~~ Experiências magnéticas Regressão da memória e previsão, Caso nº 2 Joséphine
Joséphine é uma jovem de dezoito anos, doméstica na
casa de um alfaiate de Voiron, Sr. C., interessado, assim como sua esposa, pelo
espiritismo, do qual são os únicos adeptos nesta cidade. Possui inteligência
bastante comum e é tratada familiarmente pelos seus patrões, que a acusam
apenas de ser um pouco astuciosa. (i)
Adormeci-a por meio de passes longitudinais para conhecer os
fenómenos que ela apresentaria e fiquei admirado ao constatar que, sem nenhuma
sugestão, eu a fazia remontar ao curso de sua vida, assim como a Laurent, que deixei de observar desde 1893.
Ei-la com a idade de sete anos. Pergunto-lhe o que faz.
– Frequento a escola.
– Você sabe escrever?
– Sim, estou a começar a aprender.
Ponho-lhe uma pena na mão, ela escreve muito bem papá e mamã.
Continuo os passes magnéticos e levo-a à idade dos cinco anos.
Ela escreve por sílabas, pa, pá.
Ponho-lhe na mão um lenço dizendo-lhe que é uma boneca; ela parece bastante
contente e põe-se a acariciá-la. Apresenta todas as características de uma
menina dessa idade. Novos passes. Está agora provavelmente no berço e já não pode falar. Coloco-lhe a extremidade do dedo dentro da boca; ela o
chupa.
Após algumas sessões destinadas a torná-las mais flexíveis e
a diminuir o tempo necessário para levá-la ao estado da primeira infância, tive
a ideia de continuar os passes longitudinais. Interrogada, Joséphine respondeu
por sinais às minhas perguntas, e foi assim que me mostrou
pouco a pouco, em diferentes sessões, que não havia ainda nascido, que o
corpo no qual devia encarnar estava no ventre de sua mãe à volta de quem
ela se enroscava, mas cujas sensações tinham pouca influência sobre si.
Um novo aprofundamento do sono determinou a manifestação de
uma personagem cuja natureza tive a princípio dificuldades em determinar.
Ela não queria dizer nem quem era, nem onde estava.
Respondia-me, em tom brusco e com voz de homem, que estava lá, uma vez que
me falava; porém, ela não via nada, encontrava-se na completa escuridão. (ii)
Tendo-se o sono tornado ainda mais profundo, foi um
velho deitado na sua cama e doente há muito tempo quem respondeu às minhas
perguntas, após inúmeros rodeios, como um camponês astuto que teme
comprometer-se e quer saber por que é interrogado.
Figura 1 – Caligrafia de Joséphine adormecida e
levada à personalidade de Jean-Claude Bourdon, com a idade de quinze anos.
Figura 2 – Caligrafia de Joséphine, no estado de
vigília, a quem dito o nome de Jean-Claude Bourdon.
Enfim vim a saber que ele se chamava Jean-Claude
Bourdon e que o lugarejo onde se encontrava era Champvent, na comuna de
Polliat, porém ele não sabia em que departamento. (iii)
Pouco a pouco consegui captar a sua confiança e eis aqui o que soube
de sua vida, cujos diversos períodos fi-los reviver várias vezes. (iv)
Ele nasceu em Champvent em 1812. (v)
Frequentou a escola somente até aos dezoito anos, porque não aprendia
grande coisa, podendo estar presente apenas durante o inverno e repetidamente
faltando às aulas. Fez o serviço militar no 7º Regimento de Artilharia, em
Besançon. (vi)
Devia permanecer no Regimento durante sete anos, porém a morte de seu pai,
permitiu a sua liberação, mais cedo, decorridos apenas quatro anos. Não recorda
o nome de nenhum de seus oficiais; por outro lado, sabe que se distraía
bastante, com os camaradas e as moças, narrando-me as suas escapadelas,
enquanto anelava o bigode.
De retorno à terra natal, reencontra a sua boa amiga
Jeannette a quem devia desposar antes de partir e da qual só me falou
depois de corar. Agora sabe que não é preciso desposar as mulheres para
servir-se delas; já não quer casar e mantém Jeannette como amante.
Observei-lhe que podia engravidar a pobre moça: “Bem, depois! ela não será a
primeira nem a última.” Envelheceu isolado fazendo ele próprio a sua
comida, limitada a sopa e charcutarias. Tinha na sua terra um irmão casado com
filhos, queixa-se dos seus procedimentos para com ele e não os vê. Morre
com a idade de setenta anos, após uma longa doença. Durante o período
correspondente à doença, pergunto-lhe se não pensa em chamar o padre: “Ah! você
está a zombar de mim. Você acredita em todas as besteiras que ele me diz? Ora,
vá! quando se morre, é para sempre.”
