Capítulo V
O SIGNIFICADO ESPÍRITA do Materialismo
Dialéctico (i)
Nos tempos actuais, o materialismo dialéctico encontra-se no auge, devido a se considerar o seu método de conhecimento como o novo instrumento filosófico com o qual se pode interpretar a realidade histórica, e porque pode determinar uma transformação social que redunde num tipo de sociedade nova.
Segundo os seus princípios, o homem deixa de ser uma
entidade que conduz a marcha dos fenómenos sociais, para converter-se numa
máquina manejada pelas forças exteriores. Deste modo, a matéria é que tem
preeminência sobre o espírito, convertendo-se o Ser numa representação fisioquímica. Esquecemos assim que o indivíduo possui uma
realidade metapsíquica,
que supera em todos os sentidos o seu mundo corporal.
Na dialéctica de Hegel, os
fenómenos materiais são apenas objectivações da Ideia, e o mundo subjectivo
desenvolve-se por uma lei de contradições que se opera através de uma tese, uma
antítese e uma síntese. Penetrando na filosofia dialéctica de Hegel, compreenderemos,
com assombro, que ela está baseada no mesmo processo da filosofia palingenésica
do espiritismo. Gustave Geley,
referindo-se a Hegel, disse:
“Na filosofia de Hegel encontram-se nitidamente as ideias
de evolução e involução. O absoluto, que não é mais do que um ideal puro, sem
realidade alguma, desenvolve-se para chegar à plena consciência de si
mesmo. Isto origina a evolução, que Hegel chama o porvir. O
desenvolvimento opera-se em três fases ou tempos: primeiro, estado de pura
virtualidade, chamado por Hegel: tese; segundo, delimitação e
divisão, isto é: a antítese; terceiro,
desaparecimento das delimitações e a identificação dos contrários, numa síntese superior.
“Esta síntese, às vezes, converte-se logo no ponto de
partida de um movimento análogo, que se repete até ao infinito. Tese,
antítese e síntese reaparecem constantemente, em todos os momentos do
desenvolvimento do Ser. Na sua evolução, o Ser realiza todos os progressos
e chega, deste modo, à plena consciência de si mesmo. (*)
A exacta interpretação que Geley faz
de Hegel leva-nos a supor um grande porvir para a função ideológica que
desenvolverá a palingenesia dialéctica.
Hegel escreveu a sua Fenomenologia do Espírito afastando-se
de todo o dogma. Geley, em
plena actualidade, fez outro tanto com o seu extraordinário livro Do
Inconsciente ao Consciente. Assim, para Geley, o Absoluto de Hegel se
chama Dinamopsiquismo, e evolui do inconsciente ao consciente; de
maneira que o Espírito Absoluto do filósofo alemão e
o Dinamopsiquismo do metapsiquista francês se nos apresentam
como uma mesma entidade metafísica, cujas três fases de tese,
antítese e síntese da dialéctica concordam com a
trilogia espírita de nascer, morrer e renascer. Como
poderemos ver, o nascimento corresponderia à tese, a morte à antítese e o
renascimento à síntese.
Marx inverteu,
como sabemos, o sentido original da dialéctica, acreditando demonstrar dessa
maneira que o mundo material é que determina a realidade espiritual.
Contudo, os fenómenos metapsíquicos dão razão à interpretação
dialéctica de Hegel, demonstrando que por trás de todo o fenómeno material
oculta-se um ser teleológico, que revela uma presença
inteligente e espiritual. Os fenómenos de materialização e
desmaterialização julgam o materialismo dialéctico de maneira terminante. Pois
se o Espírito Absoluto de Hegel e o Dinamopsiquismo de Geley, em
circunstâncias especiais, se materializam e desmaterializam, isso demonstra que
a realidade material não é a que impulsiona o processo histórico, mas
sim a Ideia ou realidade espiritual.
Chegamos assim à conclusão de que o determinismo histórico
está movimentado por uma causalidade espiritual, cujo motor psíquico é a parte
fundamental do Ser.
Tratamos, em seguida, de interpretar a lei materialista
dialéctica de negação da negação, que, segundo a filosofia
espírita, corresponde ao processo de evolução da involução.
Com efeito, quando o materialismo dialéctico afirma que as
coisas são processos materiais, que se transformam e se desenvolvem,
não faz outra coisa senão mostrar-nos um processo dialéctico espiritual,
porque, se as coisas são processos, estes confirmam a tese palingenésica do
Ser, quando nos explica que é um factor psíquico o determinante da evolução da
involução (no materialismo dialéctico: negação da negação).
Mas antes de prosseguir, façamos algumas breves reflexões
sobre esta teoria, chamada negação da negação pela filosofia
Materialista dialéctica.
Para o espiritismo, é o conceito de negação que
redunda na desordem, no caos, na morte e no nada. De maneira terminante, a
negação não é mais do que a base ideológica do existencialismo ateu.
Se tudo isto implica o conceito de negação o materialismo dialéctico nunca
poderá falar de uma verdadeira negação de negação, por lhe
faltar uma ideologia transcendental, que dê sentido e finalidade à existência e
ao Universo.
A sua interpretação da história sempre se faz no conceito de
negação, já que a sua própria ideologia é uma consequência da negação de toda a
teleologia espiritual do homem e do mundo. Nenhuma ideia ou sistema que não
aceite o espírito, como o expõe a filosofia espírita, poderá aspirar a uma
posição verdadeira ao conceito de negação, visto que este não é mais do que
um encontro com o nada. (**)
A negação é uma propriedade do Nada, e uma real negação
da negação só poderá efectuar-se sobre o fundamento da vida
eterna e da concepção de um homem infinito. Então, destruir a negação nas
coisas é trabalho do espiritualismo espírita, e não do
materialismo dialéctico, assentado sobre a ideia do nada e da morte
definitiva do indivíduo, isto é, sobre o conceito de negação, dentro
do qual cabem todas as formas ideológicas que se opõem à vida e à
evolução palingenésica.
Se, como afirma a dialéctica materialista, todas as coisas são processos, necessariamente a identidade e coesão das mesmas para que se mantenham, devem corresponder a um número psíquico, já que não pode; haver processo se não houver antes harmonia no formal.
Consequentemente, a matéria, para estar submetida a processos, deve ser
conduzida por algo, e esse algo não é mais do que o Espírito Absoluto de Hegel ou o Dinamopsiquismo de Geley.
O materialismo dialéctico silencia a este respeito. Não
explica nada sobre esse factor essencial, que mantém o processo formal das
coisas. E é aqui que a realidade do fenómeno metapsíquico se impõe, e
por ele fica demonstrado que o Universo é o que Geley chama Dinamopsiquismo
Essencial. É este facto que renova a filosofia idealista por meio do
perispírito, órgão psíquico do espírito, através do qual o Absoluto de
Hegel deixa de ser um puro ideal sem realidade alguma, como
dizia Geley ao apreciar a dialéctica hegeliana.
Se todas as coisas são processos, como afirma o materialismo
dialéctico, o próprio homem resultará um dinamopsiquismo individual, cuja
natureza o revelará como um ser palingenésico. É aqui que se nos apresenta o
processo dialéctico de tese, antítese e síntese, concordando
admiravelmente com a trilogia espírita de nascer, morrer e renascer, verdadeiro
fundamento da negação da negação, ampliada pela tese
palingenésica de evolução da involução.
/…
(*) Geley,
Ensaio de Revista Geral e de Interpretação Sintética do Espiritismo.
(**) Título de um livro de Helmut Kuhn.
Humberto Mariotti (i), O
Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma
Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo
V – O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico 1 de 3, 8º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad
paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)