Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida
e da história
Que somos?
(XI)
Aksakof, sábio russo, demonstrou na sua valiosa obra Animismo
e Espiritismo, refutando Hartmann, que o animismo prova
o Espiritismo, sem o qual este não poderia ser explicado; e isto é muito
natural, porquanto, para admitir a persistência do espírito depois da morte,
havia que deixar assente antes, que o espírito pode actuar, em casos
supranormais, sem o auxílio do organismo somático, ter percepções sem órgãos
sensoriais, realizar fenómenos de telecinesia, ideoplastia, telepatia, etc.,
sem o qual haveria uma impossibilidade lógica para admitir o fenómeno
propriamente espírita.
Frank
Podmore, inimigo ferrenho que foi do Espiritismo, estabeleceu também a
distinção entre fenómenos anímicos e espíritas e reconheceu que as faculdades
supranormais do espírito encarnado “demonstram a existência de outro mundo mais
elevado, no qual deverão actuar livremente”.
Gabriel Delanne, nas suas obras Evolução Anímica e O
Espiritismo perante a Ciência, amplia a demonstração de Aksakof e
demonstra, baseado em observações e experiências científicas, (i) a
existência do corpo astral, que serve de intermediário ao espírito para actuar
sobre a matéria e construir, sobre o seu modelo, o organismo humano.
O eminente psiquista, professor Ernesto Bozzano, demonstra, baseando-se nos factos que o
Espiritismo científico regista, na sua refutação a René Sudre (ii) e
ao professor Richet, que a Metapsíquica,
como ciência puramente anímica, é insuficiente para explicar todos os fenómenos
e manifestações espíritas e o peso de sua lógica é tão esmagador como
a evidência dos factos que cita.
Por sua parte, Camille Flammarion, que dedicou quase toda a sua vida ao
estudo do fenomenismo espírita, estabelece na sua magistral obra A
Morte e seu Mistério, dentro de uma ordem lógica e rigorosamente
científica, a conjugação e continuidade de todos esses fenómenos, que começam
no mais rudimentar animismo e se elevam até às manifestações espíritas mais
comprobatórias e concludentes.
Não obstante o peso dos factos, da demonstração que estes
implicam e dos argumentos que se aduzem em favor da tese espiritista, os
metapsiquistas refractários ao Espiritismo seguem gravitando entre a dúvida e a
negação, entre o “poder ser” e o “não ser” e em vez de sujeitar os seus juízos
aos factos, sacrificam os factos aos seus conceitos, forçando-os a entrar ora
no estreito marco das explicações anímicas, ora no círculo abstracto das
hipóteses antiespíritas, filhas da fantasia materialista, como, por exemplo,
a da criptomnésia ou memória ancestral, para explicar alguns fenómenos de xenoglossia que
não se encaixam no reduzido marco da explicação estritamente anímica; hipóteses
que supõem um médium poliglota falando os idiomas dos seus antepassados
longínquos, adquiridos por herança fisiológica, ou dando à criptopsiquia
(conjunto de faculdades ocultas do psiquismo) projecções fantásticas que fariam
de um médium um ser omnisciente, o qual, segundo esta hipótese, poderia captar
a consciência ou a memória que, depois da morte de um ser, andaria,
momentaneamente, como a fumaça desprendida da chama, flutuando no éter do
espaço, como se a consciência e a memória pudessem conceber-se sem
o eu espiritual, consciente e por si só capaz de recordação.
Sem dúvida, deve-se aos metapsiquistas o novo impulso que
tomou o Espiritismo e que muitos homens de ciência se tenham interessado pelo
seu estudo, em particular o professor Richet, que com o seu Tratado de
Metapsíquica rompeu o hermetismo da Academia de Ciências de Paris e
fez da Metapsíquica uma ciência oficial, considerada hoje como um ramo das
ciências naturais, assim como o grande psicólogo Frederic Myers, com a sua obra A Personalidade
Humana e o doutor Gustave
Geley com Do Inconsciente ao Consciente, levaram a teoria
espiritista às aulas universitárias.
A Metapsíquica, como temos dito, é uma disciplina
científica tão antiga como o Espiritismo, posto que não é mais do que este na
sua fase experimental; nela há três correntes: uma que podemos chamar
de vanguarda, por ser a mais revolucionária na ordem científica e a única
perfeitamente definida, como é a corrente espírita, em cuja frente figuram os
experimentadores mais eminentes, como Wallace, Crookes, Varley, de Morgan,
Zollner, Podmore, Aksakof, Hodgson, Barrett, Lodge, Flammarion, Lombroso, Brofferio, Geley, Bozzano, etc; a outra é a
corrente centrista, formada pelos sábios indecisos, que vacilam entre a dúvida
e a crença, que não se atrevem a negar em absoluto a teoria espírita,
nem se arriscam a afirmá-la, temerosos de se equivocarem e que, como o ilustre
Charles Richet, longe de negá-la, nela não crêem suficientemente provada e
dizem com ele que “é necessário dotá-la de uma base sólida, constituída por
factos indiscutíveis”, o que seria muito lógico, se esta base sólida não estivesse,
como está, perfeitamente constituída; a retaguarda constitui a corrente
conservadora, os não alinhados da ciência, que alimentam as ilusões do
paralelismo psicofisiológico e sentem nostalgia do materialismo...