Morre. Sente-se sair do seu corpo, mas a ele continua preso
durante um tempo bastante longo. Pôde seguir o seu enterro flutuando
acima do caixão. Compreendeu vagamente o que as pessoas diziam: “Que grande
alívio!” Na igreja, o padre andou em torno do féretro e produziu assim uma
espécie de muro um pouco luminoso que o protegia dos maus espíritos que
queriam precipitar-se sobre ele. As preces do padre também o acalmaram, porém
tudo isso pouco durou. A água benta afastava igualmente os maus espíritos,
porque os dissolve em toda a parte onde os alcança. No cemitério, ficou
perto do seu corpo e sentiu-lhe a decomposição, o que o fazia sofrer muito. (vii)
O seu corpo fluídico, que se tornou difuso depois da morte,
retomou forma mais compacta. Ele vive na obscuridade, que lhe é penosa,
mas não sofre, porque não matou nem roubou. Apenas sente sede algumas
vezes, porque era bastante beberrão. Reconhece que a morte não é o que pensava.
Não compreende bem o que lhe aconteceu, mas se soubesse antes o que agora
sabe não teria zombado tanto do padre. Proponho-lhe fazê-lo reviver: “Ah! se
assim o fizer, vou até gostar de você!”
As trevas nas quais estava mergulhado acabaram por ser
abertas por algumas luzes frouxas. Ele teve a inspiração de reencarnar num
corpo de mulher, porque as mulheres sofrem mais do que os homens e ele
tinha de expiar as faltas que havia cometido abusando das moças. Então aproximou-se
daquela que seria a sua mãe, ficou perto dela até que a criança viesse ao mundo
e, a seguir, entrou pouco a pouco no corpo dessa criança. Até cerca dos sete anos, havia em torno desse corpo uma espécie de névoa flutuante com a
qual ele via muitas coisas que nunca mais voltou a ver. (viii)
Quando acabei de extrair de Bourdon as informações que
julgava úteis. (ix)
Tentei recuar ainda mais longe no passado. Uma magnetização
prolongada durante cerca de 45 minutos, sem demorar-me em nenhuma etapa,
levou-me a Jean-Claude muito pequeno.
Em seguida, nova personalidade. É agora uma senhora
idosa que foi muito má, uma má língua que se comprazia em prejudicar as
pessoas. Ela também sofre muito, o seu rosto é contraído por convulsões e às
vezes ela se torce sobre a cadeira com uma expressão assustadora de dor. Encontra-se
nas trevas espessas, cercada de maus espíritos que tomam formas horrendas para
atormentá-la e atormentar os vivos quando o podem; é este o maior prazer
deles. Algumas vezes ela foi levada também a mudar de forma e a segui-los para
fazer mal aos homens. Fala com voz fraca, mas responde sempre de modo preciso
às perguntas que lhe faço, ao contrário de argumentar a todo instante, como o
fazia Jean-Claude. Ela se chama Philomène Carteron.
Aprofundando ainda mais o sono, provoco as manifestações
de Philomène viva. Ela já não sofre, parece bastante calma, responde
sempre muito nitidamente em tom seco. Sabe que não é amada na região e que
ninguém perderá nada com a sua ausência e ela saberá muito bem vingar-se
na ocasião propícia. Nasceu em 1702, chamava-se Philomène Charpigny quando
solteira. O seu avô materno chamava-se Pierre Machon e morava em Ozan. Casou-se
em 1732, em Chevroux, com um homem chamado Carteron, com o qual teve dois
filhos que perdeu. (x)
Antes da sua encarnação, Philomène havia sido uma
menina, morta na tenra idade. Anteriormente havia sido um homem que
tinha matado e roubado, um verdadeiro bandido. É por isso que muito
sofreu na completa escuridão a fim de expiar os seus crimes,
mesmo depois da sua vida de menina, quando não teve tempo para fazer o mal.
Não pude levar mais longe a experiência das vidas sucessivas
porque, no fim da muito longa magnetização (cerca de duas horas) que era
necessária para levá-la ao estado de bandido, o sujet (Joséphine)
parecia esgotado. Causava pena vê-la nas suas crises; porém, um dia em que
a havia conduzido até esse estado, pressionei-lhe um ponto situado no meio da
fronte e que possui a propriedade de despertar a memória sonambúlica, ordenando-lhe
que se transportasse a um tempo mais anterior. Ela me diz então, com hesitação
e virando a cabeça, parecendo confusa, que tinha sido um macaco, um grande
macaco quase semelhante ao homem. Confesso que não esperava esta resposta
e o meu pensamento se reportou imediatamente a uma anedota atribuída a Alexandre
Dumas pai (tendo alguém perguntado se era verdade que o seu pai era
negro, Dumas, que não gostava quando lhe lembravam a sua origem, respondeu:
“Certamente, e meu avô era um macaco; a minha família começou por onde a sua
termina”). Entretanto, mantendo a seriedade, limitei-me a manifestar a
minha admiração por ouvir que uma alma de animal se tornou uma alma de homem.
