Os investigadores científicos dos fenómenos espíritas operam
no campo da matéria. Não são espíritas, mas cientistas interessados pela
fenomenologia que dá base concreta à doutrina. Por isso já dissemos, há
tempos, a respeito, que a ciência espírita, no que toca às manifestações
materiais do espírito, vêm sendo construída pelos adversários do Espiritismo. É
este um facto único na história do conhecimento e, uma das maiores glórias da
doutrina espírita. Crookes, Richet, Geley, Crawford, ao iniciarem as suas pesquisas, não eram
espíritas, como Price, Rhine e
Bjorkhem, das Universidade de Oxford, de Duke (EE. UU.) e, de Upsala (Suécia),
respectivamente, não são espíritas. Mas todos contribuem para a ciência
espírita.
Não cabe a nós, espíritas, formular nenhuma teoria
científica para investigação dos fenómenos supranormais ou para demonstração da
realidade da sobrevivência. O Espiritismo,
nos seus três aspectos, o científico, o filosófico e o religioso, possui
métodos próprios de observação e investigação, e já provou há muito a realidade
da sobrevivência. Os cientistas materialistas, ou pelo menos cépticos, é que
devem tratar de provar, através de suas teorias e de seus métodos, que o
Espiritismo se encontra em erro. Querer, pois, dotar o Espiritismo de “teorias
que lhe facultem o avanço seguro na estrada da pesquisa metódica de
laboratório”, como pretende o Sr. Guimarães Andrade, na sua Teoria Corpuscular do
Espírito, é invadir atribuições alheias. E dizer que o Espiritismo não
possui teorias orientadoras de pesquisas científicas é negar a própria doutrina
e esquecer os seus efeitos no mundo científico.
Humberto Mariotti, o conhecido escritor espírita argentino,
encerra o seu livro Dialéctica e Metapsíquica, réplica a um livro
materialista de Emílio Troise, com esta advertência: “A filosofia
espírita, sempre pronta a renovar-se, espera, pois, para o fazer, uma prova
científica de seu opositor: o materialismo. Enquanto isso, continuará
forjando o aço desse novo mundo espiritual, que vem lançando por entre os factos
da psicologia supranormal, até que a prova mencionada seja produzida”. A teoria
espírita, como a chamaram os cientistas, não é apenas teoria, mas toda uma
doutrina, solidamente construída sobre um vasto e profundo alicerce de factos,
comprovados por adeptos e adversários, crentes ou descrentes. Ela se impõe por
si mesma, ou “pela força mesma das coisas”, como dizia Allan Kardec.
Não espera as nossas elaborações teóricas para cumprir a sua missão.
Grande e belo exemplo é o que nos dá Charles Richet, na carta que dirigiu a Ernesto Bozzano, rendendo-se à evidência espírita.
Construtor, ele mesmo, de uma teoria, exclama, diante dos argumentos espíritas
de Bozzano: “Eles formam um estranho contraste com as nebulosas teorias que
atravancam a nossa ciência”. Ao contrário disso, o Sr. Guimarães
Andrade pretende que deixemos de lado, considerando-os obsoletos, os conceitos
clássicos da doutrina, para construirmos mais uma teoria nebulosa e, com ela
aumentarmos o atravancamento científico.
Nós, espíritas, temos por acaso alguma dúvida a respeito da
sobrevivência do espírito e da sua possibilidade de acção sobre a
matéria? Precisamos de novas teorias para investigar os fenómenos
impropriamente chamados de supranormais? Não. Logo, não nos compete a
formulação de teorias novas. Por outro lado, duvidamos da solidez das provas e
do acervo gigantesco de factos da biblioteca espírita, sempre aberta ao
possível interesse dos materialistas? Também não. Logo, a estes é que compete
e, não a nós, quebrar a cabeça de encontro à rocha em que nos firmamos. O
nosso papel, pelo contrário, é o de continuarmos firmes sobre a rocha, que tem
resistido, até aqui, a todos os cabeçudos.
Pergunta o confrade Guimarães: “Será que já conhecemos tudo
a respeito do fascinante problema do espírito, das suas relações com o mundo
físico, das suas propriedades, da sua natureza real?” Podemos responder com
outra pergunta: “Conhecem os materialistas tudo o que se relaciona com o
fascinante problema da matéria, das suas relações com forças desconhecidas, das
suas propriedades, da sua natureza real?” Estamos e, eles também o estão,
absolutamente certos de que não. Então, como pretendermos colocar, na mesma
mesa da ciência materialista, servindo-nos dos seus instrumentos rudimentares,
ainda em elaboração, o problema espiritual? Se ela é impotente para dizer tudo
a respeito da matéria, como querermos que o diga a respeito do espírito? O
mais certo, o mais prudente, é admitirmos a explicação de Kardec: “O
Espiritismo não é da alçada da ciência”. Sê-lo-á mais tarde. Mas, para tanto, a
ciência precisa concluir a sua tarefa no terreno material, o que ainda está
longe de fazer.
Poderão objectar-nos que as pesquisas dos sábios
materialistas concorreram para a comprovação da doutrina. Mas não dizemos o
contrário. O que dizemos é que isso compete a eles. Quando os sábios, operando
no campo da matéria, comprovam os princípios da ciência espírita, contribuem
para esta e, só temos que agradecer-lhes. Aquilo que chamamos, com Allan Kardec,
a Ciência Espírita, não é mais do que o aspecto científico da doutrina. Neste
aspecto, há uma zona fronteiriça, em que a ciência material pode
comprovar os factos espíritas. A da fenomenologia mediúnica. Nesta zona é
que o materialismo vem construindo, sem querer, a contragosto, a ciência
espírita acessível à compreensão materialista.
O confrade Guimarães Andrade quer que ajudemos os sábios
oferecendo-lhes uma teoria espírita que eles possam aceitar. A intenção é boa,
mas conduz a desvios perigosos, como já vimos e ainda veremos, na análise
de A Teoria Corpuscular do Espírito. Além disso, é conveniente
lembrarmos o velho adágio: “Cada macaco no seu galho”. O Espiritismo,
como diz Mariotti no mesmo livro acima citado, “é uma estrela de amor”. Essa
estrela brilha sobre o atravancamento de hipóteses nebulosas da ciência
materialista e, ainda, segundo o mesmo autor, “ilumina os caminhos
de todos os peregrinos que vão em busca da verdade”. Não basta isso?
Queremos também acompanhar os peregrinos, oferecendo-lhes cajados que eles não
nos pedem e, até mesmo rejeitam com desprezo?
O livro do Sr. Guimarães Andrade é simplesmente um equívoco.
E como tal, só pode fazer mal à doutrina e ao movimento espírita. Pedimos
desculpa ao confrade, por esta rude franqueza. Mas, em questões doutrinárias, é
preferível a dureza da verdade. Pensamos já haver demonstrado, até aqui, os
vários enganos do autor. Mas prosseguiremos ainda, para que não digam amanhã,
como disseram certa vez, a respeito de outra crítica, que passamos ao de leve
sobre o assunto.
/…
José Herculano Pires (i) – A Pedra e o Joio, Crítica
à Teoria Corpuscular do Espírito. Quem não pode o menos, fragmento 13º desta
obra.
(imagem de contextualização: As Colhedoras de Grãos,
pintura a óleo por Jean-François
Millet)
Sem comentários:
Enviar um comentário