Aí está, para responder às dúvidas e objecções dos
metapsiquistas não-espíritas, a incomparável Katie King, frente a frente com o seu médium, este
mostrando-se simultaneamente com ela, perfeitamente visível, tangível e
fotografável, vivendo, accionando, pensando, discorrendo, conversando com
ela, animando-a e revelando, ambas, duas personalidades física e psicologicamente
distintas, duas individualidades biológicas inconfundíveis; aí está
Estela de Livermore, manifestando-se durante cinco anos, em 388 sessões,
materializando-se e desmaterializando-se à vista de seu esposo e do doutor Juan
F. Grau (como o fizera Katie King à vista de William Crookes), beijando
aquele, dando-lhe provas de afecto e carinho, falando intimamente com ele,
escrevendo com a própria caligrafia que tinha em vida, nas folhas de papel que
este lhe dava e perante a sua vista; aí estão estas e outras mil manifestações
de espíritos materializados desafiando a absurda hipótese da
“prosopopéia-metagnomia” que pretende, arbitrariamente, sejam um produto
fantasmal da ideia “plasticizante” do médium; aí estão os fenómenos de
correspondência cruzada, que descartam toda a explicação não-sofística, fundada
em hipóteses anímicas; os de escrita automática e directa com a caligrafia
própria do defunto, com as suas ideias, as suas opiniões e a modalidade própria
de cada entidade manifestante; os de voz directa, que constituem, quando o
fenómeno é autêntico, a prova mais formidável da comunicação espírita; os de
xenoglossia, que, como os observados pelo juiz John W. Edmonds com a sua filha
Laura e o obtido pelo médium Valiantini por voz directa, citado por Dennis
Bradley, não podem ser explicados pela hipótese metapsíquica de Flournoy e
muito menos por revivescências ancestrais; aí estão, enfim, as provas de
identidade, obtidas pela mediunidade falante, que, como as expostas por Ernesto
Bozzano na obra já mencionada, constituem, com o que expusemos e com o muito
que desejamos expor, a base de granito sobre o qual se baseia o Espiritismo.
O Espiritismo se alça vigoroso e triunfante acima dos
ataques e objecções que lhe dirigem os seus inimigos; ergue-se como árvore
frondosa, carregada de frutos promissores, frutos que a experiência abonou, que
sazonou em quase um século de observação e de estudo e que hoje oferece à
humanidade sofrida, como resultado de muitos sacrifícios e dissabores, não
para adormecê-la no sono infecundo da quietude, como crêem alguns, mas para
estimulá-la com o atractivo da imortalidade, que leva em si mesma todos os
nobres anseios da vida e do progresso continuado do espírito, através de vidas
sucessivas, de existências sempre renovadas e sempre superadas.
O Espiritismo é ciência filosófica e ao mesmo tempo
filosofia científica: ciência filosófica porque deduz conclusões dos factos que
examina e filosofia científica porque repousa nos factos da Psicologia, da
Metapsíquica e da ciência em geral, e é também ciência integral e progressiva,
porque referindo-se ao espírito humano (sujeito e objecto de seus estudos e
sempre perfectível), à sua evolução, ao seu destino, às suas relações com a
humanidade e com o universo, nele integra os conhecimentos.
A sua filosofia é eminentemente dialéctica; a sua concepção
da vida, dinâmica; o seu conceito genético (iii) da história.
Até meados do século passado, o Espiritismo não formou um
corpo de doutrina. Os elementos desta ciência profunda do espírito, tanto no
que se refere aos fenómenos como aos conceitos filosóficos, achavam-se
dispersos por todos os povos da Terra e encontram-se em todas as épocas da
história misturados com as mais diversas crenças e práticas religiosas. As
pessoas dotadas de faculdades mediúnicas foram consideradas ora como deuses ou
adivinhos, ora como demoníacas, bruxos ou feiticeiros. As práticas foram de
domínio esotérico das religiões e por isso, em alguns casos, conservam esse
selo de misticismo e de superstição do qual o Espiritismo ainda não se tem
podido desprender, não obstante os avanços da ciência e da crítica razoável.
Os fenómenos foram aceitos sem classificação nem ordem,
tomando-se as manifestações anímicas por revelações espíritas, ou estas por
aquelas, e muitas vezes a charlatanice e a sofisticação, pela verdade. E
não é estranho que haja, todavia, muitas pessoas que creiam firmemente que tudo
o que sai da boca de um médium é manifestação genuína do além.