Ela me respondeu que nos animais havia, como nos homens, naturezas boas ou
más e que, quando o animal se tornava homem, este permanecia com os
instintos do que havia sido como animal. Uma outra vez, nas mesmas
circunstâncias, ela me diz que entre o seu estado de bandido e o de macaco
havia passado por várias encarnações sucessivas; recordava-se de ter
vivido nas florestas matando lobos, e nesse momento o seu rosto tornou-se
feroz.
/...
(i) Ela é bastante sensível ao magnetismo. Um dia caiu de
uma altura de 2,50 m .,
dando uma forte pancada com uma coxa sobre o ângulo de uma máquina de costura e
feriu-se bastante, o que a fazia mancar. Adormeci-a e exteriorizei-lhe o seu
duplo, como ela via bem por ele o local da ferida, colocou ali a minha mão,
que mantive durante dois minutos; ao despertar estava completamente curada. (Albert de
Rochas)
(ii) Encontrava-me assim lançado numa espécie de pesquisa
da qual eu estava longe de suspeitar, e para que eu pudesse aí encontrar-me,
foram-me necessárias várias sessões durante as quais, trazendo de volta ao
presente, envelhecendo ou rejuvenescendo alternadamente o sujet nas
suas existências anteriores, através de passes apropriados, coordenei e
completei informações que eram frequentemente obscuras para mim, porque eu
absolutamente não previa, no inicio, aonde ela queria conduzir-me e
porque eu compreendia dificilmente os nomes próprios que se referiam a regiões
ou a personagens desconhecidas. Apenas após pesquisas nos mapas e nos
dicionários, consegui determinar exactamente os nomes e pude tomar nos próprios
locais informações das quais falarei mais adiante. É bom lembrar aqui que, na
maioria dos sujet, o sono magnético faz surgir uma série alternada de
fases de letargia durante as quais não conseguem dar a conhecer as suas
impressões em consequência de uma paralisia momentânea dos seus nervos motores
e de fases de sonambulismo durante as quais podem falar, mas apresentam a
insensibilidade cutânea. Gozam então de novas faculdades tanto mais
desenvolvidas quanto mais profundo seja o sono. Durante as fases de
letargia, o sujet continua em relação com uma parte do mundo
exterior; se, após o despertar, se pressiona sobre a sua fronte o ponto da
memória sonambúlica, desperta-se a memória do que se passou enquanto ele estava
adormecido, tanto durante estas fases como durante as outras. (Abert de Rochas)
(iii) Ele observou que havia dois lugarejos vizinhos que
se chamavam Champvent, mas que o seu era o mais próximo de Mézériat e que ele
ia com frequência a Saint-Julien, em Reyssouse, a negócios. Esses detalhes
permitiram-me encontrar Champvent no departamento de Ain e no mapa do
Estado-maior (Folha de Macon, a sudeste). Quanto a Joséphine, nasceu e
passou a sua juventude em Manziat, cantão de Bugey-le-Châtel. No estado de
vigília ela não se recorda de já ter ouvido falar de Champvent perto de
Polliat. (A. de Rochas)
(iv) Para vencer as suas
resistências eu o envelhecia por punição e rejuvenescia-o, ao contrário, como
recompensa; e ele me tomava nos últimos tempos por um grande feiticeiro a quem
era preciso obedecer. (A. de Rochas)
(v) As datas variam de dez anos
quando comparadas entre si em diferentes momentos de sua personificação e em
diferentes sessões. (A. de Rochas)
(vi) O 7º Regimento de Artilharia
manteve realmente guarnição em Besançon de 1832 a 1837 e é
difícil compreender como Joséphine teria sido informada disto. (A. de Rochas)
(vii) Perguntei-lhe se via os
vermes: “Claro, não me atiraram sal”. (A. de Rochas)
(viii) O povo diz que as crianças
riem, com alegria, sem motivo. (A. de Rochas)
(ix) O padre de Polliat, a quem
escrevi para saber se existia na sua paróquia algum vestígio de Jean-Claude
Bourdon, respondeu-me que nenhum Bourdon foi nunca conhecido em Polliat, mas
que esse nome é bastante difundido num lugar vizinho, em Griège por
Pont-de-Veyle (Ain). (A. de Rochas
(x) Ela não tem nenhum
sentimento religioso nem nunca frequentou a igreja e acredita que tudo
termina com esta vida. Não sabe escrever. As famílias Charpigny e Carteron
realmente existiram em Ozam e em Chevroux, porém não encontrei nenhum vestígio
positivo de Philomène. (A. de Rochas)
Albert de Rochas, As Vidas Sucessivas, Segunda
Parte – Experiências magnéticas, Capítulo II – Regressão da
memória e previsão / Caso nº 2 – Joséphine, 1904 (1 de 3), 9º
fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan,
pintura em acrílico de Costa
Brites)