e, como espírito, manteve em todas as épocas uma brecha aberta
sobre o mundo inacessível aos nossos sentidos ordinários.
Constantes, permanentes, tais manifestações, em todos os meios, se dão sob todas as
formas, das mais comuns às mais grosseiras, como as das mesas falantes, dos
transportes de objectos sem contacto, das casas assombradas, até aos mais
delicadas e sublimes, como o êxtase ou as altas inspirações, tudo conforme
à elevação das inteligências que intervêm.
/...
“Próximo da casa de Jeanne d'Arc passava uma vereda que, atravessando
tufos de groselheiras, subia o outeiro a cujo cimo, coberto de mata, era dado o
nome de Bois Chesnu. A meia encosta, debaixo de grande faia
isolada, borbotava uma fonte, objecto de culto tradicional. Nas suas águas
claras, desde tempos imemoráveis, buscavam a cura os enfermos que a febre
atormentava... Seres misteriosos, anteriores entre nós ao cristianismo e que os camponeses nunca assentiram em
confundir com os espíritos infernais da legenda cristã, os génios das águas,
das pedras e dos bosques, as senhoras fadas, frequentavam a
cristalina fonte e a faia secular, que se chamava o "Belo Maio".
Ao entrar a primavera, vinham as donzelas dançar em baixo da árvore de Maio,
“bela como os lírios” e pendurar-lhe nos galhos, em honra das fadas,
grinaldas que desapareciam durante a noite, segundo era voz geral”. (*)
Henri Martin – Histoire de France (*), t.
VI, páginas 138 e 193.
Léon Denis, Jeanne d’Arc Médium, Primeira
Parte – Vida e mediunidade de Jeanne d'Arc, IV A mediunidade de Jeanne
d’Arc; o que eram as suas vozes; fenómenos análogos, antigos e modernos (1 de
6), 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: L'Annonciation, 1901, pintura de Edgard Maxence)