Se isto aconteceu com os fenómenos, que se poderia
esperar da teoria? Esta adoeceu e adoece ainda de defeitos análogos, defeitos
de interpretação e, portanto, de uniformidade filosófica e ideológica, tudo
devido à influência das religiões, ao carácter de revelação providencial, de
infalibilidade ou de superioridade que a gente simples ou ignorante atribui às
comunicações espíritas e a essa tendência ao sincretismo que tudo quer
conciliar – até mesmo os absurdos religiosos maiores, com os factos e
conceitos mais claros e verdadeiros –, tendência que se nota em quase todos os
autores clássicos e não em poucos modernos, que ainda vivem presos à rocha dos
prejuízos da velha escolástica. Eis porque o Espiritismo, como filosofia,
resulta numa doutrina heterogénea e em alguns casos contraditória, cujos
princípios e preceitos diferem entre si, a tal ponto que originam duas
correntes opostas: religiosa e conservadora, outra racionalista e
revolucionária, que hoje se manifestam pronunciadamente.
Em 1857, Léon Hippolyte Denisard Rivail – Allan Kardec –,
espírito observador e de uma penetração pouco comum, examinou, compilou e
classificou os factos, formulou a teoria e estabeleceu a nomenclatura espírita,
criando um vocabulário com o qual expressou os factos e os conceitos
doutrinários que deles resultam. Mas a doutrina de Kardec e dos seus
colaboradores, mesmo sendo verdadeira nos seus princípios fundamentais, não
pôde ultrapassar os limites de sua época nem romper por completo com os moldes
religiosos aos quais se ajustou. Kardec buscou conciliar o Espiritismo, por um
lado, com a ciência; por outro, com as religiões, usando métodos, procedimentos
de lógica, formas de pensamento e de linguagem próprios dos dois. Isto pôde ser
conveniente no seu tempo, em que a fé religiosa, à falta de melhor compreensão
dos fenómenos espiritistas e do carácter de revelação que se lhes atribuía,
desempenhava um papel primordial no ânimo dos adeptos, diferente dos que buscavam
a verdade pela experiência e o raciocínio, mesmo sabendo-a possível e
demonstrável. Por outro lado, a crença na sobrevivência do espírito ainda não
havia sido desalojada da ciência pelo positivismo e pelo materialismo. Hoje, as
exigências do espírito científico e filosófico, que abarcam horizontes mais
amplos, não se satisfazem com os expedientes religiosos e morais de São Luís,
de Santo Agostinho ou de qualquer outro santo filósofo ou teólogo, nem com
versículos, preceitos ou parábolas extraídos da Bíblia.
A moderna concepção do Espiritismo veio elaborando-se com
a experiência dos factos, não só no terreno da Psicologia experimental, no
fenomenismo metapsíquico e espírita – que lhe serve de base fundamental –, como
também abonando este terreno com a contribuição das demais ciências físicas e
naturais e com as reflexões filosóficas que estas sugerem. Por outras
palavras, podemos afirmar que o Espiritismo, durante o processo de sua
evolução, estava em gestação na consciência e na mente dos homens que o
levariam a uma nova concepção científica e filosófica, estava formando a nova
dialéctica espiritualista ajustada aos factos da Psicologia moderna e da
concepção espírita dínamo-genética da vida e da história.
Os novos tempos, os novos homens, as novas concepções do
Universo, as novas ideologias e as novas formas das ideias.
O sinal do evidente progresso do Espiritismo na actualidade
é a sua grandiosa concepção dialéctica, cujos elementos fundamentais expomos
nesta obra, bem como enriquecimentos de sua terminologia, que sofreu
uma sensível renovação e foi aumentada consideravelmente com neologismos
apropriados, necessários para a compreensão e devida classificação dos
factos, das ideias e conceitos.
Não há ciência nem filosofia que, no curso de sua evolução,
não sofra modificações, não mude em algum dos seus conceitos e nos limites do
conhecimento, à medida que este se faz mais extensivo, mais claro, mais
compreensível, mais ajustado à verdade essencial que encarnam os factos ou
fenómenos estudados.
A concepção dialéctica e a sua lógica científica põem de
manifesto a renovação e o avanço do Espiritismo, despojando-o de todo o
elemento alheio ao seu conteúdo científico e filosófico e reafirmando um dos
mais formosos princípios de sua doutrina: O Espiritismo, marchando de
acordo com os progressos da ciência, nada tem a temer.
/...
(i) Ver também, As Vidas Sucessivas, do mesmo autor.
(ii) O autor refere-se à obra A Propósito da “Introdução
à Metapsíquica Humana”, que teve o objectivo de refutar as teorias de René
Sudre em sua obra Introdução à Metapsíquica Humana. (N.E.)
(iii) Ciência filosófica porque estuda e resume na sua
vasta filosofia todos os princípios filosóficos relacionados com o ser e o
pensar, e filosofia científica porque repousa em factos experimentais e de
observação, partindo da Psicologia e da Metapsíquica e estendendo-se às
ciências em geral e, por conseguinte, considerado nas suas relações e
projecções com as ciências particulares.
Manuel S. Porteiro, Espiritismo Dialéctico,
CAPÍTULO I Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da
história – Que somos? (XI), 11º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Personajes, Pintura
de Josefina
Robirosa)